Se começarmos no topo da “Colina do Encontro”, no Parque Eduardo VII, junto à sofisticada instalação da Jornada Mundial da Juventude, e descermos um pouco, é um caminho de apenas 30 minutos a pé que nos faz chegar à “periferia”: são dois quilómetros até ao Centro Social Paroquial São Vicente de Paulo, no bairro da Serafina.

Faltam menos de 24 horas para o Papa Francisco cá vir, na manhã de sexta-feira, para um encontro com representantes de alguns centros de assistência social. Já se concluem os preparativos.

Ouvem-se vozes cantadas, agudas, envelhecidas e mais ou menos afinadas: são os utentes do centro de dia a ver repetidamente, numa tela de projeção, o videoclipe do hino da JMJ, enquanto executam uma ginástica coreográfica, imitando uma das animadoras. Umas arriscam fazê-lo de pé. Outras, em cadeiras de rodas, não deixam de levantar e abanar os braços, com pressa no ar, como sugere a letra da canção.

“Já não sei mais o que é que hei de dizer, depois de tantas entrevistas”. O Padre Francisco Crespo está sem mãos a medir. Para além da atividade normal do centro, que apoia todas as faixas etárias da população local, no bairro da Serafina e no da Liberdade, esta semana é especialmente atribulada, à conta da participação dos paroquianos na JMJ e da hospedagem de 300 peregrinos estrangeiros.

E porque o Papa Francisco decidiu vir conhecer pessoalmente este território.

Os utentes do centro de dia a ver repetidamente, numa tela de projecção, o videoclipe do hino da JMJ enquanto executam a coreografia que hão-de mostrar ao Papa.

O mediatismo do acontecimento traz ainda mais azáfama à paróquia. “Não fui eu que pedi. Não pedi nada”, deixa claro. O padre que dirige o centro começou por ouvir na rádio essa possibilidade. Mais tarde, veio a confirmação por parte de D. Américo Aguiar e a visita acabaria por ser publicada no programa oficial da visita do Papa.

Por que razão é que este local, praticamente no centro de Lisboa, ao fim de quase meio século, ainda é considerado um bairro da periferia?

O Padre Crespo já anda pelo bairro há 45 anos e não hesita na resposta. Quando aqui chegou, encontrou uma população desamparada e com muitas carências. Agora… continuam.

“As casas continuam a ser abarracadas, sem condições. Vem o inverno, vem o verão… e ninguém aguenta dentro daquelas casas”.

No entender dele, o poder político não terá acompanhado a evolução do Bairro da Liberdade, nomeadamente ao nível das condições habitacionais. Este é o principal problema, causa de muitos outros desafios locais.

“Toda a gente sabe que num bairro degradado, onde não há condições, há vícios. Somos uma força a lutar contra outra: de um lado, queremos fazer o bem; por outro lado, as pessoas vão para as suas casas, vão para as suas famílias, e não encontram respostas. Há abandono, desinteresse … Um jovem sai daqui, mas chega ali e encontra um colega que não vai à escola, que se mete neste ou naquele vício… o jovem vai para lá também facilmente. O nosso trabalho é de pesca à linha.”

No Bairro da Liberdade, a periferia não é geográfica. É “social”. Em contrapartida, o Padre Crespo enaltece a localização privilegiada do bairro, nomeadamente pela proximidade a Monsanto, “sítio maravilhoso”, lamentando que não haja uma maior concordância entre a beleza natural do pulmão de Lisboa e as habitações que naquele sopé se encontram.

É um potencial que está há décadas por cumprir.

O Padre Francisco Crespo.

Quanto à visita de Francisco, o padre não está à espera que “faça um milagre”, mas conta com a sua “palavra sempre oportuna”. E reconhece que pelo menos o mediatismo gerado à volta deste evento possa mexer com algumas consciências e dar a conhecer o bairro e as suas fragilidades, especialmente aos que poderão contribuir para uma melhoria das condições de habitação, ansiando uma “renovação da vida da comunidade”.

“Reconstruindo o bairro, reconstruímos também a formação das pessoas”, conclui, sem pejo.

Seja como for e venha quem vier, os trabalhos do centro não param: 170 trabalhadores apoiam diretamente, todos os dias, 900 pessoas – entre crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência. São 1200 refeições diariamente.

“As pessoas não vêm à igreja sem que primeiro eu os atenda naquilo que eles precisam”, sublinha o Padre Francisco Crespo.

E está tudo a postos para receber Francisco, na esperança de que a visita, de certo não miraculosa, seja mais um passo na reconstrução de uma comunidade verdadeiramente livre.


*Nasceu em 1994, é contador de histórias reais e produtor. Estudou Engenharia e Gestão Industrial no Instituto Superior Técnico e teve formação em várias vertentes da Comunicação, incluindo Comunicação de Ciência. Está nas JMJ e enviou este texto para a Mensagem que foi editado por Catarina Carvalho.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *