Quintas Vale do Areeiro

De conversas com moradores e, depois, pesquisas minhas, nasceu uma lista das antigas quintas que prosperaram no Vale do Areeiro (entre Marvila e Areeiro), por onde hoje segue a via férrea e algumas pedonais. Fizeram parte da paisagem de Lisboa durante muitas décadas, mas hoje já nem damos conta de que estiveram lá. E a história sobre elas ainda é escassa.

Existiram, pelo menos, desde finais do século XVI até à década de 1990, altura em que os seus terrenos foram ocupados por construções informais que só viriam a desaparecer com as grandes operações de realojamento de finais da década de 1990.

Aqui está uma lista (e, em alguns casos, também um pouco da história) delas:

Azinhaga do Areeiro:
Situava-se entre a Quinta do Bacalhau e a Quinta dos Peixinhos.

Casal dos Arciprestes:
Confinava a Oeste com o Casal Vistoso, a sudoeste com a Quinta dos Peixinhos e a Noroeste e Norte com a Quinta do Bacalhau. Entre esta e ela, corria a Azinhaga do Areeiro. Teria uma ermida dentro do seu recinto. No mapa de 1833, surge um “reduto dos Ciprestres” que estaria neste local como parte das fortificações provisórias que os liberais ergueram em torno de Lisboa para se defenderem do exército miguelista que, em 1833, tentou tomar a capital. Nesta campanha, construíram-se, de facto, vários redutos com canhões nas quintas que rodeavam a capital.

Quintas Vale do Areeiro
Este portão mostra a Quinta do “1862” ou “Casas da Pedreira/Padeira”

Quinta do “1862” ou “Casas da Pedreira/Padeira (?)”:
Visível ainda hoje num portão em ferro forjado e muito trabalhado situado entre duas colunas de pedra no número 28 do Campo Pequeno. Esta data marcaria a entrada para a Quinta que existiria aqui, e que surgia em mapas de começos do século XIX desta zona da cidade de Lisboa e num mapa de 1833 das Guerras Liberais. Hoje, nada resta desta quinta ou casario, havendo por detrás do portão um pequeno prédio de dois pisos e vários edifícios das décadas de 1940 e 1950.

Pátio ou Quinta Alberto Pimentel:
Situava-se até à década de 1940 na zona onde se viria a construir a Avenida João XXI.

Quinta das Ameias ou Casal Vistoso:
De notar que esta quinta no mapa de 1833 da zona norte a Lisboa com a designação “Quinta do Conde de Almada” tinha, de facto, os Condes de Almada como proprietários originais (século XVIII) desta propriedade.
Mais informação aqui.

LEIA TAMBÉM:

O misterioso palacete do Areeiro

A história escondida do palacete que deu nome ao Casal Vistoso e do qual ainda restam algumas paredes, no alto de um dos montes do Areeiro. História ao vivo na cidade.

Quinta da Ermida:
Surge perto do Campo Pequeno em mapa das fortificações a norte de Lisboa de 1833 (Guerras Liberais).

Quinta do Bacalhau:
Localizava-se a Sul do Casal Vistoso entre Chelas e o Areeiro. Esta quinta fazia parte do plano de urbanização da EPUL para alojamentos da Cooperativa de Habitação Portugal Novo.

Quinta da Bela Vista:
A quinta da Bela Vista, hoje onde está o Rock in Rio pertenceu ao arquiteto de Mafra João Frederico Ludovice e passou até ao neto José Frederico Ludovice onde é referida no último inventário de bens de 1827. Com os novos planos urbanísticos dos anos 40 e os desaterros realizados para a construção da avenida Gago Coutinho em direção ao aeroporto, a zona ficou totalmente irreconhecível. Hoje na quinta da Bela Vista ainda existe a casa dos caseiros, falta a casa principal. Será que a quinta se estendia até ao local deste palacete?

Quinta do Doutor Lobo:
Situava-se em frente, embora com alguma distância, da Quinta das Ameias (perto da atual Avenida Afonso Costa), cuja casa se situava onde a Azinhaga do Areeiro entroncava na Estrada de Sacavém.

Quinta dos Frades Vicentes ou Vicentinos: 
Onde se iriam construir as “Torres do Areeiro”.
Também conhecidos como “Frades de São Vicente”. Estes frades, depois do terramoto de 1755, foram para na zona Rio Trancão, fabricavam papel para escrever os éditos reais e tinham prédios na Mouraria. Aqui, aparentemente tinham uma quinta agrícola.
Esta quinta fazia parte do plano de urbanização EPUL para Cooperativa Portugal Novo e situava-se na zona da Quinta do Monte Coxo, Quinta do Bacalhau, Quinta das Leonardas e Quinta das Olaias. Entre 1945 e 1957 funcionou aqui uma pedreira (in “Levantamento cartográfico de locais de pedreiras no concelho de Lisboa”: CML)
Pode também tratar-se da “Casa dos Frades” que surge junto ao Campo Pequeno num mapa de 1833, mas neste caso haveria um erro de localização neste mapa ou teríamos dois locais com designação semelhantes no Areeiro – o que não é, de todo, impossível dado que entre os séculos XVIII e XIX a zona foi uma região agrícola onde seria provável que existissem vários terrenos na posse de ordens religiosas.

Quinta dos Monteiros:
Entre a Rua Margarida de Abreu e a Av. Almirante Gago Coutinho
Pertencia à família Francisco Almeida (informação obtida via o neto João Francisco Almeida) e existiu neste local até 1939. A quinta tinha uma casa na Rua Alves Torgo no local onde hoje se encontra a Gago Coutinho sendo que o seu terreno se estendia desde os actuais devolutos na Rua Alves Torgo, atravessava a avenida e estendia-se, para norte, até à via férrea.
A quinta foi expropriada em torno de 1939 para que o terreno fosse usado na aberta da Av. Almirante Gago Coutinho.

Quinta da Holandesa:
Esta quinta teria os seus últimos testemunhos na fiada de casario que era propriedade da CML e de alguns particulares e que foram demolidas em 2021 e que, pertencendo ao Areeiro incluíam o que restava da Azinhaga Fonte do Louro. Esta quinta fotografada por Arnaldo Madureira, já em ruínas e cuja população – de maioria hindu – foi realojada em finais dos anos de 1990 no Bairro do Armador, em Marvila e, alguma, no Bairro da Gebalis junto ao Portugal Novo. Os moradores desta e de outras quinta do Vale do Areeiro, em finais da década de 1990, eram de maioria indiana (especialmente de Diu ou, melhor, de Fudam no Oeste deste território da Índia Portuguesa) que chegaram a Portugal, sobretudo, em finais da década de 1970. Em 1991, viviam aqui perto de 1400 pessoas, quase todas em condições muito precárias.
Esta quinta estendia-se até à Praça Bernardo Santareno. Junto a esta quinta encontravam-se as casas da Quinta da Fonte do Louro e também junto a estas, mas numa elevação, a Quinta do Alto da Fonte do Louro.

Quintas Vale do Areeiro
Muitas das quintas serviram, depois, de abrigo a famílias em situação habitacional precária

Quinta José do Cocho:
Também conhecida como Quinta do Monte Cocho ou Quinta da Relação. Nos terrenos onde hoje se encontra os prédios da antiga cooperativa do Bairro Portugal Novo. Esta quinta, em 1976, tinha um total de 47.500 m2 e em 1989 houve notícia de um incêndio na RTP e que era fronteira à Rua Alberto Pimentel e onde terá falecido um cidadão cabo-verdiano.

Quinta das Olaias:
No Edital toponímico de CML de 1983-04-22 encontramos a referência:
“A Rotunda das Olaias herdou o seu topónimo da antiga Quinta das Olaias, a qual existiu no mesmo local”.
Esta quinta fazia parte do plano EPUL aprovado em 1975 para a construção de habitações sociais para a Cooperativa Portugal Novo. Nas suas imediações encontravam-se a Quinta do Monte Coxo, a Quinta do Bacalhau, a Quinta das Leonardas e a Quinta dos Frades Vicentes. Na década de 1970 a quinta seria propriedade do “Sr. Vitorino” onde os habitantes iam comprar leite, favas e outros bens.
O investigador Rui Mendes chamou-nos (e bem) a atenção para a multiplicação de “Quintas da Bela Vista” (12!) em documentação coeva. Desde logo essa designação foi usada, por exemplo, como nome alternativo para a Quinta das Ameias (fronteira ao Largo do Casal Vistoso). A maioria destas quintas situavam-se naquele que é hoje território da freguesia de Marvila e outras na dos Olivais. Não sendo certo é possível que uma destas “Quinta das Olaias” se situa-se na antiga freguesia de Santa Engrácia (perto do Areeiro) dado que em 1778 há nota da existência de uma propriedade pertencente a José Pedro Frederico (Ludovice ?), e nas Décimas de 1800, no dito sítio dos Sete Castelos, referem-se outras umas casas e uma quinta pertencente também a José Frederico Ludovice, devendo ser a “Quinta das Olaias” que, neste contexto, nos interessa.

Quinta das Leonardas:
Fazia parte do plano de urbanização para a Cooperativa Portugal Novo elaborado pela EPUL em 1975. Situava-se perto da Quinta do Monte Coxo, Quinta do Bacalhau, Quinta dos Frades Vicentes e Quinta das Olaias.

Quinta dos Machados:
Situava-se onde está a escola das Olaias em época anterior à década de 1970.

Quinta do Mendonça:
Recua ao século XVIII, não tendo sido possível recolher mais informação sobre a mesma.

Quinta da Noiva:
Perto da azinhaga fonte do Louro as habitações que existiam nesta quinta faziam parte de um contínuo que se estendia desde a Quinta da Noiva até à Azinhaga da Fonte do Louro e que era conhecido pelos moradores como “Bairro da Quinta da Montanha”. Existiam aqui algumas oficinas automóveis informais que formaram muitos dos mecânicos que ainda hoje estão em actividade em Lisboa. Os antigos moradores da Quinta recordam-se de ver em 25 de Abril de 1974 as tropas que entraram em Lisboa pela Gago Coutinho. 
Na Quinta, como em todas as outras quintas e construções informais no Vale do Areeiro, havia um bom clima entre a comunidade e a vida social era animada e todos os moradores com quem falei recordam-se com saudade desse tempo apesar das dificuldades materiais, sobretudo em acessos e saneamento, que caracterizam a maioria das habitações do Vale do Areeiro. 
As casas da Quinta da Quinta da Noiva situavam-se perto do local onde funcionavam as oficinas ao lado da GALP.

Quinta (ou Vila) dos Pacatos:
Situada onde está hoje a Rua Abade Faria, o seu terreno seria escolhido nos começos da década de 1920 pelo Estado Novo para construir o Bairro Presidente Carmona.

Quinta do Pilão:
Em local desconhecido, mas algures na zona oriental do Areeiro.

Quinta dos Peixinhos:
Situava-se a norte do Casal dos Arciprestes e tinha casario na zona do Alto de São João.

Quinta do Pina:
Daria o nome ao “Alto do Pina” (antiga designação da freguesia de mesmo nome que, juntamente com São João de Deus daria origem à atual freguesia do Areeiro em 1959). Esta quinta dataria do século XVIII e teria funcionado até meados da década de 1930.
A designação teria origem popular e resultaria do nome de uma antiga propriedade conhecida ora como “Quinta do Pina” ora como “Arraial do Pina” e que se situavam, então, na freguesia de Arroios (finais do século XVIII). Segundo o investigador Rui Mendes situar-se-ia numa elevação entre o ”Cabeço” ou “Cabeça de Alperche”, entre a acual freguesia da Penha de França e o “Monte Coxo” (Areeiro) (surgem também referências a “Monte da Cocha”, “Monte Coche” ou ainda “Montecuche” em cujos terrenos mais tarde se faria o Bairro do Portugal Novo e não muito longe da chamada Calçada ou “Ladeira do Pina”.
Tudo indica que este “Pina” será um tal de Tomás de Pina (referido em documentação datada de 1747) que na zona terá erguido em 1752 uma ermida a Nossa Senhora da Conceição. Consta que a sua propriedade incluía dois prazos, um pertencente à Igreja Colegiada de Santo Estêvão de Alfama (o Arraial do Pina) e outra do morgado que antes pertencera a António da Silva e Sousa (a “nossa” Quinta do Pina). Daí a designação alternativa de “Prazo da Quina” ou “do Alperche” no Monte Coxo. A sua morte, sem sucessor, entregou a propriedade ao sobrinho Guilherme de Pina e Mello o que lhe foi confirmado em 1757. Sabe-se que ainda aqui estava em 1761 sendo que em 1764 a quinta já aparece na posse do Capitão João Álvares de Pina e Mello que, em 1768, também tinha outras duas quintas na zona: a Quinta Velha e a Quinta das Olaias.

Quinta do Pombeiro ou de N. Sra. da Conceição ou da Viúva Pimenta (?):
Em cuja casa senhorial norte, recuperada, funciona hoje a Casa de Acolhimento Para Crianças Refugiadas, e onde em 2010 ainda se viam restos de uma ermida.
Esta quinta teria pertencido a um lavrador de nome Joaquim Augusto Pombeiro, mantendo a tradição de designar estas quintas com o nome do seu proprietário original, que a terá construído no século XVIII. As suas ruínas, designadamente com a zona dos jogos de água, ainda hoje podem ser vistas no parque Urbano do Vale da Montanha.
Em mapa de 1833, surge neste local a designação “Quinta da Viúva Pimenta”.

Quinta de Santo António ou da Freijoeira:
O Retiro “Perna de Pau”, situado na “Quinta de Santo António” ou  da “Frejoeira” (perto do apeadeiro do Areeiro), foi vendido em 1860. A nova proprietária, a “Dona Gertrudes Rosa Soares”, terá sofrido a amputação de uma perna e substitui-a por outra de pau, por isso, a casa terá ficado conhecida por “Perna de Pau”. Aqui se reunia o grupo dos “Vencidos da Vida” e encerrou a 17 de Agosto de 1923.
Surge em mapa de 1833 da zona norte a Lisboa com a designação “Quinta do Santo António”, sendo que o “do” será assim a designação original.

Quinta ou Vila das Varandas:
Localizava-se onde estão hoje as casas de meados de 1800s na Rua Alves Torgo. Originalmente ia até à Barão de Sabrosa.

Quinta da Vitória:
Junto à Quinta da Holandesa na década de 1980 foi local de acolhimento de muitos migrantes vindos da Índia Portuguesa e Moçambique.

Quinta do Zé Claro:
Com vacaria (na década de 1960)

Vila Áspera (junto à Gago Coutinho) ou Quinta Áspera:
Hoje entre a Rua Margarida de Abreu e a Avenida Gago Coutinho. Em primeiro lugar, falamos de uma das duas últimas Vilas Operárias que alguma vez existiram no Areeiro (na Graça e em Arroios eram muito mais comuns). Estas vilas nasceram nos terrenos das quintas que começaram a surgir nesta zona na época do reinado de Dom João I e que faziam parte de um “anel verde” que rodeava e abastecia os mercados de Lisboa e que eram especialmente numerosas nas zonas de melhores solos e com amplos fornecimentos de água, conforme sucedia aqui nesta zona do Areeiro. Situada provavelmente nos terrenos de uma desconhecida Quinta Áspera situada muito perto da Rua Alves Torgo (troço junto à Avenida Gago Coutinho no Areeiro). Esta quinta, seguindo a regra das demais, seria propriedade de uma família Áspera, cujo nome está associado à pequena nobreza italiana de começos do século XVII da zona de Bergamo e que surge mais tarde perto de Fuente Arcada, perto de Cáceres (Estremadura) e perto da nossa Serra da Malcata. Hoje, a Vila Áspera está dividida em duas metades, separadas por uma rua a calçada que pertence a dois irmãos espanhóis, descendentes do antigo proprietário. Em obras neste momento (Abril de 2023) depois de a sua propriedade ter sido transferida para um antigo inquilino.

Quinta da Viúva-Marques (?):
Surge num mapa de 1833 na zona sul-oriental da atual freguesia do Areeiro, em pleno vale do Areeiro, onde hoje encontramos ainda um aqueduto e umas ruínas que provavelmente são o seu último testemunho (junto aos pilares da ponte Rock in Rio).


Texto editado a 4 de setembro, com informação partilhada por leitores com o autor.

A quem tiver mais informações deixo aqui o repto: pode enviá-las para ruipppmartins@gmail.com para que as possa incluir em novas edições deste levantamento.

Fontes:
https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/o_novo_bairro_de_socrates
https://cargocollective.com/pcunha/Frades-Vicentes
https://biclaranja.blogs.sapo.pt/481180.html
Mapa do norte de Lisboa do cerco liberal a Lisboa em 1833


*Rui Martins nasceu em Lisboa, numa Rua da Penha de França, num edifício com uma das portas Arte Nova mais originais de Lisboa. Um ano depois já tinha migrado (como tantos outros alfacinhas) para a periferia. Regressou há 18 anos. Trabalha como informático. Está ativo em várias associações e movimentos de cidadania local (sobretudo na rede de “Vizinhos em Lisboa”).


O jornalismo que a Mensagem de Lisboa faz une comunidades,
conta histórias que ninguém conta e muda vidas.
Dantes pagava-se com publicidade,
mas isso agora é terreno das grandes plataformas.
Se gosta do que fazemos e acha que é importante,
se quer fazer parte desta comunidade cada vez maior,
apoie-nos com a sua contribuição:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *