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Vivam os dos sobrúrbios! Num par de dias foi o Jorge Fonseca, da Amadora, e, logo, o Neemias Queta, do Vale da Amoreira – é só grandes feitos dos nossos dos sobrúrbios. Habituem-se, as palavras mudam, subúrbios já era. Não é sub é mais que sobre. Apertada a norte e a sul por exemplos tão grandes, de força, jeito e acerto no tapete e no cesto, Lisboa engrandece.
Do Jorge já lhe conhecemos há muito o peito imenso, o choro bom e talento para o pé de dança. Do Neemias, aprendamos com os novos mestres da prosódia, os amigos do basquetebolista da Outra Banda, o Bruno, o Ricardo, o João e o Sérgio, que agora ensinam como se diz o nome que em Portugal mais vai aparecer nos assentos de batismo daqui a nove meses. Pronuncia-se: “Nemias”.
Nome raro que fez ressurgir um belo e coletivo nome: bairro. Os do Vale da Amoreira vieram para o sopé de prédio de sete andares e imensa empena pintada com a cara, o sorriso e as rastas do Neemias Queta (também lhe chamam Quetão). E todos: “Que honra ele não esquecer o bairro.”
Neemias Queta acaba de ser o primeiro português a ser selecionado para a NBA (não esquecer, a Ticha Penicheiro e a Mery Andrade também já jogaram nas ligas americanas). Para o celebrar, Neemias enfarpelou-se como um jardineiro erudito.
Na camisa tinha cosidas raízes. As iniciais da avó, do pai e da mãe guineenses. Homenagem genética. E mais dizia a camisa: “V.A. 2835”, de Vale da Amoreira e respetivo código postal – honra ao seu bairro, à pátria da sua infância.
Que verso tão bem encestado: “V.A. 2835”.
No Vale da Amoreira há uma rua chamada João Villaret. Trago o declamador para aqui porque ele gravou as palavras de Sino da Minha Aldeia, de Pessoa, que nos recordam o mais fundo que mais longe de nós há. O sino da aldeia e, hoje, o cesto de basquete do bairro são o nosso que traz a saudade mais perto.

Se a Pessoa lhe desse para falar de Neemias Queta, deixaria inspirar-se pelo seu heterónimo Álvaro de Campos, engenheiro, capaz de perceber um rapaz que se apresenta como “V.A. 2835” e diz tanto de si.
O basquetebolista vai agora para o Sacramento Kings, na capital da Califórnia, cumprir o seu destino. Um dia, em 1990, conheci um operário em Sacramento, antigo camponês da ilha do Pico. Todos os outonos ele ia ao supermercado comprar caixas de uvas a grosso. No quintal de sua casa, insistia fazer litros do que ele chamava seu “verdelho”.
O picaroto deu-me a provar uma zurrapa que me emocionou e repeti. O que eu daria para ver, um dia destes, o encontro entre o humilde emigrante e a celebridade que agora lá chega. Expectante, eu daria conta do encaixar de dois portugueses que aquele puzzle certamente faria. Não sei como, mas sei que aconteceria. Por que estou certo? Ora, sou lisboeta há muito.

Magnifico elogio a este menino do meu Bairro social o nosso velhinho e nada conservado VALE DA AMOREIRA 2835-235
OBRIGADA
Que maravilha de texto!
Parabéns, Ferreira Fernandes
Querer é poder. Deus te guarde, proteja e continue a orientar, Neemias. Bem hajas.
Ser atleta não tem cor e Nemias não é imigrante , é nascido no Barreiro e bem português.
Mas eu conheço bem o Vale da Amoreira, Baixa da Banheira ou Cidade Sol , bairros onde residem pessoas de todas as etnias há décadas. Saíram destes bairros muitos atletas ao longo de décadas para várias catergorias.
O único problema destas novas gerações é a formação académica, pois o Nemias sem culpa nenhuma andou na ESBB-VA onde os cursos dão equivalências ao secundário sem minima exigência. Quando a diretora da escola do VA numa entrevista veio à TV gabar-se de que o Nemias tinha completado o 12º ano, foi unicamente servir-se do sucesso do atleta para tomar ela mesmo o protagonismo com base na numa falsa formação eduacional que em escolas como esta se dão aos excluídos. O ensino de cursos nas escolas TEIP são um ensino falseado onde não há minima exigência e que só tem o objetivo de dar números ao ministério para falsos dados promissores para a OCDE.
Para terminar Nemias tal como dezenas de outros rapazes e raparigas de sucesso com origem em bairros sociais alcançam por sua capacidade física e de esforço pessoal os seus objetivos e não com base em apoio real das câmaras ou do sistema de ensino que em vez de incluir os exlcui com base em falsas formações académicas e cívicas.
Excelente tema de análise e investigação, obrigada!
Desculpem mas não vou acrescentar nada ao tudo que já foi dito sobre o V.A.2835!
Só me apetece provocar o autor FF1948LDA…
Eu sou o AG1945LDA e, como mandam as ancestrais regras africanas, há que prestar as devidas vénias aos mais velhos…
Estou a brincar perdidamente divertido!
Ferreira Fernandes: Parabéns e um grande abraço!
É, de facto, um ponto sem contraponto. Há um charme nos tintos, robustos com uns anos a encorpá-los, que não tem como não encestar.
Aquela gratidão de uma angolana em Lisboa.
Ferreira fernandes
Que bom é lê lo nestas ocasioes.
As palavras certas, bem escolhidas, para o encestar perfeito.
O Ferreira Fernandes é lisboeta (português) e luandense – julgo – (angolano). Traz as raízes agarradas, e elas procuram sempre dar seiva aos ramos que se estendem para nos darem verde sombra.
Paulo Cordeiro Salgado
Ferreira Fernandes com mais um texto enorme e, não é pelo tamanho, mas pela dimensão que imprime ao Bairro da Amoreira (e a outros subúrbios) que, de repente, atravessa o Atlântico e é todo o Mundo.