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Diogo Inácio de Pina Manique, nascido no bairro de Santa Catarina em 1733, foi durante toda a sua vida uma espécie de super-polícia lisboeta. E foi muito mais que o homem de confiança do Marquês de Pombal e o famoso Intendente-geral das Polícias no tempo de D. Maria I.
Bastante jovem, foi nomeado juiz do crime no bairro do Castelo revelando particular zelo na actividade ao recrutar a granel uma boa quantidade de infelizes, logo recambiados para combater o invasor espanhol em 1762 – ano em que nos batia à porta um conflito internacional que ficou conhecido como a Guerra dos Sete Anos. A Espanha e a França tinham entrado em Portugal por três vezes e por três vezes foram derrotadas por nós (com uma perninha dos ingleses).
O excesso de zelo era de tal forma a sua marca, que o Marquês de Pombal o nomeia Superintendente-geral dos Contrabandos e Descaminhos. Nesses tempos, Pina Manique fora implacável no julgamento do descaminho, que o digam os Pescadores da Trafaria que ainda hoje se recordam do que sofreram os seus antepassados: em 1777, esta comunidade recusou cumprir serviço militar e voluntariado na reconstrução da Lisboa pós terramoto e o superintendente resolve mandar incendiar toda a Trafaria para capturar todos os refractários.
Com o Marquês já fora dos palcos, é no reinado de D. Maria I que Pina Manique é nomeado Intendente das Polícias, em 1880, cargo que o torna praticamente intocável até porque mantinha todos os títulos anteriores. Encontrando uma capital recuada aos tempos medievais, a saque e dominada por grupos organizados de salteadores, Pina Manique revoluciona todo o regimento policial criando corpos de polícia com disciplina militar, com grupos de giro a cavalo e a pé, bem armados e fardados.
À revelia das decisões de ministros, que tardavam, decidiu mandar iluminar as ruas da cidade e construir estradas de acesso a Queluz e Ajuda ou da Palhavã à Porcalhota, e ainda ordenou a sua arborização em redor.
Ao polícia, ao engenheiro e ao ambientalista faltava o social: emocionado com o assustador número de crianças e jovens órfãos vítimas do Terramoto, funda a Casa Pia, obra que assegura pessoalmente e que ainda hoje permanece.
“Era de um Pina Manique que precisávamos hoje!” – diria o leitor mais excitado. Calma, calminha. Pina Manique prendeu os bandidos mas também perseguiu os intelectuais, os escritores, os artistas e todos aqueles que se atreviam a pensar diferente. Instaurou a Censura e declarou guerra ao Iluminismo. Deportou e expulsou estrangeiros que ameaçavam o regime. E, curiosamente, foi o mesmo regime que o demitiu.
Pressionado por um embaixador francês, o príncipe regente e futuro rei D. João VI afasta-o por ser uma pedra no sapato nas relações diplomáticas que o governante desejava cordiais com Napoleão Bonaparte.
À parte isto, nesta crónica visual, ilustro também, ao fundo, o palácio do Intendente Pina Manique ainda hoje de pé no largo do mesmo nome. O que já não se encontra de pé, infelizmente, é o Sport Clube Intendente, a colectividade que lhe dava vida desde há 80 anos até há pouco.
Sediada no primeiro andar do prédio onde o Intendente vivera e morrera, era dos poucos espaços sobreviventes do velho largo. Com um curioso e minúsculo palco de espectáculos, ali se organizavam festanças, reuniam-se no bar sócios e não-sócios, jogava-se snooker até às tantas ao lado de mesas de café habitadas por jovens e velhos, locais nacionais e locais estrangeiros apaixonados por uma Lisboa rude mas genuína.
Hoje, o largo do Intendente está progressivamente (será isto o progresso?) a ficar higienizado e desalmado, substituindo associações e colectividades que eram feitas de gente por hotéis de charme feitos de seres digitais.
A última associação resistente, que por acaso até foi quem impulsionou fôlego ao território quando antes era uma ferida aberta na cidade, a cooperativa cultural Largo Residências, dirigida pela Marta Silva, ela também uma Grande Alfacinha, é obrigada a sair de cena para dar lugar a um qualquer negócio muito lucrativo.
Pina Manique, o zeloso e implacável, havia de gostar de viver neste novo Intendente.

Nuno Saraiva
Lisboeta empedernido, colaborou praticamente em toda a imprensa nacional. Cartunista político, o seu traço é o traço de Lisboa, é o autor das imagens das Festas de Lisboa de 2014 a 2017, criador dos troféus das marchas, e há 10 dos seus murais nas paredes da cidade. O seu livro Tudo isto é Fado! ganhou o prémio do Festival internacional de BD Amadora. Dá aulas na Lisbon School of Design e na Ar.Co. São dele todos os desenhos na homepage da Mensagem.
Bons artigos que, além de ensinar, mata saudades da Lisboa antiga. Trabalhei no edifício frontal à Fábrica de Axulejost, durante quase 30 anos e, posso garantir, que apesar da população habitual dessa zona, bons e engraçados momentos vivenciei. Obrigada por me relembrar este pedaço de Lisboa.