A coitada da Diana queria ir de férias com o namorado e não pode. Num dia trágico, uma amiga de infância ficou noiva. Já se estava mesmo a ver que o casamento lhe ia comer ao bolso. Ao da Diana, digo.
Aceitou o convite para ser madrinha, e também teve de aceitar ser dama-de-honor. Não sabia bem o que era nem que compromisso havia, mas não se diz que não a um convite, ainda para mais vindo de alguém que lhe emprestava sempre a afia entre o terceiro e o quarto ano. Não é devolver favores, é viver em comunhão, dar e receber no mesmo movimento. Disse “Claro que sim”, incapaz de prever o que aceitava. Até a comoveu que a amiga se lembrasse tão bem dela, que gostasse tanto dela, apesar de os últimos cinco ou seis anos terem tido apenas conversa de circunstância. A partir daí, foi uma razia na conta do banco.
A noiva resolveu, já que era o seu primeiro casamento, que tinha de ser festa de arromba. Convidou a Diana e as outras vítimas para passarem todas cinco dias em Palma de Maiorca. O convite era quase irrecusável: bom hotel, boa praia, tudo incluído, e custo zero. Para ela, claro, que as amigas é que tiveram de pagar tudo. Como os pais da noiva eram ricos (muito ricos), a Diana não se apercebeu de que o convite trazia uma manha, e deu por si a passar cinco dias em Palma de Maiorca com gente que nem sequer conhecia, e aquela amiga que já tinha mudado com o tempo. A conta daqueles dias soube a trauma longe de coisa muito pouca: 1550 euros por cabeça, excepto a cabeça que ia levar um véu.
Foi logo ao ar a ideia de ir à Sicília com o Manel, que talvez tivesse de esperar mais um ano para ver a namorada junto ao mar. E, a partir daí, a Diana, que trabalha num escritório de advogados e anda sempre de fato, teve de começar a levar marmita para o trabalho. Todos os cêntimos contavam, até porque a história estava longe de acabar.
A despedida de solteira não ia bastar para a festa. Mesmo nisso, foi tudo um escândalo, e até me custa ver como é que ela não previu. Quem se passeia por Belém aos domingos já se habitua a ver esta espécie. Os noivos que se despedem de ser solteiros bebem muito álcool para esquecer, e não se entende bem o que festejam. Os amigos são arrastados sem vontade nenhuma, mas alinham para não ofenderem ninguém. Com isto, grupos de cabeças loiras pedalam um bar enquanto bebem cerveja. Do outro lado, a noiva e as amigas seguem, estas de véu na cabeça, e é claro que não escapam os genitais ocasionais. Foi isto que pasmou a Diana, quando, perdida nas Canárias, viu outra dama-de-honor a oferecer à noiva plástico que imitava carne. Ainda se riram muito, enquanto a minha amiga fingiu que tinha deixado o assado ao lume no quarto e abandonou o bar para não ser vista junto àquilo. Ela nem sabia que era suposto dar uma prenda no meio da prenda: aquilo tudo não era já a prenda?
Já os pais foram em grande. Como presente de casamento, ofereceram à noiva um T2 nas Avenidas Novas. Como presente de noivado, já lhe tinham dado um carro. Ninguém parecia achar estranho que ela só conhecesse o Bernardo há meia dúzia de meses. Como ele era homem de ir à missa, tinha muita pressa para não passar pela vergonha de ser solteiro. E no meio em que vivia, filho de Opus Deis, já era uma vergonha que ninguém lhe tivesse pegado até tão tarde.
Enfim, a vida lá se encaminhou para cumprirem os sacramentos. Oferecida a prenda, a noiva mostrou as fotos da penthouse à Diana, dizendo que era ali que viveriam, que a casa de Cascais do Bernardo não lhe dava muito jeito por causa dos brunches no Ritz. Ficando ali, era só chamar um Uber e perder cinco minutos na viagem. A Diana, que estava, aos bocados, a tentar remodelar um T1 em Campolide, espantou-se com as bancadas de mármore e com o comentário “Mas é pena o tamanho do jacuzzi.” Pelo menos com o Tesla estava tudo bem, era mesmo o modelo que ela queria. “Não gosto de carros pequenos nem de baixa cilindrada”, dizia ela, julgando que o Fiat Panda da Diana era só uma questão de gosto.
Aproximando-se o casamento, a noiva lá disse às damas-de-honor que tinham de ir vestidas de roxo. Já se sabe que as noivas fazem sempre de propósito para não serem as únicas a fazer figura de ursas – podem ir com vestidos de Nenucos, mas garantem que as amigas também parecem queques com folhos por cima. A Diana lá se viu numa costureira para fazer a coisa à medida, e no fim deixou lá 380 euros. Mau investimento para uns trapos que não ia voltar a usar na vida, mas a pressão social é um bíceps do Schwarzenegger.
Depois disto, a noiva foi escolher as alianças com o noivo, e no final mandou a conta às madrinhas. Para lhes facilitar a vida, disse que podiam transferir o dinheiro por MBWay. Ainda agradeceu, acrescentando que “É tão bom comemorar o amor com as amigas <3”, amigas essas que iam ter de pôr os namorados de molho mais um ano. Mas que interessa a vida perante o peso que há numa cerimónia?
Claro que, nisto, a Diana já estava preocupada. São 1550+380+alianças. Como dizia António Guterres, é fazer as contas. Mas é adicionar mais uma.
Não passava pela cabeça da Diana a ideia de uma prenda de casamento, mas ouvia as outras falarem disto e daquilo. Umas férias, um vestido ridículo, um anel de ouro noutra mão. Que mais faltava oferecer? Ainda por cima, a noiva já tinha casa e carro e não ia precisar de trabalhar. Quem vive de dinheiro investido tem problemas que não temos – mas não sei quais.
Com cautela, tentou abordar o problema com a noiva. Foi lá e gaguejou, ai e tal a prenda, ai e tal os gastos, ai e tal o também não sei o que havia de te dar. Amiga como era – tão amiga como a outra –, a noiva lá a descansou: “Por amor de deus, não te preocupes com a prenda! Não me falta nada!”
Houve ali um instante em que, enquanto fazia as contas mentalmente, a Diana relaxou. Ainda ia ter dinheiro na conta para pagar a luz à EDP. Enquanto um sorriso quase lhe conquistava os lábios pela primeira vez desde o início daqueles dois meses de noivado, a noiva acrescentou: “Podes dar dinheiro. Até prefiro.”
*Esta cronista escreve com o antigo Acordo Ortográfico

Ana Bárbara Pedrosa
Veio para Lisboa estudar Literatura em 2012. Daqui só saiu para o Brasil, onde, à portuguesa, teve saudades dia e noite. Regressada, escreveu Lisboa, chão sagrado e a cidade foi a diva onde se perderam personagens. Anos depois, numa casa em Benfica, foi ao Médio Oriente e escreveu Palavra do Senhor. No mesmo sítio, meteu a cabeça em Vizela e escreveu Amor estragado. Para os de cá, tem sotaque minhoto; para os de lá, engravatado.

O jornalismo que a Mensagem de Lisboa faz une comunidades,
conta histórias que ninguém conta e muda vidas.
Dantes pagava-se com publicidade,
mas isso agora é terreno das grandes plataformas.
Se gosta do que fazemos e acha que é importante,
se quer fazer parte desta comunidade cada vez maior,
apoie-nos com a sua contribuição: