“O senhor Eduardo” surge quase como lenda na linha de Cascais e, aos 93 anos, ainda pode ser visto sentado à mesa do seu restaurante, durante o almoço, para fiscalizar o serviço e acenar aos clientes.
E para almoçar também, é claro, com direito a uma tacinha de vinho, pois ninguém é de ferro.
Desde 1965 que a histórica marisqueira Eduardo das Conquilhas, na Parede, tem conquistado agradecimentos daqueles que aqui criaram memórias, à volta da mesa, fisgados por aquilo que o mar traz no dia, acompanhadas por um vinho verde inigualável.
Mas felizes serão mesmo aqueles que podem dizer “obrigado” com arte. Um privilégio que o artista Mário Belém usou para agradecer os bons momentos vividos nas mesas desta marisqueira.
Para além de homenagem, o imenso mural da altura de um prédio de três andares, vizinho ao restaurante e ao pé da estação de comboios, é também a partir de agora o sinal de que se está a chegar ou partir de Parede, o novo e belo cartão postal na paisagem da Linha de Cascais.

“Finalmente, consegui realizar o sonho de pintar uma parede na Parede”, joga com as palavras Mário Belém, nascido e crescido na vizinha Carcavelos, a freguesia que leva no coração e na pele, sob a forma de uma tatuagem onde se lê 2775 – o código postal local.
Pintado em seis dias, o mural em cores vivas ilustra os ícones do restaurante, entre eles a efígie do seu fundador.
O artista que é cliente “desde miúdo”
Assim como o “senhor Eduardo”, Mário Belém também costuma ser visto com frequência nas mesas do restaurante, onde vai já não sabe mais desde quando – mas certamente há mais de quarenta dos seus 46 anos de idade.
Não poderia ser diferente, então, que tenha sido nas mesas do Eduardo das Conquilhas, por entre gambinhas e uma senhora ameijoa à Bulhão Pato, onde foi selada a ideia de se homenagear o restaurante e o seu fundador num imenso mural.

“Estava a jantar com uns amigos quando um dos empregados perguntou: ‘vocês pintam, não é?’. Levantei logo a mão e ele foi dizendo que o patrão estava a procurar alguém para pintar o muro do lado do restaurante”, resume Mário Belém.
O patrão em questão é Ricardo Santos, filho do senhor Eduardo e, justamente por isso, mais conhecido por “Ricardo das Conquilhas”. Ele que não pensou duas vezes em seguir para o “vamos a isto”. “Não poderia ter sido uma escolha melhor, pois o Mário é um grande artista e cliente da casa desde miúdo”, explica.
Mas, afinal, quem é este Eduardo que Mário está a homenagear?
Eduardo, parte da história da Linha de Cascais
Inspiração do artista, o restaurante faz jus à homenagem. É praticamente impossível unir as expressões “boa comida”, “frutos do mar” e “Parede” sem que a primeira coisa que surja em mente não seja o restaurante Eduardo das Conquilhas.
Mas nem sempre o negócio de Eduardo foi este.
Umas bebidas, como cafés e refrigerantes, apenas acompanhadas de rissóis e pastéis de bacalhau, faziam a receita para o arranque da caminhada de Eduardo. Longe das mariscadas. Até que uma funcionária, mostrando olho para o negócio, resolve dar a ideia de criar uma especialidade no restaurante ainda modesto: as conquilhas, que Eduardo ia buscar religiosamente de transportes públicos ao mercado da Ribeira – e depois, só ao fim de nove anos, com o auxílio do carro.
O reinado da conquilha começara aqui, conta:
A idade que Eduardo carrega já não dão para longas conversas como esta a que nos propusemos e a responsabilidade em manter a fama do local agora é do herdeiro do “senhor Eduardo”, Ricardo Conquilha.
Ele que começou a trabalhar no restaurante aos oito anos, quando lavava o chão e arrumava as mesas, preparando o estabelecimento para abrir.



Foi sob a batuta do pai que Ricardo também lavou pratos e panelas, e aprendeu a tratar do marisco, até se especializar a sério, licenciando-se em Gestão Hoteleira. O diploma, porém, não impede o senhor Eduardo de continuar a fiscalizar a atuação do filho, nas vezes em que desce para almoçar.

Quando Ricardo começou, o restaurante ainda funcionava onde hoje é a estrutura central do estabelecimento, com cerca de um quarto dos atuais 200 metros quadrados de tamanho, com direito a viveiros próprios na parte interior, onde centenas de sapateiras dividem-se em três tanques abastecidos com água do mar.
Esses e outros viveiros espalhados pela casa são, segundo Ricardo, o diferencial do restaurante, por permitir oferecer crustáceos frescos, recém retirados da água. Exclusividade que se estende ao já citado vinho verde, fabricado exclusivamente para a casa.
Assim como aconteceu com o filho de Eduardo, Ricardo agora prepara a filha para dar continuidade à linhagem dos Conquilhas. A adolescente de 13 anos tem ajudado o pai após as aulas, recebendo os clientes.

Uma tarefa nada fácil, principalmente no verão, quando as plaquinhas de metal de Reservado espalham-se sobre as mesas e uma fila forma-se todo fim de tarde diante do restaurante, ladeando os carris da CP.
Clientes cuja espera pelas famosas conquilhas e um refrescante copo de vinho verde é agora atenuada pela beleza do imenso mural em homenagem ao prazer de comer bem.


A homenagem ao Eduardo das Conquilhas junta-se a outras duas dezenas de murais já pintados por Mário Belém em 13 anos como artista, entre eles o belíssimo que ilustra a fachada externa da Biblioteca Manoel Chaves Caminha, em Alvalade, com o perfil do fadista Carlos do Carmo.
A experiência de Mário Belém em fazer arte em grande escala tem se traduzido em mais e mais convites e numa agenda profissional cheia. Esta entrevista foi realizada no intervalo de mais um trabalho, desta vez o piso de um campo de basquete que está a ser revitalizado em Oeiras.
O que explica que surja nas fotos vestido a rigor, salpicado de tinta da cabeça às botas.
Ainda em junho, Mário Belém pega a estrada até Figueiró dos Vinhos, onde mais um mural nascerá das suas mãos.

Álvaro Filho
Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.
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O Eduardo das Conquilhas é um marco da Parede. Durante muitos anos fui frequentador, quando ainda era pouco conhecido. Agora já não tantas pois o movimento é imenso.
Mas não posso deixar de sublinhar que o Eduardo também foi feito pelos empregados, donde destaco o Sr. António que sozinho despachava o serviço de uma sala e esplanada, sendo peculiar a voz grave a colocar pedidos. O seu dá me…