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Cesária Évora não fez fama em Lisboa, mas foi em Lisboa que a sua vida mudou. Djô da Silva, seu empresário e amigo é a principal testemunha da sua vida no filme de Ana Sofia Fonseca, Cesária Évora, que chega agora ao cinema.
Na semana em que fez dez anos da sua morte e no ano em que passam oitenta do seu nascimento, houve um concerto com artistas que a acompanharam e alguns nomes da nova geração da música cabo-verdiana como Tito Paris e Teófilo Chantre – companheiros de Cize – e Nancy Vieira, Elida Almeida e Lucibela e José deu uma entrevista à Mensagem.
Cesária esteve em Lisboa na década de oitenta, mas nessa altura não houve quem acreditasse verdadeiramente nela. Seguia a cantar pelos bares noite dentro e no fim restavam-lhe uns trocos, alguns copos de bebida, um maço de tabaco e refeições quentes.

Antes da fama, que chegou de fora, Cesária Évora era vista pelos colegas, e até por produtores da época, como aquela mulher que até cantava bem umas mornas e coladeiras nas “tocantinas” da sua cidade do Mindelo, em São Vicente. Nada mais. E em Lisboa, onde raramente vinha, mas onde veio procurar quem a ajudasse na sua missão de cantar, também era assim.
Entre altos e baixos de sua vida dura em São Vicente, e algumas viagens para o exterior onde cantava para as comunidades cabo-verdianas, Cesária já andava há algum tempo à procura de um produtor.
E foi em Lisboa, a cidade onde não tinha sido devidamente reconhecida que encontrou José da Silva, Djô, a pessoa que a acompanharia nesta grande aventura até ao fim de sua vida. E “não estava nada planeado”.
Entrevista completa em crioulo mais abaixo.
Quando descobriste a Cesária e como foi?
Eu tive a sorte de estar de férias em Lisboa – em busca das minhas raízes crioulas, porque fui criado na França – tinham-me dado referência de um espaço e fui. Era o restaurante “Monte Cara”, do saudoso Bana e calhou a sorte de estar a Cesária a cantar nesse dia. Foi sorte porque ela estava de passagem por Lisboa vinda dos Estados Unidos e iria regressar para Cabo Verde.
Tive a sorte de a ouvir cantar nesse dia e fiquei comovido com aquela voz como nunca havia ficado antes na vida. Decidi que tinha de falar com aquela mulher para perceber quem ela era e porque eu estava a sentir tal emoção. Quando falei com ela, percebi que era uma pessoa bastante simples e que estava à procura de alguma ajuda, porque não tinha produtor. Fiquei bastante surpreso e improvisei uma ajuda. Disse-lhe: “Eu conheço bem o meio da música em França. Se tu quiseres posso-te mandar buscar e fazemos coisas.” No início foi mais uma ajuda para uma senhora que precisava. E só depois, no decorrer do percurso com ela, fui me apercebendo mais ainda do potencial que tinha e fui inventando coisas para fazer com ela, divulgá-la da melhor maneira possível até chegar ao sucesso. Mas durou 5 anos.
Ou seja, Cesária tinha uma ligação com Lisboa crioula. Foi aqui que a encontraste. Achas que não foi devidamente reconhecida cá?
Bem, eu também não conhecia bem Lisboa. Mas admirou-me que, com a qualidade que ela tinha, pessoas do mundo da música em Lisboa não se tenham ocupado dela. E foi quando eu disse: “Então tenho de fazer alguma coisa por ti.” Se aqui não se passa nada então vamos para Paris. Foi sorte minha, porque se se tivessem ocupado bem dela talvez não tissesse trabalhado com ela e nada teria acontecido. Então era minha sorte e sorte dela também.



E que fenómeno foi esse?
Não sei bem se foi um fenómeno… O que aconteceu na realidade foi simplesmente apresentar uma pessoa como ela é. Ela era uma pessoa genuína e eu apenas a acompanhei. Não mudei nada. É claro que hoje em dia é difícil encontrar uma pessoa assim. Cesária era simples. Ela não inventava nada para agradar a ninguém. Ou gostavas dela como ela era ou não.
O sucesso mundial veio logo com o primeiro disco que gravaram?
Não. No início fui buscá-la para a promover na comunidade cabo-verdiana e naquele tempo eles queriam dançar, queriam festa. Fazer um disco de morna e coladeira não era o que eles queriam. No primeiro disco fui buscar os meus amigos. Eu tinha sido manager do grupo Cabo-Verde Show em 1986, então fui buscar o Manu Lima para fazer o arranjo do primeiro disco, mas também tinha o Luís Morais que tinha vindo com a Cesária e que se ocupou dos arranjos das coladeiras e mornas e também. Neste primeiro disco, Paulino Vieira fez arranjos nas mornas através do Luís Morais. Mas, o sucesso na comunidade foi graças aos temas feitos por Manu Lima porque eram mais modernos. Eram do tempo do Cabo Dance, dos sintetizadores etc. “Bia de Lulucha” foi o tema com mais sucesso deste primeiro disco que chamei de “A Diva dos Pés Descalços.”
Era assim que a chamavam…
Foi o nome que me ocorreu na altura porque a Cesária andava sempre descalça.
E o segundo disco?
Também fizemos o segundo disco para comunidade. Fui buscar o arranjador da moda naquele momento que era Ramiro Mendes, nos Estados Unidos. O segundo disco era “Destino de Belita”. Ao mesmo tempo estava sempre a tentar introduzir Cesária no meio francês. E estava muito difícil. Todos os lugares onde eu ia descartavam a ideia de trabalhar com Cesária, mas continuei e insistir até que um dia encontrei com o responsável da editora “Melodie” que me disse o seguinte: “Olha, as mornas e coladeiras são bastante interessantes, mas esta outra estética não é do interesse dos franceses”. Então disse-lhe que eu gravava para o público que tinha. E foi quando ele me agendou para um grande festival.
Qual foi o festival?
“Angolême, Music du Monde”. Era um festival consagrado no tempo da World Music. Era a primeira vez que tinha um público exclusivamente europeu a assistir um concerto da Cesária. Falei com Ramiro Mendes e Mindel Band que tinha um estilo versátil e decidi fazer dois sets: um com músicas eletrónicas para bailes crioulos e outro acústico com músicas tradicionais do estilo mornas e coladeiras. No primeiro set senti que o público não gostou muito, mas quando passamos para o set acústico houve um grande silêncio. E nesse momento senti que aconteceu alguma coisa.
Teve um clique?
Sim. Estavam grandes jornalistas que não sabiam quem eu era e ouvia os seus comentários a dizer “Se é isso que esta senhora vai fazer, valoriza mais a voz dela. É incrível”. Na mesma hora liguei para um estúdio em Paris, reservei e disse à banda “vamos fazer uma noite cabo-verdiana.” Disse à Cesária para cantar o que ela quisesse e que tinha o costume de cantar nos bares em Cabo Verde em São Vicente. E quando lá chegamos disse a Luís Morais que não havia o que inventar e deviam simplesmente tocar como tacavam nos bares em São Vicente. E assim foi. Gravamos o “Mar Azul” em três dias.
Levei a cassete à “Melodie” e o responsável disse que tinha acertado daquela vez, mas antes do lançamento sugeriu que fosse enviado para cinco jornalistas. Assim que saiu o “Mar Azul” vendemos de imediato cinquenta mil exemplares. Depois disso, convidamos o Paulino Vieira para produzir um disco acústico com mais tempo que foi “Miss Perfumado”.
Cesária tinha uma ligação com o universo da música crioula em Lisboa… Eles já tinham trabalhado antes?
Não. Foi Tito Paris que através do Bana produziu um disco para a Cesária, em Lisboa, antes de ela trabalhar comigo.
E qual foi o laboratório da Cesária Évora?
Foi Cabo-Verde. Concretamente Mindelo, São Vicente. Nos piano bares com Chico Serra, Tigoy, Manuel D’Novas. Foi ali, rodeada desses músicos, onde apanhou as bases para tudo o que depois veio a fazer. Ela dizia que já tinha visto o seu sucesso há muito tempo nos bares de Cabo-Verde, porque às vezes cantava para estrangeiros e dizia que nos seus olhos via e sentia claramente que no dia em que saísse de Cabo-Verde para cantar no estrangeiro, pela maneira como a admiravam, certamente teria sucesso. Ela teve essa intuição décadas antes do que viria a acontecer em França.


Então ela deve ter recebido bem a ideia de voltar a ser mais tradicional, não?
Ela compreendeu que no início era preciso trabalhar temas voltados para a comunidade e com isso ela começou a ganhar algum dinheiro para se sustentar, mas eu sabia pelas nossas conversas de que ela musicalmente não estava satisfeita. Quando os músicos da primeira fase tocavam, às vezes tapava os ouvidos porque era barulho demais para ela. Mas como não tinha escolha e sabia que estávamos na luta pela sobrevivência, ela aguentava. Quando passamos para o acústico foi formidável para ela. Eu lhe explicava sempre muito bem as coisas, mas ela também sentiu que tinha acontecido algo no Festival de Angolême. E, claro, a vertente acústica era o que tinha mais a ver com a sua raiz, com o que ela gostava que era a “tocantina” cabo-verdiana. Se eu quisesse colocar depois um violino ou um sax, ela não colocava objeção desde que a base estivesse presente. Nos entendíamos muito bem.
E a Cesária como mulher, como pessoa?
Era uma pessoa bem simples, mas consciente das coisas que iriam acontecer e o sucesso dela não a surpreendeu. Era como se já soubesse de tudo que lhe iria acontecer. Só que sempre esperou pelo seu momento. Teve várias possibilidades, mas foram interrompidas por pessoas que não a ajudaram ou que não acreditaram nela.
Queria falar um pouco sobre isso. Achas que em Lisboa ela não foi devidamente valorizada?
Sim. A verdade é que os músicos que a rodeavam nos tempos que passava em Lisboa, todos eles já a conheciam em Cabo Verde. E porque a conheciam em Cabo-Verde viam-na como uma senhora que canta bem, mas que é alcoólica e marginalizada. E quando ela veio a Lisboa continuaram a olhar para ela da mesma forma, não viram o seu potencial. Era simplesmente senhora que cantava nos bares em Cabo-Verde e mais nada. Como eu não fui criado lá e não vi nada disso, senti outra coisa. Vi algo diferente e porque cresci na Europa a minha visão da música africana é a de um europeu. Vejo com outros olhos. Meus ouvidos são uma mistura de África e da Europa. Então, sinto África, porque no Senegal vivi como um menino africano, estava nas ruas a brincar dentro de todo aquele universo, aos 13 anos fui para França, e continuei a minha vida em França até quarenta anos depois. Meu ouvido não é cem por cento africano.

Depois do reconhecimento mundial como é que Cesária passou a ser vista em Cabo-Verde pelos cabo-verdianos?
No início era como se não estivessem a acreditar no que estava a passar-se. Foi só quando começamos a tocar em salas enormes em Nova Iorque, na França, Portugal, Holanda etc., é que começaram a dizer “Wow, algo está a acontecer!”. Mas mesmo assim, em Cabo Verde não vi grande diferença. As pessoas sabiam, mas não demostravam por ela aquela admiração de fãs. Cumprimentavam-na na rua, tanto em São Vicente como em Santiago, dizendo “olá, Ceze!” mas sem o entusiasmo de fãs. Depois percebi que era com todos. Para os cabo-verdianos, “somos todos iguais”. Sobretudo na geração da Cesária, do Bana e do Ildo Lobo. Só hoje, na nova geração, há uma abordagem diferente do público aos artistas, por causa do pop.
Quantas vezes Cesária atuou em Cabo Verde?
Poucas vezes porque não a chamavam. Os festivais de Cabo Verde não a convidavam. O primeiro festival a convidar Cesária foi o da Baía da Gatas em São Vicente, sua ilha natal, porque a Câmara tinha uma mulher como presidente, Isaura Gomes. A resposta foi: “Se me tratarem como me tratam na Europa, se me pagarem como me pagam na Europa, eu vou!”. A resposta da Presidente da Câmara foi positiva. E foi assim que atuou no festival da Baía com um contrato como deve ser, foi bem tratada, com um cachê como deve ser. O segundo Festival foi o de Santa Maria, na Ilha do Sal e não me lembro dela ter participado em mais nenhum festival.
A Cesária falava de ti com muito carinho. Foi ela que nunca teve oportunidade de te deixar ou quis permanecer ao teu lado até a sua morte?
Sempre tivemos uma relação familiar porque justamente começamos a trabalhar de uma maneira informal. Era uma ajuda que eu lhe estava a dar. Não havia contrato. Andamos por vários países da Europa juntos até que cinco anos depois lhe disse: “Tens de assinar um contrato”, e ela assinou. Aquele tratamento era familiar. Eu tinha muito respeito por ela e para mim ela tinha sempre razão. Qualquer coisa que queria era só dizer e eu buscava como o fazer da melhor forma seja na área musical ou na relação familiar. Eu geria tudo da Cesária, até a família. Em 1993, quando surgiu o sucesso todos os managers das maiores editoras queriam a Cesária. E eu enfrentei um dilema: “Será que tenho o direito de querer que esta senhora continue a trabalhar comigo?”. Decidi informá-la e disse-lhe que a Sony e outras tantas editoras a queriam ter como artista. A resposta dela sempre foi a mesma: “Desde que seja contigo é o que eles quiserem.” A Virgin, inglesa, insistia e disse-me que eu é que estava a bloquear Cesária. E eu decidi levá-la até eles. Depois de ouvir, ela disse “ok, já ouvi tudo, vou pensar e falar com o Djô, e te digo alguma coisa”. Quando descíamos as escadas, ela me disse: “Este aqui é um mentiroso e eu não quero nem ouvir falar dele”.
Ela tinha intuição?
Sim. Se tivesse dúvida de alguma coisa chamava a Cesária e o que ela dizia era o que eu fazia. Era muito assertiva.


Em crioulo
“Na Lisboa, ês ta odjaba Cesária moda un cantora di ‘toca tinas’ di Mindelo i mas nada”
Ê pasa pa Lisboa na anus oitenta ma ka tivi ninguén ki ta kreditaba nel. Ê kontinua ta faci si kaminhu ta kanta na bar dinoti i na fin ê ta resebêba uns troko, bebida, cigaru i pratu di kumida.
Antis di fama, ki txiga di fora, sis coléga ku produtores di kel ténpu ta odjaba el Cesária moda un senhora ki ta kantaba dretu morna ku koladera na “toka tinas” do San Vicente i mas nada. Na Lisboa undi ki kuasi ê ka ta binha, ma undi ki ê ben buska ken ki ta djudal, també era asî.
Dipôs di um monti luta, ta bai ta ben, ê staba ta passa pa Lisboa i Djô, sê empresário ti fim di si vida odjal ta kanta. Ê djudal bai pa França I ês dôs fazi kel kaminhu djuntu ti ês venci.

Djô, sta na Lisboa pa un konsertu di homenagem pa Cesária ki ta kontici na semana ki ê ta kompleta dez anu ki ê móri, i na anu ki Cize ta kompletaba oitenta anu. Tito Paris, Teófilo Chantre, Nancy Vieira, Elida Almeida i Lucibela ê alguns artistas ki ta canta hoji na Koliseu EGEAC di Lisboa.
Texto escrito em crioulo de São Vicente, no âmbito do projeto de jornalismo em crioulo da Mensagem de Lisboa. Leia mais informações aqui.
Kuandu ki bu diskubri Cesária i modi ki foi?
Mi n’têve sôrt de estôde de féria na Lisboa – ta busca nha raís kriol, pamôde mi nfoi menine kriôde na Fransa – ês tinha dôde mi referência d’un spáce i n’ba pa kel lugar. Era restaurante “Monte Cara” de Bana na altura i sôrte kaliá ke Cesária tava ta kantá nêse dia. Foi sôrte pamôde êl táva de pasagen pa Lisboa vinde de Estados Unidos, i êl táva ta ben voltá pa Kabo-Verde. N’tive sorte d’úvil ta kantá nêse dia i n’fka komovid ma kel voz de manera ke nunca n’ka tinha fikôd antes. Enton, ndissidi ke n’tinha de fala ma kel senhora pa n’podê ntendê quem êl era i pamôde ke n’tava ta xinti akêle emosão. Quand n’fala ma el, npercebê ma el éra un pesoa bastante sinples i ke tava ta procura ajuda pamôde el ka tinha prudutor. N’fka txêu admirôde i n’inprovisá un ajuda. N’dzel: mi n’ta konxê meio d’música na Fransa i se bô quiser n’ta mandá buscôb i nô ta fazê uns kosa”. Na inísio foi mais un ajuda pa un senhora ke tava ta precisá. E só dpôs, na caminhe nba ta tomá konta mais ainda de sê putensial i n’ba ta inventá kosas pa fazê ma êl i divulgal de amedjôre forma pusível. Mas tude kela durá 5 ône.
Enton, Cesária tinha un ligason ku Lisboa Kriola. Foi li ke bô bu atchal. I bu ta atxa ma ês dal valor li?
Bon, ami n’ka konxêba Lisboa. Mas n’fká ta pensá môde ke ê pusível, ke kualidade ke êl tinha, môde ke pesoas de mundu de músika ka okupá dêl. Foi kuande n’dzel: “enton, nten ke fazê algun kôsa pa bô”. Se li ka ta passá nada, enton nô ba pa Paris. Foi sôrte d’meu pamôde se ês tinha akupôde del, talvês n’ka ta binha trabaiá ma el i nada ka tinha akonteside. Enton era nha sôrte i sôrte dela tambê.
I ki finómenu foi kelâ?
Nka sabê se foi un fenómenu…Kusê ke konticê foi presentá un pessoa môde êl éra. Éra un pessoa genuína i mi apenas n’akompanhal. N’ka mudá nada. Ê klaru ke hoje en dia ê difisil enkontrá un pessoa moda kêlâ. Cesária era simples. Ê ka ta inventaba nada pa agrada ninguén. Ou bô tá gostá dêl así ou bô ka ta gostá.
Sucesso tchiga ku primeru disco ki nhôs grava?
Nau. Na inísio nben buscal pa promovel na komunidade kabu-verdiana i na kêl tempu ês keria dansá. Ês keria festa. Fazê un disku de morna ma koladera ka era kuzé ke ês keria. Na primeru disku nba buská nhas amigue. Ntinha sido manager de “Kabo-Verde Show” na 1986, enton n’ba buscá Manu Lima pa êl bem fazê aranjus de kel primêre disku, mas tambê tinha Luis Morais ke binha ma Cesária i ke okupá de fazê aranjus de morna i de koladera. Tambê na ês primêre disku – através de Luis Morais – Paulino Vieira fazê alguns arranjos de morna. Mas, sucesso de kel disku na komunidade foi pamôde kes tema feito pa Manu Lima ke éra mais moderno. Éra na kes tempo de “Kabo Dance” e de sintetizadores. “Bia de Lulucha” foi tema de maior sucesso de kel primêre disku ke ntchomá de “La Diva Aux Pieds Nus”.

Era así ki nhôs ta tchomada el?
Kêl nome foi nome ke ben na nha kabesa pamôde Cesária ta gostava de andá deskalsa.
I kel segundo disku?
També nô fazê kel segundo disku pa komunidade. Nba buská arranjador ke tava na moda na kel época, ke éra Ramiro Mendes, na Merca. Nu txmál “Destino de Belita”, mas ao mesmo tempe n’tava ta tentá introdusi Cesária na meio fransês. Ma ka tava fásil. Tude lugar ke nba ês tava descarta ideia de trabaiá ma Cize, ma n’kontinuá ta insisti até ke un dia n’encontrá ma responsável de um editora ke ês ta txmá “Melodie” i êl d’zem así: “Oiá, morna ma koladera ê bastante interesante mas kes ôte estile de musika ka ta bem interesá fransês” Enton n’dezel ma mi nta gravava pa publiko ke mi ntinha. Enton el agendan pa un grande festival.

Kal ki foi kel festival ?
“Angolême, Music du Monde”. Éra un festival grande na tempe de World Music. Éra primêre vês ke Cesária tava ta bem kantá pâ um público europeu. N’papiá ma Ramiro Mendes e Mindel Band ke tinha un estilo versátil i ndisidi fazê kel concerto na dôs sets. Um set mais elétriku e ôte mais acústiku ke musikas tradicionais na estile de morna i koladera. Na primêre set n’senti ma públiko ka gostá muite. Já na segunde set houve un grande silêncio. Nêse momente nsenti ma algun kosa kontesê.
Bô teve um click?
Sin. La trás tava kês grande jornalista ke ka sabia ken mi era, i ntava ta úvi sês kumentário ta dzê : “Se ês senhora ta bem fazê ês stilo de músika, ta valorizá mas sê voz. É inkrivél”. Na mesma hora n’ligá pa um estúdio na Paris n’ávisá Ramiro e Luis Morais e ndzês: “ nô ba gravá um noite cabo-verdiana” n’dezê Cesária pa el kantá kel ke el tinha kustume de kantá na bares e restaurantes de Mindelo na Soncent. Ndezê Luís Morais: “ka tem nada ke inventá! Bzote tocá simplesmente manera ke bzot ta tocava na Soncent”. I nô gravá “Mar Azul” na três dias.
N’levá kasete pa “Melodie” i kel responsável dzêm ke ntinha acertôde d’kel vês. Mas antes de nô lansál, el sugeri ke kel álbum fosse presentôde pa 5 jornalistas franses. Dias dpôs ê txomame. Asin ke nô lansá “Mar azul”, no vendê de imediatu cinkuenta mil exemplares. Dpôs nô bem kunvedá Paulino Vieira pa el bem produzi un disko akustiko ke mais tempe, ke foi “Miss Perfumando”.
Cesária tinha un ligason ku univesu di musika kriol na Lisboa…el ku Paulinho dja es trabadjaba antes di bu discubril?
Não. Foi Tito Paris ke através de Bana produzi un disco pa Cesária na Lisboa, antes dêl trabaiá ma mi.
Úndi ki foi laburatóriu di Cesária?
Foi Kabo-Verde. Concretamente Mindelo, Soncent. Na kes piano bar ma Chico Serra, Tigoy, Manuel D’Novas. Foi lâ, rodeôde dêse músicos, ondê kel panhá tude kês base pa tude kêl bem fazê depôs. Ê moda el ta dzia, ma el oiá sê sucesso diazá na bares de Soncent pamôde às vês el ta kantava pa estrangeiros i el ta dzia ma el ta oiáva na ses ôie i el ta sentia ma ês tava ta admiral. El ta sentia ma dia ke el saíba de Kabo Verde pa kantá na estrageiro – pa manera ke ês ta spiaba êl – mas êl ta tinha sucesso. El teve ese intuição diazá antes de tude ke bem kontecê na França.

Enton el compreende bem kel ideia de voltá fazê kes músika tradisional?
El compreendê ke na inísio era preciso trabaiá temas pa nôs komunidade i el komesá ta ganhá sê sustente así. Mas ami nsabia na sês konversa, ma musikalmente êl ka tava kontente. E kuando kês musiko de primeira fase ta tocava, às vês ê ta btava mon na úvid ta tapá, pamôde era txeu barudje pa êl. Mas el ka tinha ke skodjê enton el ta ta aguentava. Kuande nô pasá pa acústico foi furmidável pa êl. Nta explicava tude sempre ben, ma êl tambê el senti o que akontecê na Angoulême. I klaru ke que kel vertente acústico tava mas mas ligôde na rais era tude ke êl tava gostá…kês toca tina de Kabo Verde. Se mi despôs n’quisese metê um violin ou un sax, el ka ta dzia que não.
Modi ki era el komo pesoa, komo mudjer?
Era un pessoa sinples, mas consciente de kôsas ke ta binha kontecê ma el. Sê sucesso ka surpreendel. Moda êl dzê, el oiál diazá. Era como se el sabia tude ke ta binha kontecê. Ma sempre êl esperá sê moment. Êl tive várias possibilidades mas êl foi interrompida pa pessoas ke ka ajudal nen kredita nel.

Nkria falaba sobre kela. Bu ta atcha ma na Lisboa ê ka foi valorizada?
Sin. Verdade é ke tude kes músiko que trabaiá ma el na noite de Lisboa tude ês ta coxeba Cize na mindele na noite e es ta oiába êl como un pessoa bêbada i marginalizada. I kuand el bem pa Lisboa ês kontinuá ta oiá pa êl de kel mesma forma ke ês ta oiába el na soncent, bo ta oiá? Ês ka spiá sê pontencial. Era simplesmente akêl senhora ke tava ta kantá na bares de Soncent i mais nada. Mas komo mi nka foi kriôde na Kabo-Verde nka oiá dnada disso. Mi n’senti ôte kôsa. N’oiá um kôsa diferente pamode mi ê kriode na Europa. Nha visão de musika afrikana é dun Europeu. Nta oiá ma ôte ôie. Nhas úvid ê un mistura de europa i de Áfrika. Nta senti África pamôde nvivê na Senegal i nta senti Europa pamôde ke 13 ône nbai pa Fransa ondê ke nvivê 40 ône. Nhas úvid ê ka cem por cento africano.
Dipôs de reconhesimento mundial modi ki Cesária passa ta ser odjadu na Kabo-Verde pa kaboverdianus?
Na inísio era môde se ês ka tava creditá ma era verdade. Foi só kuande no kumesá ta fazê kes sala grande de Nova York, França, Porugal, Holanda, ê ke ês komesá ta dzê “Wow algun kosa ti ta kontecê!”. Mas mesmo asin, na Kabo Verde mi n’ka oiá grande diferensa. Pesoas ta sabê, ma ka tava demostra kel admirason de fã. Es tava kumprimental na rua, ês tava salval ta dzê: “Cize” mas ês ka tinha kel entusiamo de fã. Dpos n’bem percebê ma era ke tude ês. Pa Kabo-verdianu nôs tude é igual. Sobretude na gerason de Cesária, Bana ma Ildo do lobo. Só hoje na ês “nova geração” nô ta oiá ês tipe de manifestação.
Kantu bês ki Cesária atua na Kaoberdi?
Poucas vezes pamôde ês ka ta txmava el. Kes festivais de Kabo-Verde ka ta kunvedava êl. Primêre festival ke kunvedal foi de “Baia das Gatas” pamôde Camara de Mindelo tinha um presidente amdjer, Isaura Gomes i ke bai pa casa de Cesária i bai konvedal. Sê resposta foi “Se es traram moda ês ta tratam na Europa, se ês ta pagam moda ês ta pagam na Europa nta bai”. Resposta foi positivo e ê aseitá. I foi así ke el atuá na Festival de Baía, kontratu como deve ser, foi bem tratode, cachê como deve ser . Segunde festival ke el kantá na Kabo Verde foi de “Santa Maria”, na Ilha de Sal i mi nka ta lembrá dela ter participôde na nenhum ôte festival.
A Cesária ta papiaba di bó ku muito karinhu. Ê ka tive opurtunidadi di dêxau ou ê kis fica ku bô ti morti?
Anôs sempre nu tive un relason familiar. Pamôde justamente nô komesá ta trabaiá de un manera informal. Era un ajuda ke min ntava ta dal. Nu ka tinha kontratu. Nu viajá pa vários países di Europa ti ke depôs de cinc ône, ndzel: “bô tem ke asiná un kontratu” i el asiná. Kel tratamente familiar. Mi ntinha muito respeito pa êl e êla pa mi tinha sempri rason. Tude ke êl kria nta aranjava medjor forma de fazêl, na musika ou na vida familiar. Na 1993 kuand surgi sê sucesso tude managers de kês maior editora keria Cesária. Pa mi era um dilema i n’perguntá: “Será ke n’ten direitu de krê ke ês senhora feká só ma mi? Enton ndecidi informal ma Sony i um mionte de editoras tava interesôde na kompral. Sê resposta foi sempre igual: “se ê pa nfekâ ma bô, ê kel e ês quiser.” Virgin, inglês, tava ta insisti i diretor dzê ma mi ke tava bará Cesária. Enton n’decidi leval pa ba spiás. Depôs del úvi tude kes tinha proposte, el dzê, “ok, am úvi tude ntaba pensá i dze depôs kel ke ndicidi” e kuand no tava ta descê escada ê dezem: “môse li é un mentiroso nka krê nem úvi fala mas na el”.
Êl tinha intuição?
Sin, se ntivesse kuaker dúvida na tomada de algun decisão, nta txmava Cesária, nta perguntava i kel ke el dezeba ê ke mi mi nta.

Karyna Gomes
É a jornalista responsável pelo projeto de jornalismo crioulo na Mensagem, no âmbito do projeto Newspectrum – em parceria com o site Lisboa Criola de Dino D’Santiago. Além de jornalista é cantora, guineense de mãe cabo-verdiana, e escolheu Lisboa para viver desde 2011. Estudou jornalismo no Brasil, e trabalhou na RTP, rádios locais na Guiné-Bissau, foi correspondente de do Jornal “A Semana” de Cabo verde e Associated Press, e trabalhou no mundo das ONG na Unicef e SNV.
É incrível como Cesária, depois de tanto sofrer na vida, ainda teve de enfrentar o preconceito dos seus concidadãos! Parabéns,Djo da Silva
Gostei imenso dessa reportagem, sobre a vida e o sucesso da nossa DIVA DOS PÉS DESCALÇOS. Um bem haja a Djô da Silva, que veio a aparecer no momento certo na vida da nossa querida Cesária Évora!👏👏 👏👏👏👏👏