Embora hoje muitos dos guitarristas de fado componham músicas para os artistas que acompanham, julgo não me enganar muito se disser que quase todos os jovens fadistas começaram pelos Fados Tradicionais.

Porém, é importante explicar o que são Fados Tradicionais, pois muita gente pensa que se trata apenas de fados que se tornaram muito populares no passado e que, por serem conhecidos e apreciados pelo público, têm sido cantados por gerações sucessivas de fadistas.

Não é bem isto (embora, claro, também não deixe de corresponder à verdade): as melodias do Fado Tradicional – mais de centena e meia de fados da autoria de grandes músicos como Joaquim Campos, Alfredo Marceneiro, Armando Freire ou José António Sabrosa – são um grupo de composições geralmente bastante simples, que funcionam quase como um chão, uma base sobre a qual os cantores têm de impor a sua interpretação (“estilar”, como se diz na gíria fadista) para criarem algo que pareça original.

Embora eu ouvisse fado ao vivo e em disco desde pequena – artistas com um cunho incrivelmente pessoal como Argentina Santos, Tristão da Silva ou Lucília do Carmo –, até ao momento em que comecei a escrever letras não tinha bem a noção de que diferentes intérpretes cantavam, na verdade, a mesmíssima melodia – embora com letras diferentes – até porque, pela sua individualidade, a faziam soar profundamente singular.

Melodias como o Fado Tango, o Fado Menor do Porto, o Fado Margaridas, o Fado Súplica, o Alexandrino de Joaquim Campos ou o José António de Sextilhas já passaram por vozes tão diferentes como as de Amália, Camané, Aldina Duarte, Ricardo Ribeiro ou Joana Amendoeira – e também as dos jovens que, com letras às vezes pedidas expressamente a alguém, tentam imprimir nelas a sua marca; a fadista Teresinha Landeiro até conta que, quando cantou pela primeira vez na Mesa de Frades, Pedro Castro lhe pediu que voltasse mais vezes, mas da próxima cantasse “fados” – referia-se, claro, aos Tradicionais.

Quando vamos a uma casa de fados, é, aliás, muito curioso ver que os fadistas não pedem aos músicos que os acompanham determinado fado do seu repertório usando o nome do poema, como faria o público, mas o da melodia; ou seja, Amália nunca pediria aos seus guitarristas que lhe tocassem “Estranha Forma de Vida”, mas sim o Fado Bailado.

É, então, o chão (exactamente como numa casa) aquilo que o fadista pede para depois caminhar nele em andamentos mais lentos ou mais rápidos, em maior ou menor (solene ou nem tanto), em ré, sol ou dó (consoante as cordas vocais deixarem), e em ritmos variados (marcha ou outro qualquer).

Tradicionais mas perpétuos, vieram para ficar e cá continuam.


Maria do Rosário Pedreira

Nasceu em Lisboa e nunca pensou viver noutra cidade. É editora, tendo-se especializado na descoberta de novos autores portugueses. Escreve poesia, ficção, crónica e literatura infanto-juvenil, estando traduzida em várias línguas. Tem um blogue sobre livros e edição e é letrista de fado.


O jornalismo que a Mensagem de Lisboa faz une comunidades,
conta histórias que ninguém conta e muda vidas.
Dantes pagava-se com publicidade,
mas isso agora é terreno das grandes plataformas.
Se gosta do que fazemos e acha que é importante,
se quer fazer parte desta comunidade cada vez maior,
apoie-nos com a sua contribuição:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *