É curioso escrever este que será o terceiro e último artigo sobre a Quinta das Ameias, no Areeiro, no momento em que terminaram as operações de sondagem no terreno da quinta, antecipando o arranque da construção de habitações para os segmentos altos do mercado com “Pedido de Informação Prévia (PIP)” aprovado para um edifício de 21 pisos, mais 4 inferiores, num total de cerca de 30 mil m² e cuja construção estará a cargo da Mota-Engil.

Tudo indica que, para levar a cabo esta construção, o monte será terraplenado e, consequentemente, perder-se-ão as ruínas do palacete, a cisterna e, sobretudo, os restos da capela de São João Baptista e as ameias que dão o nome à Quinta das Ameias.

As conversas que tive com Macário e Carlos Rocha Diniz, dois antigos moradores da quinta, permitiram apurar que, atualmente, na família Rocha Diniz não há memória da existência da gruta cujo encerramento por uma equipa da Câmara Municipal pode ser visto ainda hoje, a calcário e cimento, na encosta que dá para a Avenida Afonso Costa, no Areeiro.

Não existe esta memória – talvez porque o acesso a esta gruta natural ou artificial já estivesse fechado na segunda metade do século XX -, mas o certo é que a sondagem realizada em agosto de 2021 encontrou na zona do palacete calcário no subsolo, o que reforça a lenda de uma gruta natural ou uma cisterna/gruta artificial escavada em calcário sob o palacete ou sob o pequeno quintal que existia na zona onde hoje se encontra a encosta que dá para a Avenida Afonso Costa.

Quanto às ossadas que diversas fontes nos relatam como tendo sido encontradas nos terrenos nas sondagens anteriores (década de 1960 e de 1980) não há qualquer informação na família Rocha Diniz. Recordo de que estes ossos (alegadamente humanos) teriam vindo do interior de uma parede demolida no palacete antes de 1940 e teriam sido reenterrados nos terrenos ao lado do palacete.

Canhões, azulejos, um miradouro, um brasão e 12 quartos

Macário Rocha Diniz viveu no palacete da Quinta das Ameias nos começos de 1940 e, na altura, já não existiam as aves exóticas que alguns moradores do bairro referem, embora se recorde de que existiam algumas capoeiras no pequeno jardim da parte frontal do palacete.

Lembra-se de existirem aí várias árvores de fruto e de, no centro desta zona de jardins, erguer-se um grande cipreste que se via da Praça do Areeiro. Recorda ainda a existência de um pequeno miradouro que tinha vista descoberta até ao Tejo.

O poço desta zona (que se situava numa zona onde em corte transversal para a Afonso Costa) era quadrado, mas não se sabe se seria ou não um dos acessos para a cisterna que se situava naquela zona.

Este antigo morador refere ainda a existência de uma cisterna que talvez fosse a “gruta” dos túneis em tijolo de burro, ligação ao poço mencionada por um morador que visitou a quinta quando esta se encontrava já em ruínas na década de 1970. A existência da cisterna é confirmada por Carlos Rocha Diniz, que assegura que assim se garantia o abastecimento de água ao palacete durante todo o ano e onde a vizinhança também se abastecia em períodos de maior escassez.

O acesso principal ao palacete fazia-se a partir da Rua Alves Torgo (que, na época, se estendia até à quinta) num caminho de terra batida, entre muros, por uma entrada com pilares e onde se encontrava um chafariz. Aí perto encontravam-se também umas escadas que desciam até à Praça do Areeiro.

Macário Rocha Diniz recorda-se de um antigo brasão provavelmente dos Lourenço de Almada, dado que a quinta e o seu palacete pertenciam ao morgado, cujo solar (particular mas de Interesse Público) pode hoje ser observado na vizinha freguesia de Alvalade.

Este brasão podia ser admirado no portão que dava para a zona onde hoje ainda pode ser vista da Rua Alves Torgo o que resta da “Quinta das Varandas” (também com demolição para nova construção prevista em breve).

Quanto ao interior do palacete, Macário Diniz recorda-se de que era profusamente decorado com azulejos geométricos – talvez os ditos “azulejos holandeses de Delft” de outras fontes e que desapareceram há muito, restando apenas alguns fragmentos nos terrenos circundantes.

Recorda-se também que o interior do muro com as ameias que ainda hoje pode ser visto a partir da Gago Coutinho estava também coberto por azulejos. Este antigo morador refere que o palacete tinha um número impressionante (para os dias de hoje) de 12 quartos e confirma os relatos de que, de facto, existia um canhão no interior do palacete, ou sendo mais correto, dois, réplicas em barro, como decoração sob as janelas de dois dos quartos viradas para a Praça do Areeiro e que se foram degradando ao longo dos anos até serem removidos pelos moradores do palacete.

Na parte lateral exterior, para além da zona das capoeiras, encontrava-se a casa onde vivia a “Dona Zulmira” e a separar essa casa do palacete um amplo terreno que as crianças da casa usavam para os seus jogos.

Os Rocha Diniz, últimos moradores do palacete no Areeiro

Segundo este antigo habitante do palacete (que, ainda hoje, reside na freguesia do Areeiro), o primeiro Rocha Diniz a ter vindo viver para a Quinta das Ameias foi o seu avô (os seus pais faleceram na década de 1970) de nome Gaspar Rocha Diniz, que nasceu em Alijó, em 13 de maio de 1853. Era escrivão e notário em Lamego, Barcelos e Lisboa e casou em Fontelo, Armamar em 8 de junho de 1884.

Foi este o primeiro Rocha Diniz a vir para a Quinta com os seus oito filhos no começo do século XX, entre os quais Maria Cândida Mendes e Rui Diniz. Na Quinta, habitaram ainda Acúrcio Mendes da Rocha Diniz, que foi governador da Índia, esteve em Lourenço Marques, foi procurador, doutor de direito de Coimbra, desembargador e juiz e esteve casado com Maria Teresa; António Rocha Diniz, nascido também em Lamego e que não deixou descendência; Gaspar Rocha Diniz (nascido em 1853), que partiu ainda jovem para Recife, no Brasil e que casou com Dulce Rocha Diniz e também não deixou filhos. Aqui também viveu Júlio Rocha Diniz, que foi juiz, escrivão de Direito, e nascido também em Lamego e que seria pai de Maria Júlia.

O quinto filho do juiz de Lamego seria Eduardo Rocha Diniz que esteve no Ministério do Trabalho, e foi também escrivão e inspetor do INSS, tendo casado com Júlia Souza. Vivia na quinta com a mulher e os seus quatro filhos (Rui Rocha Diniz, que, depois de casar deixou a quinta; Maria José, que viria a falecer na Quinta; José Sousa Mendes Rocha Diniz, que saiu da Quinta das Ameias para Angola – pai de Carlos Rocha Diniz – com a sua mulher Alice Silva Conceição Rocha Diniz; e Maria Cândida, que está, hoje com 95 anos, em S. Pedro do Estoril).

O casal José Sousa Rocha Diniz e Alice Silva Rocha Diniz, com a eclosão da guerra em Angola em 1961 enviaram para a quinta as filhas Ana Maria e Alice Maria, que assim se reuniram a Carlos Rocha Diniz, que já vivia na Quinta com os avós Eduardo Rocha Diniz e Júlia Sousa Mendes Rocha Diniz. Carlos viveu na Quinta durante dez anos, com interrupções para as visitas anuais a Angola, onde viviam os seus pais. Depois da chegada de Angola dos filhos do casal, Rui Rocha Diniz casaria e deixaria a Quinta das Ameias com a sua esposa.

Os últimos três dos oito filhos do juiz de Lamego foram José Rocha Diniz, que era médico e que faleceu muito jovem, com apenas 22 anos; Macário da Rocha Diniz, escultor e pai de Macário Diniz, que nos cedeu estas informações e que terá deixado a quinta na década de 1960 e, por fim, Amélia Rocha Diniz que frequentou as Belas Artes do Porto no curso do Conservatório de Piano.

Assim termina este terceiro e último artigo sobre a misteriosa Quinta das Ameias (Areeiro), ficando o autor e todos aqueles cujas memórias se encontraram nestes três textos na expetativa do resultado do empreendimento que estará aqui a começar em breve e qual será a sua integração nas ruínas do antigo palacete, da capela e das ameias que deram nome a esta quinta.

Especiais agradecimentos a Macário e Carlos Rocha Diniz, sem os quais não teria sido possível escrever o último capítulo desta História (possível) da Quinta das Ameias.


*Rui Martins nasceu em Lisboa, numa Rua da Penha de França, num edifício com uma das portas Arte Nova mais originais de Lisboa. Um ano depois já tinha migrado (como tantos outros alfacinhas) para a periferia. Regressou há 18 anos. Trabalha como informático. Está ativo em várias associações e movimentos de cidadania local (sobretudo na rede de “Vizinhos em Lisboa”).

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2 Comentários

  1. Olha, este é o tal senhor que anda a tirar fotografias aos cocós nas ruas da freguesia do Areeiro?
    Sempre a criticar tudo.
    Este palácio é uma maravilha, ruinas onde há uma acumulação de dejetos, lixo, doenças, local de consumo e que as ratazanas adoram.

  2. cócó na rua é algo que não merece crítica nem reparo, pois claro.
    que raio de lógica…

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