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Sócio da ASA há mais de 25 anos, Nuno recorda que chegou à equipa deste arraial para lavar pratos. Agora, soma mais de 20 anos de grelha na mão. Foto: Inês Leote

Com 90 quilos de sardinhas na cave, à espera para lavar e salgar para a noite de Santo António, Nuno Almeida chegou cedo e ainda cansado do arraial da noite anterior. A voz rouca acusava a diferença de temperatura de que é refém durante os 14 dias de arraial da Academia de Santo Amaro, a ASA.

Os balcões abrem às sete da tarde, mas há quem se antecipe para garantir lugar sentado e nas filas que, depois, se formam duram toda a noite “como se fosse o McDonald’s”.

Todos os anos, nos arraiais da ASA, passam pela grelha da academia mais de uma tonelada e meia de sardinhas. Vídeo: Inês Leote

Com uma fome que não dá tréguas, é difícil conseguir fazer pausas até para “molhar a boca”, e Nuno, diz, bebe a cerveja como se fosse a última do deserto, antes que passe a galão naquele calor.

É dessa azáfama que gosta e dispensa ficar a “pastelar, ver o lume a queimar”. Vestido à pirata, com um lenço que virou tradição entre a equipa da brasa, diz que sozinho não segura aquele barco – “isto é muita união aqui dentro”, principalmente nos dias em que se coordenam mais de 40 pessoas para velar os Santos.

São piratas que não se atiram ao mar, mas dominam o que o mar lhes trouxe à grelha. E na noite de Santo António acenderam-se os três assadores para aviar sardinhas às centenas. Se não houver bifanas a grelhar, são 160 sardinhas que assam ao mesmo tempo.

Os piratas da brasa: Miguel Oliveira, Nuno Almeida, Paulo Almeida e Carichas Albuquerque. Foto: Inês Leote

Sócio da ASA há mais de 25 anos, Nuno recorda que chegou à equipa deste arraial para lavar pratos. Agora, soma mais de 20 anos de grelha na mão e este mês quer ver passar pelas suas mãos, de dedos já queimados ao sétimo dia de festa, mais de uma tonelada e meia de sardinhas que estão encomendadas.

É uma jornada que começa com uma prova de sardinhas para escolher a mais saborosa antes da encomenda. A partir daí, Nuno sabe que o esperam pelo menos dois meses sem conseguir voltar a comer sardinhas – “é tanto dia a ver passar o mesmo que perdemos o apetite, mas as pessoas não se cansam”.

arraial Academia de Santo Amaro, em Alcântara
As mesas começam a ser ocupadas horas antes de o arraial começar. Foto: Inês Leote

As caras ali eram sempre as mesmas, recorda Nuno, mas a pausa da pandemia trouxe “mais paraquedistas” curiosos, mais jovens e famílias. Ali, as crianças estão mais seguras, com espaço para correr e dançar. “Temos uma superproteção aqui, não há pingo de confusão”.

Tabuleiro a tabuleiro lavou e salgou o peixe num canto da cave, sempre com olhos e dedos sensíveis àquele que já não chegaria à grelha. “Sinto logo as que estão molaças, essas já não saem”. Esperava-o mais uma noite de santo rebuliço na Academia que escolheu abraçar, longe do seu bairro de Linda-a-Velha.

Nuno Almeida, arraial Academia de Santo Amaro, em Alcântara
Durante a preparação das festas, a equipa da ASA faz uma prova de sardinhas para escolher a mais saborosa. Foto: Inês Leote

Miúdo reguila e brincalhão, como se lembra de ser, cresceu na Pedreira dos Húngaros, onde as chuvas lhe deram um “chão flutuante, antes de ser moda”. Foi com este humor tão seu de “palhação” que se encaixou tão bem nesta família – não fosse o arraial feito às portas de um Teatro de Revista.

Não subiu ao palco nos últimos anos, mas diz-se um “ator de improviso, como o Fernando Mendes”, gosta de mandar “umas larachas”. Todas as sextas-feiras de junho, o arraial perde a fama para a revista que sobe ao palco da ASA, mas quando se fecham as cortinas volta a ecoar a música popular em Santo Amaro.

Nuno Almeida, arraial Academia de Santo Amaro, em Alcântara
Nuno assa sardinhas nos arraiais da ASA há mais de 20 anos. Foto: Inês Leote

Fez nessa noite de dia 12 um ano desde que perdera o seu pai Armando, bairrista de Xabregas e de quem herdou esta alma de “folião”. Enquanto Nuno virava as sardinhas na ASA, e o Santo António virava a meia-noite, Matilde, a filha mais velha, virava a saia na Avenida da Liberdade pela Marcha da Ajuda.

Foi mais uma noite de festa que honrou o bairrismo e o Santo. E este ano também honrou Armando.


Esta é uma série com o apoio da Sagres.

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