Em tempo de festas populares, o consumo de bebidas no espaço público aumenta, com uma sede de festa que se alimenta ainda mais do calor que se instalou em Lisboa por estes dias. Uma bebida leva a duas e duas levam a quatro ou cinco. No final da noite, o número de bebidas ingeridas é muitas vezes igual ao número de copos deixados para trás.
Nas festas deste ano, que por estes dias se aproximam do fim, houve bons exemplos, com organizações que insistiram na implementação de sistemas de copos reutilizáveis, mas houve também exemplos maus, protagonizados pelo copo de plástico descartável que insiste em não sair de cena.
Podem usar-se copos descartáveis?
Quando o assunto são os resíduos urbanos, ainda há um longo caminho a percorrer. Em 2021, metade dos resíduos urbanos nacionais acabou em aterro – o dobro da média europeia, que se situa nos 23%. Se na União Europeia o principal destino dos resíduos urbanos é a reciclagem, com 30%, em Portugal este valor atinge apenas os 13%, segundo dados do Eurostat. Na cidade de Lisboa, o quadro não é melhor. De 2015 para 2020, o país produziu mais resíduos, destacando-se a região de Lisboa com um aumento de 11,5%.




No que toca à produção de resíduos, importa melhorar os valores da reciclagem, mas importa também reduzir a produção de resíduos. Com o aumento vertiginoso da atividade turística da cidade e com a realização de grandes eventos todos os anos, um dos focos de preocupação para a redução da produção de resíduos em Lisboa tem sido pôr termo à utilização de copos descartáveis na cidade.
Em 2017, o Livre apresentava uma recomendação “pela proibição dos copos de plástico descartável e por um plano de redução do plástico em Lisboa”, mas as medidas só surgiriam dois anos mais tarde.
Em 2019, a cidade tomava, por fim, passos decisivos. Era aprovada em assembleia municipal uma moção, subscrita pelos vereadores do PSD, com o objetivo de “reduzir as garrafas e copos de plástico em Lisboa”. No texto da moção sublinhava-se o montante pago à Valorsul em 2017 pelo tratamento de resíduos recicláveis – 4,8 milhões de euros para cerca de 44 toneladas. Mais tarde, neste ano, era incluída no novo regulamento de gestão de resíduos da cidade a “proibição de servir, para fora do estabelecimento, produtos provenientes da venda e consumo do mesmo, em plástico de utilização única ou descartável, nomeadamente copos”.

Em notícia do jornal Público que citava fonte da autarquia, era anunciado que o município dava “até 31 de Dezembro de 2019 para eliminarem os plásticos descartáveis, nomeadamente os copos, em espaço público”. Quatro anos volvidos, constata-se que ainda há copos descartáveis nas ruas de Lisboa.
A Mensagem verificou, contudo, que quatro anos depois da entrada em vigor do regulamento são vários os estabelecimentos da cidade que continuam a vender, para dentro e fora do estabelecimento, bebidas em copos descartáveis.
Em resposta à realidade verificada, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) cita a legislação aprovada em 2019 para justificar a ausência “de um instrumento legal que lhe permita adotar uma atuação fiscalizadora e proibir a venda de bebidas em copos descartáveis”.
O que diz a lei?
Apesar da existência de proibições municipais na utilização de copos descartáveis, a legislação nacional em vigor não as acompanha.
No seguimento da necessidade de transposição de uma diretiva europeia sobre a presença de produtos de plástico no ambiente, foi publicada em setembro de 2019, a Lei nº 76. No seu sumário, a lei “determina a não utilização e não disponibilização de louça de plástico de utilização única nas atividades do setor de restauração e/ou bebidas e no comércio a retalho”.
Se, por um lado, o início do texto legislativo parece indicar a proibição da utilização de copos descartáveis, encontra-se, nas entrelinhas, espaço de manobra.
Susana Fonseca, coordenadora da área temática “Sociedades Sustentáveis e novas Formas de Economia” e membro da direção da associação ambientalista ZERO, explica que, na realidade, os únicos [copos] que estão proibidos são os de poliestireno expandido, aqueles que parecem esferovite. De fora, ficam os copos de plástico descartável de utilização comum em bares e restaurantes.
“Para já, não é proibido usar plástico [nos copos]”, esclarece.










Ilustração de Tatiana Fernandes/Lisbon School of Design
Apesar da não proibição, sublinha a também investigadora em sociologia do ambiente no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, há metas ambiciosas assumidas pelo Estado português e que obrigam a uma redução drástica no consumo de plásticos de utilização única, onde se incluem os copos descartáveis.
“Os objetivos até 2026 em termos de copos e embalagens para takeaway [apontam para] uma redução de 80% face aos valores de 2022 e 90% até 2030”.
Sobre estas metas, a associação ZERO defende até que podiam não ser tão exigentes caso fossem “aplicadas a todos os materiais de uso único, para de facto fomentar as soluções de reutilização”.
E aqui dicas para arraiais e festas em casa.
Apesar do não da câmara, ainda há copos descartáveis nos arraiais da cidade
Em frente ao palco montado no Largo da Severa, juntam-se centenas de lisboetas durante os fins de semana de junho para comer sardinha no pão e ouvir música popular ao vivo.
Aqui, e em qualquer um dos vários vendedores instalados em bancas ou roulotes neste arraial, a cerveja sai em copo descartável, apesar de, na teoria, isso não dever acontecer.

O arraial do Grupo Desportivo da Mouraria é um dos 16 que este ano recebem apoio financeiro da EGEAC. À atribuição deste apoio está associado o cumprimento de um conjunto de regras, estipuladas no regulamento dos arraiais da empresa municipal.
O apoio financeiro concedido a cada um dos 16 arraiais pode chegar ao máximo de 3084 euros, perfazendo um apoio total superior a 49 mil euros. Este valor é entregue à entidade organizadora de cada arraial em duas tranches: uma primeira, de 60% do total, até ao início do arraial, sendo os restantes 40% entregues “após o último dia de realização dos Arraiais Populares”.
A entrega da segunda tranche só deve acontecer, contudo, após “avaliação positiva da comissão de acompanhamento”. Esta avaliação está dependente do cumprimento de vários critérios, entre os quais está “a não utilização de copos, pratos, palhinhas e talheres em plástico de utilização única”, lê-se no regulamento aprovado em 2019 e que vigora na atual edição das Festas de Lisboa.
À Mensagem, a EGEAC confirma que “mantém-se o clausulado do regulamento e a indicação em apreço” e acrescenta que “a Comissão de acompanhamento tem realizado visitas aos Arraiais que possuem o apoio da CML/EGEAC no sentido de registarem o cumprimento do estipulado nas Condições/Regulamento dos Arraiais”.
Esta obrigação ganhou forma em dezembro de 2018, quando se começava a preparar a edição de 2019 das Festas de Lisboa e ainda antes de qualquer proibição relativa ao uso de plástico de utilização única entrar na legislação.
Com ou sem o apoio da EGEAC, não foi apenas o arraial do Grupo Desportivo da Mouraria a não disponibilizar copos reutilizáveis, tendo a mesma situação sido verificada em várias outras festas instaladas na cidade durante o mês de junho.
A Praça da Alegria e a Renovar a Mouraria adotaram o reutilizável
Nesta edição das Festas de Lisboa, houve lugar também aos bons exemplos em matéria de gestão de resíduos. Nos arraiais da Praça da Alegria e da associação Renovar a Mouraria, o copo reutilizável foi o único a marcar presença.

O arraial da freguesia de Santo António tem “uma característica muito diferente dos outros arraiais”, explica Filipa Mendes, responsável pelo departamento de ambiente urbano e sustentabilidade da junta de freguesia. Não têm o arraial integrado nos arraiais aos quais a EGEAC dá apoio e fazem “uma espécie de co-produção” com uma entidade parceira que “faz os contactos com as empresas que estão envolvidas”.
Não estando obrigado a cumprir com o regulamento da empresa municipal, para a junta de freguesia “foi quase uma obrigação, era importante haver isto”, diz a responsável, referindo-se à existência de um sistema de copos reutilizáveis no arraial.
“Sendo uma entidade pública, temos uma responsabilidade maior, mas não quer dizer que seja mais fácil”.
Neste arraial, houve copos reutilizáveis e foi aplicado um sistema de caução para o copo, incentivando a que este seja devolvido no final em troca do euro inicialmente entregue pelo utilizador. Tudo isto, conta Pedro Morais, responsável pelo departamento de cultura da freguesia, para assegurar que os copos não desapareciam.

A empresa fornecedora da cerveja ofereceu, à organização do arraial, copos personalizados para utilização no arraial. No total, em que também se incluíram copos sem personalização e cuja utilização terá de ser paga à empresa, foram entregues “garantidamente uns 30 mil copos”.
Por cada copo entregue, mediante pagamento de caução, era dada uma senha para permitir a posterior devolução do copo, que poderia acontecer em qualquer um dos vendedores do arraial, explica Pedro Morais.
Como incentivo para os vendedores presentes no arraial, os copos reutilizáveis, de utilização obrigatória, também foram cobrados a estes, para assegurar a cobrança da caução aos visitantes.
Apesar de algumas “dores de crescimento” iniciais, a experiência correu bem, garante o responsável. Esta foi a primeira vez que o arraial da freguesia de Santo António utilizou copos reutilizáveis, mas em 2024 o sistema vai repetir-se na Praça da Alegria.
Mais experiente na utilização de copos reutilizáveis tem a associação Renovar a Mouraria. Desde 2017 que no Largo da Rosa são utilizados copos reutilizáveis. Nos últimos anos, contaram com ilustrações de Hugo Henriques e Nuno Saraiva – estes últimos anos com o apoio da Mensagem.

Inês Andrade, programadora e gestora de projetos na associação, conta que para a edição deste ano do arraial, realizado entre 1 e 17 de junho, foram encomendados 10 mil copos. O investimento feito na aquisição dos copos, com um custo “inferior a um euro, compensa”, garante.
Na edição deste ano do arraial, porém, a devolução do copo não era possível. Ainda assim, foi possibilitada a compra de bebidas utilizando copos reutilizáveis trazidos de fora pelos visitantes deste arraial.
Que soluções para melhor lidar com o lixo e reciclar mais
A Sociedade Ponto Verde aconselha várias medidas para tornar os arraiais mais sustentáveis:
- Copos reutilizáveis e evitar a utilização (na medida do possível) de utensílios descartáveis
- Redução deve ser a primeira prioridade sempre
- Disponibilização de bebedouros públicos
- Para os resíduos recolhidos, assegurar que há contentores suficientes (na maioria dos casos é uma conjugação do tipo de contentores, com a capacidade dos mesmos e frequência de recolha) e eficaz.
- A comunicação/sensibilização não deve ser descurada, garantindo-se a adopção mais de pictogramas do que de texto quando estamos a falar de um público internacional. É no fundo fundamental termos uma adequada quantidade de ecopontos / contentores com a variedades necessárias para os tipos de resíduos e que os mesmo estejam com boa visibilidade e comunicação para Portugueses e estrangeiros.
Para Susana Fonseca, o sistema de copo reutilizável ideal está próximo do utilizado no arraial da Praça da Alegria, já que permite a devolução do copo – e a recuperação da caução, factor que deve ser utilizado como incentivo à devolução. O modelo que defende apresenta, contudo, algumas diferenças.
“Para festas e para bares, defendemos que sejam utilizados copos reutilizáveis que possam ser reutilizados em diferentes festas e não apenas numa”, diz, referindo-se a copos de utilização específica em dado estabelecimento ou evento, como acontece em alguns bares da cidade ou em festivais de música, em que “em que há um copo que até pode ser reutilizável e que tem um valor de depósito, mas que depois tem sempre a designação do ano ou do festival”, não abrindo a hipótese de este ser reutilizado noutros estabelecimentos ou eventos.

“A reutilização, para ter de facto um impacto positivo, implica que aquilo que foi produzido para ser reutilizado tenha um X número de utilizações para que o seu impacto seja inferior ao dos copos descartáveis, [já que a sua produção] normalmente implica mais material, porque é normalmente um copo mais robusto”, explica.
No que toca a soluções de materiais alternativos ao plástico descartável, como são o caso de materiais compostáveis, a madeira ou o papel, a investigadora considera que estes, por serem muitas vezes também de utilização única, “passam a mensagem errada. Ao dizerem que é compostável, biodegradável, parece que deixam de ter impacto, como se não houvesse problema em abandonar porque é tudo muito natural, mas não é”, esclarece.
Susana acredita que o caminho deve passar pela reutilização dos utensílios, quer em arraiais, quer nos bares.
No seu entender, um sistema de copos reutilizáveis eficiente deve poder ser devolvido no final, para que o copo regresse a um ciclo de utilização sustentável e que justifique os materiais utilizados na sua produção. “A pessoa reutiliza aquele copo e no final do evento devolve o copo, é-lhe devolvido o depósito e aquele copo é higienizado para voltar a ser utilizado por outras pessoas noutros eventos. Este é o sistema que temos de implementar para ter muito menos resíduos espalhados pela cidade na manhã seguinte”.
Na hora de colocar sistemas de reutilização de copos a funcionar, a representante da associação ZERO acredita no poder da regulamentação e da fiscalização, apontando como medidas a definir, num “regulamento municipal as condições do que pode ou não ser feito, do que pode ou não ser utilizado” e garantindo que “quando há incumprimento, tem de haver penalização”. A reutilização, diz, é algo que pode “entrar nos hábitos das pessoas, passando a ser natural”.

“Quanto mais reutilização houver, menos serão os resíduos com os quais o município terá de lidar”. Sempre que houve implementação deste tipo de sistema, houve lugar a “uma redução muito grande do lixo que é espalhado na cidade”.
Um copo único, que possa ser recolhido, utilizado e entregue em estabelecimentos e eventos de toda a cidade seria uma proposta a considerar, afirma.
Para já por concretizar, a Câmara Municipal de Lisboa sinaliza, à Mensagem, o “objetivo de pôr termo à utilização, no espaço público, de copos de plástico [descartável]”.

Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
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