Nove minutos. Foi a duração aproximada do implacável terramoto que devastou Lisboa no primeiro dia de novembro de 1755. A maioria dos sismos significativos dura menos de um minuto, um terramoto 7.0 na escala Richter (um dos valor mais elevados) geralmente dura cerca de 10 a 30 segundos e o sismo que abalou Marrocos no passado mês de setembro durou apenas 15 segundos e levou à morte de perto de três mil pessoas. Em Lisboa, nove minutos bastaram para fazer desaparecer cerca de 17 mil edifícios e milhares de habitantes da história da cidade.
Marrocos, Turquia e Afeganistão são alguns dos mais recentes exemplos de países assolados por estas tragédias causadas por sismos. E, a cada calamidade, ecoa um novo alerta para Lisboa, à espera de mais um grande sismo, semelhante ao de 1755.

“Nós aqui estamos numa situação complicada, porque os sismos fortes acontecem de forma muito espaçada. Portanto, muitas das pessoas acham que não vai haver sismos. Acabam por passar um pouco por cima disso”, alerta Carlos Sousa Oliveira, professor catedrático no Instituto Superior Técnico, na área da mecânica estrutural e engenharia sísmica.
Estamos todos a viver uma falsa sensação de segurança, diz. Por mais avanços académicos e tecnológicos, um sismo continua a ser acontecimento difícil de prever, mas os especialistas garantem: vai voltar a acontecer em Lisboa. Por isso, o que nos resta é precaver.
A Câmara Municipal de Lisboa tem trabalhado alguns mecanismos ao longo dos anos, que os especialistas continuam a considerar “insuficientes”. Mas também as juntas de freguesia: porque o sismo chegará com diferentes intensidades a cada zona da cidade e porque “o primeiro agente de proteção civil a atuar no caso de um sismo tem de ser a nível local”, diz Carlos Sousa Oliveira. “Quem tem de ter a primeira palavra quando acontece um sismo têm de ser as freguesias.”
Foi para isso que se criaram os planos locais de emergência – ou PLE. Todas as juntas o têm? E o que dita este plano?
Planos locais de emergência: o que são?
Em 2018, a Câmara Municipal de Lisboa elaborou aquilo a que chamou de “Planeamento Local de Emergência” (PLE) que visava “preparar e organizar a resposta às situações de emergência”, como catástrofes, como sismos. A ideia é desenhar o que será uma ferramenta de prevenção a nível hiperlocal, “dotar as Juntas de Freguesia de um Centro de Operações de Emergência (COE)” e “organizar grupos de voluntários locais capazes de colaborar e participar em atividades no âmbito da proteção civil”.
Das 24 freguesias de Lisboa, apenas nove possuem um PLE disponível nos respetivos sites. São elas as freguesias de Alvalade, Arroios, Lumiar, Misericórdia, Penha de França, Parque das Nações, Santo António, São Domingos de Benfica e Campo de Ourique (da autoria de um grupo de cidadãos, que trabalha em parceria com a junta). A freguesia dos Olivais, que até há bem pouco tempo tinha a página sobre o PLE indisponível, voltou a disponibilizar o documento após os contactos da Mensagem.
Contactadas pela Mensagem, as Juntas de freguesia do Areeiro, Avenidas Novas, Beato e Belém informaram que se encontram em fases finais de elaboração dos respetivos planos.
Já as freguesias de Ajuda, Alcântara, Benfica, Campolide, Carnide, Estrela, Marvila, Santa Clara, Santa Maria Maior e São Vicente não possuem qualquer plano local de emergência disponível e acessível aos cidadãos atualmente.

Entre todos os PLE organizados por cada Junta de freguesia, o de Alvalade é aquele que se destaca pela sua profundidade e detalhe.
“O presente plano aplica-se perante a eminência ou ocorrência de acidente grave ou catástrofe, que ocorra na área da Freguesia de Alvalade, quando não seja possível a intervenção imediata das entidades competentes. Neste contexto, a JFA deverá atuar de imediato através do Comando Operacional Emergência (COE), até estabelecimento do controlo da situação pelo Serviço Municipal de Proteção Civil de Lisboa (SMPC), ou por outras entidades com competências na área da emergência. A resposta deverá ser imediata e sustentada, sobretudo nas primeiras 72 horas pós-evento. A JFA deverá:
a) Providenciar, de forma concertada, as condições e a disponibilização dos meios indispensáveis à minimização dos efeitos adversos de eventos de emergência dos três níveis de alerta;
b) Desenvolver, juntamente com as entidades envolvidas nas operações de proteção civil e socorro, o nível adequado de preparação de emergência, de forma a criar mecanismos de resposta imediata e sustentada, sobretudo nas primeiras 72 horas pós-evento;
c) Promover estratégias que assegurem a continuidade e a manutenção da assistência, bem como possibilitem a reabilitação, com a maior rapidez possível, do funcionamento dos serviços públicos e privados essenciais, bem como das infra-estruturas vitais, de modo a limitar os efeitos do evento de emergência;
d) Promover a realização de treinos e exercícios, sejam de carácter sectorial junto de cada grupo, sejam de forma global”
Alvalade, em particular, faz uma extensa descrição do risco que mais preocupa. O documento “Sismos: a freguesia tem na área envolvente da cidade de Lisboa a Falha do Vale Inferior do Tejo, com direção aproximada NE-SW. A Carta de Vulnerabilidade Sísmica dos Solos” (CML/DPC 2088), indica-nos que a vulnerabilidade na freguesia é “Muito Alta” ao longo da Avenida do Campo Grande, Eixo de Entre Campos e na proximidade da rua das Murtas. No restante da freguesia a área é de “Alta Vulnerabilidade” e “Média”.
É a “Carta de Vulnerabilidade Sísmica dos Solos” que mostra o zonamento da freguesia de acordo com o comportamento das formações geológicas superficiais, face à propagação das ondas sísmicas, classificando Alvalade com Classe Alta (formação predominantemente arenosas consolidadas/solos incoerentes compactos) e Média (formações argilosas/rochas de resistência média a elevada).”

E o plano familiar de emergência?
Na freguesia de Campo de Ourique, além de apresentar o seu PLE, a Junta lança uma proposta diferente: a criação de um Plano Familiar de Emergência (PFE), um documento para as famílias saberem como lidar com catástrofes e outros acidentes. Porque a prevenção pode começar nas nossas casas.
Esta proposta de Campo de Ourique inclui a sugestão – entre outras – para a identificação de “dois pontos de encontro da família, numa situação de emergência: um local fora de casa, a uma distância segura, e outro fora do local da residência, em caso de ficar impossibilitado de regressar a casa”. E ainda a “realização de uma inspeção a toda a casa à procura de potenciais riscos, com a execução de ações relativamente simples”.

Então, o que pode fazer para tornar a sua casa mais segura? O plano de Campo de Ourique dita o seguinte:
- Fixar às paredes as estantes, as garrafas de gás, os vasos e as floreiras;
- Colocar os objectos mais pesados ou de maior volume no chão ou nas estantes mais baixas;
- Não colocar vasos ou floreiras nos peitoris das janelas ou varandas;
- Libertar os corredores e manter os móveis arrumados de forma a facilitar os movimentos;
- Nas escadas e patamares ter apenas os vasos de plantas que não dificultem uma evacuação;
- Identificar os locais que oferecem maior protecção em caso de desabamento: debaixo de vigas, de mesas, de vãos de portas;
- Fazer limpezas gerais periódicas aos locais normalmente pouco utilizados ou de difícil acesso (sótãos, arrecadações, arquivos, etc.) para não permitir a acumulação de poeiras ou de lixos (combustíveis potenciais);
- Proceder às verificações/reparações apropriadas em todas as instalações que, por deficiência de execução, conservação ou funcionamento podem dar origem a explosões, focos de incêndio, intoxicações e electrocussão;
- Não deixar medicamentos, fósforos e isqueiros ao alcance das crianças.
A junta de freguesia propõe ainda que cada família tenha “em condições de permanente utilização” materiais como um extintor de pó químico (e carregado), ferramentas consideradas essenciais, um rádio com pilhas de reserva, uma lanterna, medicamentos fundamentais para toda a família, roupa e agasalhos.
O simulador de Lisboa
E se pudéssemos saber quais as zonas mais vulneráveis a um grande sismo em Lisboa? O ReSist, um programa sob a alçada da Câmara Municipal de Lisboa, funciona como um rastreador de zonas da cidade que seriam mais afetadas por sismos, tudo com base num simulador, tem sido a aposta da cidade nos últimos dois anos.
Estes levantamentos são realizados em função do tipo de casas e edifícios que existem e a forma como estão construídos. Além disso, conseguem detetar também quais seriam as ruas que seriam mais prejudicadas por desabamentos, para traçar as melhores rotas de acesso aos locais por parte dos veículos de socorro.
Regra geral, a zona ribeirinha, mas também áreas como Campo Grande, Praça de Espanha, Benfica e Lumiar serão as zonas mais afetadas. Ao passo que as menos afetadas serão as zonas da Ajuda, Campolide e Monsanto.

Legenda correta do gráfico:
Vulnerabilidade sísmica dos solos
Baixa – bege
Moderada – amarelo
Alta – laranja
Muito alta – vermelho
João Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica diz que as zonas mais vulneráveis são, “por um lado as zonas de solos mais brandos, por outro as zonas com construções mais vulneráveis, como construções mais antigas, quer em alvenaria ou em betão armado da fase inicial da sua aplicação”. Além disso, “bairros mais antigos, como nas Avenidas Novas e algumas zonas com muitos edifícios em soft storey (piso vazado) também seriam fortemente prejudicados”.

Nenhuma cidade está preparada. Mas há exceções em que a infraestrutura se portará melhor em caso de catástrofe. E o hábito de derrubar paredes para amplificar espaços nas casas pode condenar os edifícios todos – “não só a sua casa” – alerta João Azevedo.
“Por todo o lado, vemos obras destas em Lisboa. E não temos capacidade para impedir que estas coisas aconteçam.”
É na lei que se escavam as primeiras fragilidades. O próprio quadro legal para proteger os edifícios e regulamentar a atuação da construção só chegou a Portugal em 2019. Falamos de um decreto conhecido como Eurocódigo 8 e que surge como forma de uniformizar a segurança dos edifícios em toda a Europa. Foi transposta para Portugal em 2010, até que, finalmente, em 2019 foi promulgado. Está em fase experimental e ataca exatamente os riscos de reabilitação.
O que diz esta lei é que há determinados parâmetros a seguir na hora de reabilitar uma casa, para que esta se torne segura. Como, por exemplo, o uso de lajes fungiformes que “têm um comportamento sísmico ainda não totalmente esclarecido”, lê-se no documento. Apesar de necessário, diz o especialista Carlos Sousa Oliveira, é um decreto “muito exigente e que sai mais caro”, vindo trazer desafios à sua aplicação. “Felizmente também há muitas ferramentas e técnicas novas.”
Por metro quadrado, alerta, podemos ter à volta de 600 quilos de betão. No dia em que um sismo abanar os nossos tetos, se a casa não estiver preparada, é este o peso que cairá sobre nós. Prevenir passa pela nova construção e pela requalificação da velha. Mas não só: priorizar pode salvar vidas.

O engenheiro João Azevedo recorre ao passado para discutir o que importa para o futuro. “Lembro o sismo de 1969, há pouco mais de 50 anos, que fez alguma destruição em Lisboa e em que o Hospital de S. José teve de ser evacuado. Imagine, em caso de sismo, termos de abandonar os nossos hospitais.” Proteger toda a cidade pode não ser possível, mas ainda vamos a tempo de proteger as infraestruturas capitais para cuidar da população depois do desastre ou diminuir os danos: além de hospitais, quartéis de bombeiros, escolas e abastecimento de eletricidade.
“A maioria não está” protegida, garante. “Textualmente, é verdade que sai mais caro” criar estruturas protegidas, mas “o custo é ridículo face ao acréscimo de segurança que nos dão”.
E uma fiscalização irregular das novas construções mostra-se mais uma pedra no caminho para uma boa prevenção. “Neste momento, as câmaras não fazem fiscalização. Os regulamentos só funcionam se na prática houver uma fiscalização do projeto e da construção. Pode haver um projeto muito bem feito, mas depois quando chega a altura da obra, se houver alterações, tanto podem não ter importância, como podem também ser determinantes”, acrescenta Carlos Sousa Oliveira, professor do IST.
Toda esta fiscalização fica a cargo de um técnico de engenharia que, através de uma assinatura, confirma que a obra cumpre a regulamentação. Somente alguns edifícios, como as estruturas mais críticas (escolas, hospitais, quartéis de bombeiros) é que têm uma segunda verificação por parte das câmaras municipais. “As casas normais, aquelas onde todos nós habitamos, não têm uma revisão de projeto. A câmara não vê isso, não tem hipótese”, clarifica.
Qual seria o impacto de um sismo hoje em Lisboa?
Manuel João Ribeiro, responsável pela coordenação de diversos trabalhos e planos de emergência, lembra que Lisboa é a mesma cidade que, em 1755, com um total de 20 mil edifícios, ficou com menos 85% de todo o edificado. Além disso, estima que o abalo tenha provocado a morte de entre 8 a 20 mil pessoas (4 a 10% da população da cidade, na altura de 200 a 275 mil habitantes).
Mas as incertezas relativas aos danos causados por esta catástrofe persistem. Por outro lado, Paulo Freire, historiador, aponta que, num total de 35 mil prédios, 19 mil não resistiram ao abalo, levando à morte cerca de dez mil lisboetas. Uma destruição e mortandade que foi alargada pelo grande incêndio que começou na igreja de S. Domingos e que durou cerca de cinco dias, logo após o abalo sísmico.

O que sabemos é que a Lisboa de hoje é mais populosa e, logo, tem um risco acrescido ao de 1755. Por outro lado, segundo os Censos de 2021, 23,4% da população tem mais de 65 anos, muitos destes idosos vivem sozinhos (42,8% em 2011) em habitações anteriores à década de 1960 e na metade estimada do edificado lisboeta em risco de colapso ou danos graves em caso de sismo.
Outro risco sísmico acrescido está nos vários devolutos de Lisboa – especialmente naqueles de construção anterior à década de 1950 e que se situam em zonas de elevada densidade habitacional mas de intenso tráfego pedonal e automóvel.
O que podemos aprender com outros países?
Estados Unidos, Nova Zelândia, Turquia, Itália, Japão. Estes são alguns exemplos que, por se tratar de territórios de uma elevada propensão para a ocorrência de sismos, têm desenvolvido esforços redobrados através de uma construção mais adaptada e de uma reabilitação de estruturas existentes.
“A Califórnia tem planos muito detalhados sobre estas matérias. Já têm muito trabalho feito, porque sabem que de x em x tempo vão ter um sismo que vai causar problemas à população e à economia. O Japão tem feito um trabalho notável de reabilitação de muitos edifícios com elementos metálicos em cruz para segurar melhor as estruturas, para terem uma resistência não só vertical, mas também lateral. Cruzes semelhantes à cruz de Santo André que temos na baixa”, descreve Carlos Sousa Oliveira.
Tão importante como a prevenção destes eventos estão também os comportamentos e medidas pós-sismo. Para tal, evoluções tecnológicas, como o recurso a imagens de satélite, de modo a fazer um levantamento rápido e detalhado dos edifícios que colapsaram ou que sofreram graves danos.
Um outro exemplo recentemente utilizado na Turquia foi o recurso a drones. Os drones conseguem de uma forma extremamente ágil fazer uma vistoria geral dos estragos causados às casas através de uma perspectiva panorâmica privilegiada.
Mas “é preciso que o poder político tenha consciência de que um sismo pode ocorrer a qualquer momento, a qualquer altura”, remata o especialista. “Nós não conseguimos fazer previsões. Temos de estar preparados.”
*Texto atualizado às 14:20 do dia 26 de outubro de 2023, com informação relativa aos PLE disponibilizados pelas juntas

O jornalismo que a Mensagem de Lisboa faz une comunidades,
conta histórias que ninguém conta e muda vidas.
Dantes pagava-se com publicidade,
mas isso agora é terreno das grandes plataformas.
Se gosta do que fazemos e acha que é importante,
se quer fazer parte desta comunidade cada vez maior,
apoie-nos com a sua contribuição:
Indispensável!…
Mais vale tarde que nunca.
A avaliar pelos estudos de há anos
“Pouco se salva de Lisboa”. Senti e bem o de Marrocos.