“Este som é para quem já teve lutas diárias… DJ, dá-me o beat!”. Luís Sousa apresenta-se como Lewis e mostra-se muito confiante para quem, aos 21 anos, dá o primeiro concerto em nome próprio. Está, literalmente, em casa, rodeado de família e amigos a abanarem cabeça e braços ao ritmo da batida. Ainda assim, não é bem uma sala de estar. Há um palco, luzes coloridas a rodopiar e as colunas projetam fortemente a sua voz. Desta vez, é a sério.
Uma meia hora antes do concerto, Lewis chega sozinho à porta da biblioteca de Marvila. Cumprimenta um e outro conhecido, que aguardavam pela hora de entrar, e esconde o sorriso assim que põe a máscara. Entra pela porta com a certeza que este é o dia. O dia por que tanto esperava.
À entrada, pede-se a todos que, mesmo que a música puxe por isso, por favor não dancem, permaneçam no lugar, mantenham a distância e não tirem a máscara. Quem disse que não é possível curtir um concerto sentado? Bom, digamos que não é a mesma coisa. Mas ninguém conseguiu conter o bater de pé, o mexer de ombros, o gesticular de mãos. Muitos sabiam as letras, ouvia-se. Os telemóveis espalhavam aquele momento por muitos outros, em diretos ou partilhas nas redes sociais. Não há tempo a perder.

Lewis arrisca e solta a voz. Não tem receio. Está decidido a mostrar aquilo que vale. Aproxima-se da primeira fila onde estão sentados os seus pais e irmão mais velho. Canta com eles. Não perde o ritmo até à última palavra:
Eu só ‘tou a tentar pôr o meu hood no mapa mundo / no mapa mundo / mapa mundo / mapa mundo
“Espero que estejam a gostar!”. Há sorrisos escondidos atrás das máscaras, muitas palmas e assobios. Como é que se explica essa sensação?, pergunto-lhe, mais tarde. “Porra, dread… Senti-me mesmo bem. Foi das melhores que me lembro de ter”.
Lewis não dá importância à sala não ter estado “mega cheia”. Aquele momento foi um grande orgulho – para ele e todos à sua volta. “Fui, estava nervoso e fiz aquilo que devia fazer. Não foi nada de muitos pensamentos”. Sentiu-se à vontade, fez com o coração e considera que todos receberam bem a sua música. Pelo menos demonstraram-no.
Lewis a descrever o concerto. Para ouvir:
Esta não foi a sua primeira atuação. Nos últimos dois anos teve algumas oportunidades de abrir shows, por exemplo, de Malabá ou Kosmo – ambos do grupo Da Gun e com carreiras consolidadas. Kosmo, para quem Lewis puxa pelas cordas vocais no refrão do single “Orgulho”, que no Youtube, conta com mais de 130 mil visualizações, foi um dos seus convidados a subir ao palco da Biblioteca de Marvila. Mas não foi o único. Lewis chamou mais nomes, que é como quem diz “amigos”: Lilmara, Jeffrey, Danny The Dawg, Beccaa.
Numa altura em que praticamente não há eventos, como é que este se concretiza? “O Varela é que fez isto acontecer. Um dia ele chegou ao pé de mim e disse-me: «há esta oportunidade, vamos fazer»”.
Nuno Varela é um dos maiores empreendedores de hip hop em Portugal e quem agencia Lewis na We Deep. Conhecem-se desde sempre, ali da zona M, onde Lewis também cresceu quando Nuno já era um jovem adulto. Um puxou pelo outro.

Ao perceber que queria trabalhar com música, tudo se tornou mais sério ao reforçar a sua ligação com Nuno Varela. “O sonho ficou mais presente na minha cabeça”, diz Lewis.
A atenção do mais velho despertou quando o mais novo cantou na atuação de um amigo. Uma foto dos dois apareceu nas redes sociais e Varela abordou Lewis: “Então, andas a cantar?”. Quando, mais tarde, Malabá foi cantar à sua escola, a secundária D. Dinis, Varela estava lá como agente. “Aí a cena começou a andar. Pediu-me para mostrar-lhe cenas, perguntou-me que estilo fazia”. Lewis acanhou-se, mas sentiu a pressão de definir uma voz.
Focou-se nesse objetivo. Começou a mexer-se. Ia e vinha vários dias até Alverca, onde conhecia amigos que tinham um estúdio. “Saía daqui de Chelas até lá, sem pagar bilhete de comboio, sem nada”. Com a prática as coisas foram saindo cada vez melhores e a sua confiança foi aumentando – a escrever e a encarar o microfone.
Lewis explica que se apaixonou por música muito por causa do irmão. “Dividíamos o quarto e eu acordava com a música dele aos fins de semana”
Apesar destes empurrões, o seu primeiro impulsionador foi o amigo Lilmara. “Foi a primeira pessoa que me pôs num estúdio. Um mini estúdio que tinha em casa”. Um ponto de partida importante para alguém que se quer focar totalmente na música. Terminou o 12º. ano e agora encara cada dia como um dia de trabalho. “Todos os dias surge alguma cena. Aponto nas notas do telemóvel e sempre que posso vou gravando”.
Muitas dessas ideias soltas surgem da sua experiência de vida. Considera ter tido uma adolescência tranquila, de bairro, com algumas pedras pelo caminho. Anos de muita aprendizagem, autonomia e amigos. “Nós no bairro vamos para a rua bué cedo, mesmo crianças. Toda a gente se conhece e anda na boa”.

Nem todas as suas influências vêm do rap. Ainda assim, destaca 50 Cent como a figura mais marcante. “Curtia bué… Aliás, ainda curto. Ele representa mesmo um rapper, alguém que está a cantar e se calhar não devia. Mas arrisca e a cena fica boa”.
No seu bairro, o nome que salta logo é Beto Di Ghetto – “É o verdadeiro, mesmo. Infelizmente já faleceu, mas deixou um legado muito forte, pelo menos aqui em Chelas”. Sam The Kid e Tchapo foram outras grandes contribuições.
“Tinha lançado o ‘Mapa Mundo’ e o Agir entrou em contacto comigo pelo Instagram”
Foi o irmão mais velho o primeiro responsável pela paixão de Lewis pela música, apesar de a onda dele nada ter que ver com o que o rapper faz hoje. “Dividíamos o quarto e eu acordava com a música dele aos fins de semana. Ele ouvia muito gospel, que é o que ele canta, mas fui apanhando umas cenas”.
O seu irmão, de 34 anos, não é apenas um entusiasta da música. É Matay, que em 2019 entrou nos ecrãs das casas dos portugueses a cantar no Festival da Canção. É também presença habitual nos concertos de Dengaz, como elemento do coro, e participa em muitos outros projetos musicais. Também estava no concerto, certamente orgulhoso do irmão e das manhãs em que lhe tirou o sono.
Lewis sente que aos poucos as coisas estão a acontecer. O concerto foi exemplo disso, mas não só. Na última música que oferece à plateia, revela que tem novidades. “Este som foi produzido pelo Agir e o Mizzy Miles… e vem cá para fora muito em breve!”.

Pode e deve sentir-se orgulhoso. Afinal, Agir é um dos grandes nomes da música portuguesa, não só na voz como na produção. “Tinha lançado o Mapa Mundo e o Agir entrou em contacto comigo pelo Instagram”, conta.
Foi ao estúdio dele logo para gravar um som. “Ele é bué fixe, é mesmo cinco estrelas. E trabalha muito, sentes logo a experiência a pesar”. Lewis diz que Agir fez o beat em cinco ou dez minutos e nunca tinha visto ninguém a fazer um tão bom e tão rápido. “Fiquei: uau…” A seguir escreveu a letra, o rapper Mizzy Miles também deu uns toques no beat e numas três horas estava tudo feito.
Quando o concerto acaba, cá fora tiram-se fotos, fala-se do show e da música que cada um mais gostou. Algumas dessas faixas não estão ainda disponíveis, são projetos que se espera que vejam a luz do dia. Dois amigos comentam a novidade: “O Agir tem milhões de views, não são milhares. Se produziu esse novo som, é porque ele já está a ser reconhecido”.
Lewis, acredita, estás a pôr o teu bairro no mapa mundo.

Nuno Mota Gomes
É jornalista. Adora escrever, fotografar e perder-se em pensamentos. Anda de mota, faz surf, viaja sempre que pode – e nem sempre para o estrangeiro. Agora fá-lo mais aqui, em Lisboa, onde nasceu. Um Interrail abriu-lhe horizontes, publicou um livro e muitas reportagens de viagens na Volta ao Mundo – onde se estreou na TV. Passou ainda por outras publicações e durante dois anos integrou o Diário de Notícias. Há quem diga que percebe de redes sociais. Tem 29 anos.