A nós, à altitude das coisas não etéreas, cabe escutar a mensagem destas escassas “aparições” angélicas, mesmo que estejam caladas. Fazê-lo revela-se especialmente importante quando, nestes atos de gracejo celeste, se nos apresenta a pretensão de transmitir as verdades mais puras sobre conceitos que nos agarram à vida: a arte e o amor.

Ainda há uns meses, até que uma explicação melhor se saiba, caíram, em Lisboa, monólitos do céu. Sabia-se que, chegassem como chegassem, tinham a assinatura de Superlinox, artista de esculturas urbanas, aparentemente destinadas à efemeridade dos destinos da rua.

Agora, fez descer um Anjo até um gasómetro inserido no recinto do Festival Iminente. De inocência, percebe-se que este anjo tem pouco. De timming, afigura-se pleno.

Anjo Superlinox Festival IMINENTE
A escultura de Superlinox quando foi acesa. Foto: Inês Leote.

Acabado de pousar, como denota a posição do seu pé esquerdo, impregnou, de seguida, toda a estrutura com uma luz cor de rosa. Dois elementos tornados unos pela cor, numa obra composta de tinta, luz e uns pós de sacralidade de arte urbana.

Escolher pousar sobre o gás é, à boa maneira dos corpos celestes, dizer que não se quer misturar. Sem misturas, de um púlpito de ferro no Festival que celebra a urbanidade da arte, grita várias questões.

A primeira: apareceu para nos ver ou para ser visto? A verdade é que não há figura celeste que venha para olhar pelos outros, vêm sempre para se mostrar e recordar a sua importância, assombrando-nos o pensamento.

Ultrapassado este dilema de anjos, ser visto para dizer o quê? Segundo a legenda da “Aparição”, deverá ser para dizer isto: “O amor não é algo que possamos programar ou controlar, nem algo que possamos matar. O amor é como a arte: uma força que irrompe nas nossas vidas sem regras ou expectativas. Sempre que sinto essa força relembro que o amor, tal como a arte, deve ser sempre livre”.

Se acredita no que está escrito é algo que poderia não esclarecer. Afinal, a quantas perguntas responderam, efetivamente, os anjos? Mas houve resposta: “Depende do dia. Às vezes tenho coragem de acreditar, outras vezes não. É preciso muita coragem para acreditar no Amor, na Arte ou na Liberdade. Provavelmente mais coragem ainda para mostrarmos ao mundo que acreditamos nessas coisas.”

Escrito isto, estamos só a falar de uma obra ou já se misturou a escultura com quem a esculpiu? O anjo pode muito bem ser o mais próximo que estaremos de ver a face de Superlinox e da sua arte, quiçá um quase auto-retrato. Bem vista a Aparição, um anjo por configuração divina não tem sexo nem género. Neste, apesar de o hoodie o manter exposto, não está esculpido o rosto.

Anjo Superlinox Festival IMINENTE
Foto: Inês Leote.

Antes da legitimação das obras, que parece ter acontecido com os Irmãos Melnyk, o anjo apareceu com o Festival e desaparecerá com o mesmo. Posteriormente, todos os processos se repetirão sem que os mistérios de quem esculpe, como esculpe e como faz(em) as esculturas aparecerem se esclareça. Fica a ambição de elevar a arte urbana, urgindo-lhe que faça refletir quem com ela se cruza. E, por fim, não serão todas as suas obras, por si, uma aparição?

Junto de todos os visitantes do Iminente, estará outra obra, na parede da redação pop-up da Mensagem, uma exibição em formato vídeo que permitirá o contacto com o anjo cor de rosa desta obra, vendo-se em 360 graus cada detalhe do que está pousado a 50 metros de altura, mediando-se, assim, uma ponte entre dois mundos, divino e terreno, fantasia e realidade.

No entanto, para um anjo esculpido, feito para ser visto do chão e do céu, não existem recintos ou fronteiras que o contenham. Os transeuntes que passem nas imediações da Quinta da Matinha ou os que conduzem pela Vasco da Gama, conseguirão avistar o Anjo até dia 25 de setembro. Uma Aparição que não se quer para dois nem três, mas uma experiência coletiva para a cidade.


Leonardo Rodrigues

Leonardo Rodrigues

Nascido na Madeira, o seu coração ficou por Lisboa. Estudou comunicação na FCSH – UNL e fotografia no Cenjor. Depois de muitos ofícios, é a contar histórias que se sente bem. Acha que não existem histórias pequenas, anseiam é por ser bem contadas. Quando não está a escrever, é aprendiz de jardineiro. @leonismos no Twitter.

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