A neta e a filha de Isaura ajudam na festa da mãe e avó. Foto: Inês Leote

Isaura Nunes mora há mais de 30 anos no número 2 do Largo Santo Antoninho. É ela que faz jus ao nome o lugar e organiza sempre o Santo António. Transforma a cozinha de casa no local de onde saem as bifanas, sardinhas e pipis para todos os que escolhem passar a noite no famoso Arraial da Bica.

O “Cantinho da Isaura” não é um restaurante, roulotte ou tasca. É sim a própria casa da Isaura. Uma casa pequena que se estende para o Largo de Santo Antoninho e acolhe os clientes de sempre ou os curiosos que querem passar os Santos na Bica.

Mas com 78 anos e depois de um enfarte, Isaura já não consegue fazer tudo sozinha. Por isso, filhas, netos e sobrinhos unem-se no mês de junho para ajudar a matriarca da família. “É a altura do ano em que nos encontramos todos, à semelhança do Natal”, diz Anabela, uma das filhas. Este ano vieram outra vez, depois da pandemia que bastante os afetou.

A família junta-se, também, para que, por estes dias, Isaura ganhe mas uns cobres para acrescentar à sua reforma mínima. “Isto é o retrato da velhice hoje: a minha mãe tem a reforma mínima e só consegue pagar a renda. Nós fazemos aqui o Santo António para que o que ela ganha neste mês dê para sobreviver o resto do ano”, explica a filha, dizendo que também por isso a família vive “de corpo e alma” esta temporada.

A placa com o nome de Isaura, entre os fadistas do Bairro. Foto Inês Leote

Seja para carregar os bidões de cerveja ou para dar conta das sardinhas e bifanas, a família não tem mãos a medir. Toda a ajuda que aparece é bem-vinda. “Às vezes passam aqui uns rapazes que nos perguntam se temos imperiais. Como ainda não temos as máquinas engatadas e é preciso carregar os bidões, digo-lhes para carregarem três ou quatro e depois levam umas imperiais de graça”, conta Margarida.

Com o peso da idade, Isaura já não consegue estar no comando da festa. Mas ainda está rija o suficiente para que “em cada três palavras diga quatros asneiras” Com este estilo muito próprio de uma “verdadeira bairrista”, com esta linguagem “acaba por acolher quem passa”, diz Margarida, uma das netas. E é essa uma das razões por que “a história do sucesso da noite da Bica seja a Isaura”. “É a linguagem dela, mas depois também dá beijinhos e abraços.” Isaura é uma “sementinha no bairro” que ainda dá voz e corpo ao bairrismo. “E já existem poucas”, lamenta a filha Anabela.

O Arraial é dos mais famosos na Bica. Foto: Inês Leote

A avó é um símbolo de coragem para a neta. No passado foi fadista e por isso tem o seu nome gravado na praça, ao lado de outros. Sendo um “osso duro de roer”, filha e neta afirmam que nestes dias precisam de “muita paciência” para lidar com a mãe.

“Ela quando sabe que temos contas para pagar, por causa desta organização, anda sempre muito nervosa”. E a prova foi mesmo quando a tentaram convencer a dar voz a esta história e a posar para um retrato. Recusou, no seu estilo próprio. Só entre clientes e amigos deixou fugir um sorriso – afinal a festa já estava preparada e arrancava mais uma noite de Santos no seu quintal.


Esta é uma série com o apoio da Sagres.
Veja aqui o primeiro retrato:

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