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A processar…
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Quando eu nasci – na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, como a maior parte dos lisboetas de então –, quer pela ausência de planeamento familiar (a pílula só chegaria na década seguinte e apenas aos meios urbanos), quer porque a Igreja, bastante influente, só admitia o sexo com a finalidade da procriação, as raparigas das aldeias tinham um filho atrás do outro (metade dos quais morriam na primeira infância) e nas cidades, «sem televisão», era comum encontrar famílias com oito ou dez filhos.

(A minha madrinha, que lembro sempre grávida, chegou aos doze – e dizia-se que só parara por aí por medo de que o 13 fosse mesmo o número do azar).

A minha mãe foi, apesar de tudo, mais parcimoniosa: apesar de ter desejado uma mão-cheia de filhos (mais precisamente, cinco), só conseguiu ter quatro; e afirmava que, apesar do horror das contracções, não conhecia as dores do parto propriamente dito porque tinha sido sempre anestesiada.

O meu irmão mais velho, que veio ao mundo com mais de quatro quilos, obrigou-a a uma cesariana; a minha irmã, renitente em sair do quentinho, teve de ser de lá tirada a ferros; e, relativamente aos dois filhos mais novos, os nascimentos foram rápidos e descomplicados, mas obrigaram a tesourada (a minha mãe comia que se desunhava durante a gravidez e éramos todos bebés pesados), pelo que lhe aplicaram, como era costume na altura, máscara e clorofórmio.

Mas nem por isso estes últimos partos foram menos dignos de nota, uma vez que um e outro se deram em circunstâncias bastante originais, sendo que o do meu irmão por pouco não acontecia durante um casamento: já os meus pais iam a sair do carro à porta da igreja quando o belíssimo vestido de tafetá que a minha mãe levava (com chapéu e luvas a condizer, bem entendido) ficou encharcado…

O meu pai deu imediatamente meia-volta e regressou a casa, não tanto para ajudar a quase-mamã a trocar de roupa e recolher a malinha com as camisas de noite, as fraldas de pano e os cueiros do bebé que estava sensatamente pronta havia uma semana, mas porque, como depois contaram, se negava terminantemente a ter um filho de fraque; e a minha mãe, em vez de se zangar com ele pela falta de atenção, parece que também só se queixava de não ter comido nada a pensar no banquete do casamento porque agora estava morta de fome e sabia que na maternidade não a deixariam comer nada de jeito…

No que toca ao meu nascimento, o último da casa, parece que foi ainda mais caricato: estavam os meus pais no Parque Mayer a assistir a uma comédia em que brilhava o actor António Silva quando eu – desmancha-prazeres – decidi que estava na minha hora e os impedi de conhecer o desfecho.

Em todo o caso, a história não acabou aí, porque o mais estranho ocorreria, afinal, umas horas mais tarde, quando, ao acordar no quarto da maternidade, a primeira pessoa que a minha mãe viu sentada na cama ao lado da sua foi justamente o grande António Silva…

Apanhou então o susto da sua vida: acaso teria dado à luz em pleno teatro? Mas não: eu apenas nascera no mesmíssimo dia em que a filha do actor tivera uma criança. Ufa!

Quando leio nos jornais que agora não há obstetras suficientes nos hospitais públicos e que, às vezes, é até preciso fechar as urgências da maior maternidade do país ao fim-de-semana, fico sempre a pensar: se isto acontece num Portugal com uma taxa de natalidade miserável, o que seria de mães e filhos se os casais portugueses tivessem continuado a procriar como antigamente?


Maria do Rosário Pedreira

Nasceu em Lisboa e nunca pensou viver noutra cidade. É editora, tendo-se especializado na descoberta de novos autores portugueses. Escreve poesia, ficção, crónica e literatura infanto-juvenil, estando traduzida em várias línguas. Tem um blogue sobre livros e edição e é letrista de fado.

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