De manhã cedo ou ao fim da tarde, a luz, o rio aos pés e Lisboa toda do outro lado fazem esquecer os avisos de Perigo de Derrocada e encurtam o quilómetro de cais que vai do “Farol”, em Cacilhas, ao “Ponto Final”, lá ao fundo. Com o “Atira-te ao Rio”, são os três restaurantes que restam no Cais do Ginjal e as razões de maior peso para este ainda não ter sido interditado pela Câmara Municipal de Almada (CMA).
Deles dependem muitos postos de trabalho. É lá que páram as centenas de pessoas, portuguesas e estrangeiras, que todos os dias, com enchente aos fins de semana, percorrem o cais, em busca da luz, do rio aos pés e de Lisboa toda do outro lado.
O Cais do Ginjal está em ruínas. Há décadas.
Ao longo dos anos, vários projetos foram anunciados para a sua reabilitação. Em 2008 foi, finalmente, deliberada, pela CMA, a elaboração do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, que viria a ser aprovado 12 anos depois, em 2020. Prevê a construção de um hotel com 160 quartos, cerca de 300 casas, comércio, serviços, equipamentos culturais e sociais e um silo automóvel para 500 carros numa área bruta de construção de 90.000 m2.
Três anos depois, nada.

Quase ninguém parece querer falar sobre isso.
“Não sei nada”. “Não tenho opinião”, disse a dona do Ponto Final, escusando-se a esclarecer sobre a propriedade do espaço que explora.
“Não posso deixá-la entrar, desculpe, não tenho nada a dizer”, repete a organizadora dos bailes no segundo piso do velho Floresta do Ginjal nas matinés de quinta-feira e domingo, onde pessoas mais velhas dançam ao som de música popular. Sublinha apenas que o espaço é de um proprietário único e que dali ninguém os tira.
“Não sou daqui, estou só de passagem, os que ocupam isto agora não estão”, diz o homem à porta de um armazém-oficina onde se guarda material de pesca.
Uma porta aberta
Quase a chegar ao fim do cais, já o sol a descer, uma porta aberta. “Estou a curtir enquanto deixarem”, diz Fati, recostado para trás, a fumar um cigarro e a beber um copo de vinho na penumbra da cozinha-sala-quarto separada por uma cortina do resto do armazém, onde a música africana ecoa e uma imensa banca de velharias se abre a quem passa pelo nº 62/64 da Rua do Ginjal.
Aqui era o Clube Náutico de Almada e na origem foi um dos armazéns da família Teotónio Pereira, que desde o século XIX teve no Cais do Ginjal a logística do seu negócio de vinho e azeite.

Cheira a taberna quando se entra, mas não é certo que o cheiro venha dos tempos em que aqui se armazenavam barris de vinho. À entrada, Bob Marley dá as boas-vindas num poster gigante, espécie de altar ao espírito rastafari, peace & love, e boémia ininterrupta.
Quem entra fica o tempo que quiser, a festejar o que quer que seja.
Agora é a casa de Fati, que também é You ou Yasser – “Estás a ver o Yasser Arafat? O meu nome é Yasser”. E é casa aberta. Ao Abel, ao Schneider, à Aisha, ao Tupac, ao Zeca. À jornalista que ainda antes de dizer ao que vinha foi convidada a sentar-se à mesa e a beber um copo.
“Têm casa, mas preferem estar aqui”, gaba-se Fati, que aproveitou a experiência em remodelações para fazer arranjos no antigo armazém abandonado e fez dele comuna, onde festa é palavra de ordem. Carpe diem.
“Há pouco tempo vieram cá uns engenheiros com notificação de perigo de derrocada, mas tenho autorização dos proprietários para estar aqui. Deixam-nos estar, mas se acontecer alguma coisa a responsabilidade é nossa. É justo”, diz Fati.
Fati nasceu em Cabo Verde, mas cresceu na Amadora. Sempre trabalhou na área da construção, a remodelar casas e quando chegou a pandemia estava a trabalhar na Margem Sul.
“Foi assim que isto começou, com o coronavírus. Comecei a trabalhar deste lado, em obras de remodelação e não podia ir para a outra margem porque recusei a vacina. Então, encontrei aqui o meu espaço. As coisas que as pessoas deitavam fora eu recolhia. Fui eu que carreguei tudo o que aqui está às costas”, diz.


Uma luz que nunca se apaga
Fati não é o único a ocupar os armazéns, as antigas fábricas, os velhos estaleiros ou os edifícios em ruínas – alguns dos quais já sem memória do que foram – que se estendem ao longo do Cais do Ginjal, de Cacilhas à Boca do Vento, com Ponto Final no restaurante cujo nome não foi dado ao acaso, mas porque é ali, depois daquela curva, que o cais termina.
Por detrás daquelas paredes que ameaçam cair, agora não apenas na aparência, mas nos avisos colocados de x em x metros – Perigo de Derrocada – há gente a viver, há aprestos de pescadores, omnipresentes no cais, há eventos culturais, a maioria clandestinos – concertos, projeção de filmes, exposições de arte, festas.

A 27 de abril deste ano, foram afixados, pelo Grupo AFA, nas portas dos edifícios devolutos do Cais do Ginjal, dos quais é proprietário, avisos para a desocupação imediata e obrigatória dos mesmos, conforme notificação do serviço de Proteção Civil da Câmara Municipal de Almada.
A desocupação de “pessoas e bens” deveria acontecer num prazo máximo de oito dias, “por forma a que possa ser dado cumprimento à notificação da Câmara Municipal de Almada e realizadas as obras necessárias à manutenção das condições de segurança”.
No mesmo aviso, a AFAINVESTE – IMOBILIÁRIA SA e a TEJAL – EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LDA informam que “não se responsabilizam por quaisquer danos que possam ser causados a pessoas e bens que se localizem nos imóveis”.
A meio de junho, os avisos continuavam afixados, os edifícios continuavam ocupados, mais ou menos clandestinamente, e o Cais do Ginjal – cuja luz, da manhã ou da tarde, faz esquecer tudo – continuava com a sua vida.
Memórias do Ginjal
Uma vida que começou nos anos 1860, com a construção do cais pelos particulares a quem a Câmara Municipal de Almada aforou os terrenos ribeirinhos, de Cacilhas à Boca do Vento, de que era reconhecida proprietária por carta real, para que ali desenvolvessem os seus negócios.

Entre os foreiros estava a família Teotónio Pereira, que já ali tinha armazéns de vinho e que foi fundamental na construção do cais, onde laborou por mais de cem anos e onde construiu casa.
Luís Teotónio Pereira, pai do arquiteto Nuno Teotónio Pereira (cujo centenário se celebrou este ano e é uma pena não estar vivo, por todas as razões e mais uma: a de poder ser ele a conceber a requalificação, reabilitação e revitalização do Cais do Ginjal), viria a ser, aliás, presidente da Câmara Municipal de Almada entre 1942 e 1946.
Até aos anos 1960, o Cais do Ginjal fervilhou de vida, como bem documenta o livro Memórias do Ginjal, coordenado por Elizabete Gonçalves e editado pelo Centro de Arqueologia de Almada.

Do abastecimento de água a navios aos armazéns de vinho e azeite ou ao estaleiro naval da Parry & Son, que ali se estabeleceu em 1860 e lá ficou até 1938, passando por fábricas de cortiça, tanoarias, uma destilaria, uma tinturaria, uma latoaria, uma fábrica de extração de estanho, o Cais do Ginjal foi um importante polo comercial, industrial e económico de Almada.
Nos anos 1940 dominaram as atividades ligadas à pesca, nomeadamente a do bacalhau: ali se instalou uma fábrica de óleo de fígado de bacalhau, a Cooperativa dos Armadores da Pesca do Bacalhau, onde chegaram a trabalhar cerca de 600 pessoas, fábricas de conservas, entre as quais se destacava a La Paloma, destruída por um incêndio em 1955, fábricas de gelo e armazéns frigoríficos, oficinas de reparação naval e fábricas de redes, além de empresas de abastecimento de navios.

Tanta gente e movimento atraíam mais gente e movimento.
As tascas e tabernas, onde se cantava o fado, bebia vinho e petiscava ostras, a começar no Farol e a acabar no Ponto Final, com destaque para a tasca da D. Emília e do Luís dos Galos, no Corredor que dá para o Pátio do Ginjal, onde vivia muita gente, “civilizaram-se” ou definharam com a concorrência de restaurantes como a Estrela do Ginjal, o Gonçalves, O Grande Elias, o Abrantino ou a Floresta do Ginjal, onde o peixe e a caldeirada eram estrelas e atraíam muita gente de fora para o almoço de domingo e as vistas de Lisboa.
A partir dos anos 1970, o impacto da construção da Ponte 25 de Abril, que levou à substituição do transporte fluvial de mercadorias entre as duas margens do Tejo pelo rodoviário, ditou o declínio das atividades económicas do Cais do Ginjal e o progressivo abandono dos edifícios, conclui-se em Memórias do Ginjal.
Cinquenta anos de abandono que podem estar a chegar ao fim. Para o bem, pensam uns, ou para o mal, temem outros.

Uma questão de propriedade
Em novembro de 2020, a notícia fez parangonas: estava para breve a reabilitação total do Cais do Ginjal. O Plano de Pormenor tinha sido aprovado pela Câmara Municipal de Almada e anunciava-se um investimento de 300 milhões de euros, quase todo privado, da AFA, grupo madeirense de construção e imobiliário, proprietário de cerca de 90 % dos terrenos e edifícios do Cais do Ginjal, que foi adquirindo ao longo dos anos, entre o fim da década de 1990 e o início da de 2000, para uma obra que duraria cerca de 10 anos e incluiria um hotel com 160 quartos, cerca de 300 habitações, comércio, serviços, equipamentos culturais e sociais e um silo automóvel para 500 carros numa área bruta de construção de 90.000 m2.
OS OBJETIVOS DO PLANO DE PORMENOR DO CAIS DO GINJAL
A área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal integra uma área de cerca de 8,04 hectares, limitada, a Norte pelo Rio Tejo, a Sul pela Arriba e Quinta do Almaraz, a Poente pelo Jardim do Rio e Núcleo Histórico de Olho-de-Boi e a Nascente pelo Largo Alfredo Dinis, em Cacilhas.
Esta parte pode parecer chata, mas é muito importante. O Plano de Pormenor define como objetivos principais:

a) A requalificação, recuperação e revitalização do Cais do Ginjal, assente na manutenção do caráter e das particularidades espaciais existentes, nomeadamente as proporções volumétricas da primeira linha de fachada, preservando a sua memória histórica e a sua lógica construtiva, privilegiando a recuperação dos edifícios da frente ribeirinha e favorecendo o usufruto do rio pela população;
b) A estabilização sustentável da arriba, mantendo o espaço o mais naturalizado possível, de modo a permitir a conciliação dos valores ecológicos em presença com as potencialidades paisagísticas, desenvolvendo uma malha urbana que tenha em conta a topografia e que garanta as condições adequadas de estabilidade do terreno, a segurança das pessoas e bens e as acessibilidades ao local;
c) A promoção de fatores de dinamização cultural, patrimonial e turística, potenciando o caráter único e a identidade do local ao preservar e valorizar as especificidades patrimoniais, naturais e paisagísticas, com o desenvolvimento racional e sustentável de atividades turísticas e de recreio e lazer;
d) A criação de condições favoráveis à atração de «Indústrias Criativas» incentivando a sua implementação como uso dinamizador associado à Habitação, Comércio/Serviços/Indústria Compatível e Estabelecimentos Turísticos, a par da concretização de Espaços Públicos e Equipamentos.
A aprovação do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal foi o culminar de um processo iniciado em 2008, pela anterior gestão da Câmara Municipal de Almada, com o Grupo AFA. Em fevereiro 2018, foi apresentado no Fórum Romeu Correia, em Almada, o projeto do arquiteto Samuel Torres de Carvalho, que estava em consulta pública e foi dado a conhecer à população de Almada, numa exposição que ficou patente durante um mês.
O arquiteto sublinhou, na inauguração da mesma, o alargamento do espaço público e a garantia da sustentabilidade da vivência do Cais do Ginjal, cujo Plano de Pormenor tinha sido concebido para que toda a população, e não só os que lá viessem a habitar e trabalhar, pudesse apropriar-se daquele espaço.

Três anos passaram e nada aconteceu, a não ser o aprofundamento da degradação do cais e dos seus edifícios. Procurámos respostas junto do Grupo AFA, que as deu por escrito, esclarecendo que “a execução [do Plano de Pormenor] encontra-se suspensa por constrangimentos de natureza jurídica e técnica”.
A saber: “a Agência Portuguesa do Ambiente levantou a questão da titularidade dos prédios do Grupo AFA localizados em área abrangida pelo domínio público marítimo pertencente ao Estado, o que despoletou a necessidade do Grupo AFA recorrer aos tribunais comuns para obter o reconhecimento da propriedade privada sobre os imóveis em causa, sem o qual não poderá prosseguir com a execução do Plano. O Grupo AFA encontra-se a aguardar a decisão do Tribunal da Relação competente, na sequência da apresentação de recurso pelo Ministério Público”.
Por esta razão, não é possível à empresa estimar uma data para o início das obras. No entanto, adianta que “mantém a expectativa de que a implementação do Plano Pormenor possa concretizar-se com a máxima celeridade e os constrangimentos que, nesta data, impedem a sua execução, possam vir a ser definitivamente ultrapassados”.
Uma vez que foi a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que levantou a questão da titularidade dos terrenos e edifícios ribeirinhos, procurámos saber junto desta o que acontecerá aos prédios que seriam domínio público marítimo, a quem cabe então a preservação, reabilitação e manutenção da segurança daquela zona e que solução preconiza para o Cais do Ginjal.
Depois de muita insistência, fonte da Agência garantiu uma resposta por e-mail, que um mês depois continuava por chegar, adiantando que a APA não é autora do processo, que o recurso foi interposto pelo Ministério Público e que a agência não tem, portanto, nada a declarar sobre o Cais do Ginjal.
Inês de Medeiros, presidente da Câmara Municipal de Almada, tem um entendimento diferente e manifesta o seu desagrado perante o impasse criado, que está a atrasar uma obra que a autarca considera fundamental para o município que dirige.

“O Plano de Pormenor do Cais do Ginjal foi aprovado em 2020 e estávamos todos muito entusiasmados para passar à fase seguinte – os contratos de urbanização, os loteamentos e a operacionalização do Plano, até porque este envolve alguns projetos que são estruturantes, nomeadamente a criação de dois equipamentos municipais – quando fomos confrontados com a necessidade de fazer um reconhecimento da titularidade de uma parte dos terrenos e edifícios”, explica Inês de Medeiros.
“Houve uma primeira sentença, ainda que parcial, favorável ao Grupo AFA, mas que nos permitiria avançar alguma coisa, e somos novamente surpreendidos com um pedido de recurso que nos parece absurdo”, diz a presidente da CMA, que vê nesta situação “uma guerra administrativa sem qualquer propósito de que a autarquia está refém”.
“Temos estado muito pacientemente à espera e a razão pela qual estamos a falar disto é porque consideramos que é o interesse público que está a ser prejudicado neste caso. Acho muito bem que se respeite o direito de acesso à água e salvaguarde o domínio público hídrico. A CMA é absolutamente a favor de todas as leis e regulamentos que salvaguardem o interesse público, a nossa interrogação neste momento é onde é que este está”, diz Inês de Medeiros, secundada pelo seu Diretor Municipal de Desenvolvimento Urbano, o arquiteto Paulo Pais, que duvida que as pretensões da Agência Portuguesa do Ambiente sejam atendidas.
Paulo Pais explica que o Cais do Ginjal tem uma “utilização privada comprovada desde antes da Lei da Água, que é de 1864 e que, estabelendo como domínio público hídrico, neste caso marítimo, porque é estuário, todos os terrenos 50 metros da margem para dentro, reconhecia à data da sua criação que dentro desta linha havia já propriedade privada e esta devia ser respeitada.”
Perante o impasse criado e dada a degradação do Cais do Ginjal, a presidente da CMA põe a hipótese de o interditar por razões de segurança. “Ao fazê-lo não só são os restaurantes que sofrem, é a própria cidade e a sua população, porque aquele é um espaço emblemático de Almada. Mas alguém vai ter de fazer as obras, seja o privado, seja o Estado. A CMA é que não pode fazê-las”, diz.
“Os anos passam e a situação vai-se agravando. Não só temos um problema com o cais como com a própria arriba, cuja consolidação estava prevista no Plano de Pormenor, que inclui uma série de medidas de mitigação. Tudo isto está bloqueado por uma querela de propriedade quanto a mim incompreensível”, diz a presidente da CMA.

Cais do Ginjal, território de quantos?
Incompreensível é para Luís, mecânico de profissão e pescador nas horas vagas, almadense nascido, criado e morador em Cacilhas, que desde miúdo, ele, que já passou dos 50, veja o Cais do Ginjal a degradar-se sem que alguém faça seja o que for.
“Temos aqui um diamante em bruto, por lapidar, e eles nem sequer se deram ao trabalho de passar só uma escovinha para se perceber que é uma pedra preciosa. Estamos ao abandono, isto está tudo a cair, não vê? Qualquer dia há aqui uma tragédia”, vaticina o pescador, que desde pequeno ouve falar em obras no cais.
“Isso já não é para o meu tempo, talvez aqueles que nasceram depois de 2010 vejam alguma coisa, agora a gente já não vai ver nada disso, é só utopias. Mas como é que querem construir aqui não sei quantas casas se Almada só tem uma entrada e uma saída, que é a rotunda do Centro-Sul para a ponte 25 de Abril?”, questiona Luís, abanando a cabeça. “Não vai acontecer nada, não pode acontecer nada”.



Mas há um Plano de Pormenor aprovado… A cabeça continua a abanar e ele de um lado para o outro a arrumar os apetrechos da pesca enquanto fala.
“Não acredito em nada disso, nem as frentes nem as fachadas se vão recuperar. Eles perderam tempo de mais e as fachadas estão podres e a cair. Eu nem sei como é que a Proteção Civil não interdita isto, é de uma negligência que só visto. Isto só deitando abaixo e construindo de novo”, diz o pescador, sugerindo que se olhe para o lado de lá.
“Está mesmo aqui em frente, é ver o que se fez bem e o que se fez mal, aprender com os erros dos outros e avançar. Isto tem potencial para tudo, podia fazer-se uma marina, um passeio magnífico, sei lá eu”, diz Luís, que duvida que o Cais do Ginjal continue a ser território de muitos.
“Se isto ficar na mão dos privados e da especulação imobiliária, fecham daqui, fecham dali e quando vamos ver já não há hipótese. Fica para meia dúzia. Eu cá expropriava tudo”.
Fati não está na mesma onda de Luís, mas partilha as preocupações. “O que eles querem fazer aqui é capitalismo, é lucrar o máximo que puderem. Eles vão investir milhões, negócio é assim que se faz, mas devia ser como é agora, o pessoal vem, passa, usufrui daquilo que é de todos. A partir do momento em que é dos capitalistas, já não de todos, é só para alguns”, diz Fati, à mesa do espaço onde criou uma comunidade.
“Isto é um ponto de encontro. Não interessa o que tens ou o que não tens, és bem-vindo ao Gira Ginjal”, anuncia o cabo-verdiano, que leva a reportagem aos terrenos onde tem uma horta e uma soberba vista para o Tejo e a outra margem dele.
É de lá que tira parte da comida servida àquela mesa. E é no terraço abaixo, ao ar livre, contíguo ao armazém, que acontecem as festas noite dentro.



“Aqui acontece tudo e mais um pouco”, diz Fati, que já teve no seu espaço artistas plásticos a pintar ao vivo ou uma banda belga a viver três dias e a dar concertos.
“Isto é uma residência artística, um lugar cultural mesmo, batucadas à noite, música ao vivo, dança, teatro, convívio, isso é cultura, e nós aproveitamos enquanto não entra o capitalismo, porque quando entrar o capitalismo, acabou”.
Festas clandestinas e eventos culturais
É o que pensam os dois jovens e a mulher, que preferem ficar sem nome nem rosto que dizem fazer parte de um coletivo artístico que encontrou noutro armazém abandonado e de difícil acesso o lugar perfeito para criar eventos culturais e festas clandestinas.
Também veem nos planos para o Cais do Ginjal a ameaça da gentrificação que expulsará a população de Almada deste território para o entregar a turistas e a uma elite de muito ricos, de investidores e de especuladores imobiliários.
Esta vista assim o dita.
G., que é de Almada e desde miúdo vai para o Ginjal explorar, encontrou, há três anos, um armazém desocupado, de difícil acesso, meio escondido. Músico, ele e os amigos, que tinham sempre ideias “de fazer cenas, organizar festas, projetar filmes, fazer concertos”, pensaram que, apesar da dificuldade de acesso, aquele podia ser um bom spot.
Mãos à obra, fartaram-se de trabalhar, reabilitaram o espaço, construíram escadas, taparam buracos, procurando tornar o espaço mais seguro, e começaram a organizar eventos clandestinos.
“Foi sempre crescendo desde então. A receção foi excecional. Há sempre demasiadas pessoas interessadas. Na minha opinião, que é parcial, porque faço parte da organização, é das propostas culturais mais interessantes que Almada teve nos últimos anos”, diz G.
Não só, mas também por isso, interessa a G. e aos outros integrantes do coletivo o que vai ser do Cais do Ginjal.
“Faz-me confusão que tanto o Ginjal como a Lisnave sejam completamente tomados por interesses privados. São dois espaços gigantes de Almada e acho muito esquisito que depois de décadas deixados ao abandono cheguem uns tipos que compram e esquece lá tudo o que havia, é deitar abaixo e construir de novo. Toda a história e cultura ali contidas são terraplanadas para fazer uma cena nova e moderna e gerar capital”, diz G.
“Como é que a CMA não lutou para que o interesse público e do povo de Almada fosse salvaguardado e tido em conta na decisão do que vai ser o Cais do Ginjal e como vai ser utilizado?”, pergunta.

Para G. devia ser um território comunitário, com habitação acessível e espaços culturais e artísticos, que desse a Almada a oferta cultural contemporânea que lhe falta.
E duvida da coabitação: “Se isto for gentrificado, não sei como é se vai coadunar com o movimento cultural local. Tens um restaurante muito caro e depois uma associação cultural ou um coletivo artístico a desenvolver trabalho e a criar? Não estou a ver…”
C., com idade para ser mãe de G., também não está a ver, e lembra-se de quando tinha a idade dele, no fim dos anos 1980, início de 1990.
“Na minha geração, o que queríamos fazer do Ginjal era um quarteirão das artes, mas não nos apropriávamos do espaço como eles agora estão a fazer, ficávamos nos pontões, a tocar guitarra e a fazer a nossa cena. A geração deles tem uma onda muito mais interventiva e isso fascina-me, as preocupações culturais e sociais destes miúdos. Acho que a geração deles está aí a voltar com ideias e vontade e preocupações às quais é importante dar espaço. É por isso que estou com eles”, diz.
V., o outro membro do coletivo, esteve a analisar o Plano de Pormenor do Cais do Ginjal e como os companheiros de coletivo não vê margem de manobra. “Refere-se o passeio como de uso público, mas a ideia de passear ao longo do rio é a ideia dos turistas, que, na verdade, já acontece. Há imensos turistas que passam ali todos os dias e não fazem ideia da vida toda que existe por detrás dos muros. A partir do momento em que for o oposto, em que só houver cenas para quem pode, não vai haver espaço para quem quer”, diz o músico.
“Não vejo possibilidade de conciliação entre o plano que existe e uma ideia de comunidade, que é o que nos interessa”.
A resposta de Inês de Medeiros: “Qualquer coisa é melhor do que o que lá está”
A pergunta de um milhão de dólares é como se faz isso? Como se concilia interesse privado e público num lugar tão desejado e privilegiado? Como se evita a total gentrificação de um lugar com o potencial turístico e imobiliário do Cais do Ginjal?

A presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros, assegura que o interesse público e a preservação da memória do que foi aquele território são preocupações plasmadas no Plano de Pormenor.
“Se o plano previsse a construção de edifícios em altura ou de um condomínio privado à beira-rio, como já vimos no passado, havia razões para preocupação, mas não é o caso”, garante.
O plano prevê “a reabilitação da primeira linha, recuperando a ideia de comércio/habitação, a criação de uma via pública, com trânsito condicionado, entre esta e a segunda linha, onde a construção será em escadinha, com as coberturas verdes, tudo muito orgânico, e nunca subindo acima da arriba”, diz Inês de Medeiros, que vê na reabilitação e requalificação do Cais do Ginjal a devolução deste à cidade de Almada e não o contrário.

“Qualquer coisa é melhor do que o que lá está, que não é para ninguém”, considera a autarca.
A obra vai estabilizar a arriba e também alargar o cais. “Estão previstas uma série de medidas de mitigação que vão aumentar o espaço público em segurança”, diz a presidente da CMA, que considera que o atraso no início da obra é que poderá pôr em risco a execução do Plano de Pormenor, segundo os princípios que nortearam a sua elaboração.
“Arriscamos perder a memória daqueles edifícios, porque, volto a dizer, o plano prevê a sua reabilitação. Se o estado de degradação continuar, pode chegar ao ponto em que não são reabilitáveis e, portanto, está em causa tudo o que de bom podemos esperar para ali, que é a reabilitação dos edifícios e um usufruto maior das populações”, alerta.
Um flash do futuro
Entre os edifícios degradados, há um que já foi reabilitado e que é uma pequena janela para o futuro. Propriedade da TLC Home, empresa portuguesa de decoração e mobiliário, foi totalmente remodelado durante a pandemia e transformado numa casa, com dois pisos, jardim interior e terraço e hoje serve de showroom da marca, em parceria com a Sal Concept Store, que a representa e faz a curadoria do espaço através da sua responsável, a designer Sandra Nascimento.


“Isto era um antigo armazém de barcos que foi comprado há uns anos, em leilão, pela família proprietária da TLC Home. Na altura da covid fizeram aqui uma excelente obra de recuperação e agora, há cerca de dois meses, resolvemos abrir o espaço. Posso dizer que as pessoas entram aqui e ficam de queixo caído. É um oásis no meio desta degradação toda”, diz Sandra, para quem é obviamente urgente uma intervenção neste território.
Embora os seus clientes sejam sobretudo estrangeiros que acabaram de comprar casa em Portugal e procuram soluções de decoração, a designer também advoga uma solução de equilíbrio.
“Faz dó um lugar destes, tão bonito, estar assim aos caídos, mas que se faça alguma coisa com cabeça, tronco e membros e não uma coisa estapafúrdia e totalmente desenquadrada”, diz Sandra, que é de Lisboa e nunca pensou que passasse tanta gente todos os dias no Cais do Ginjal.
“Deve estar nos guias de todo o mundo. Mais uma razão para que se revitalize isto. A melhor vista de Lisboa é aqui e é uma pena estar ao abandono”, diz.
Que Sandra saiba, não houve quaisquer contactos entre a AFA e os proprietários do nº 19/20 da Rua do Ginjal sobre as futuras obras, mas a AFA garante que serão preservados “os prédios da titularidade de outros privados, cuja solução urbanística se encontra devidamente preconizada nas peças que constituem o Plano de Pormenor”.


O portefólio do Grupo AFA pode dar também um flash do futuro. Com três empreendimentos em fase de conclusão na ilha da Madeira, um deles construído a partir da reconversão de uma antiga fábrica da Companhia Insular de Moinhos que estava ao abandono há décadas, a empresa de construção e imobiliário aposta no mercado de luxo, com casas à venda entre o meio milhão e os três milhões de euros.
De acordo com a revista Visão, que adianta que parte do investimento no Insular foi destinado à requalificação do espaço público e zona histórica e que houve preocupação em manter a memória do lugar, grande parte dos apartamentos já foram vendidos, a maioria a estrangeiros.
Já no Programa de Execução das Ações Previstas do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal (PEAPPPCG), lê-se, no capítulo da avaliação do plano, que, de acordo com o RJIGT (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), o PPCG deve definir um conjunto de indicadores qualitativos e quantitativos que permitam uma “permanente avaliação da adequação e concretização da disciplina consagrada no plano”. Só essa avaliação poderá suportar uma decisão de alteração do plano no futuro ou dos seus mecanismos de execução, que se enquadrem nos seguintes objetivos:
▪ Assegurar a concretização dos fins do plano, tanto ao nível da sua execução como dos seus objetivos a médio e longo prazo;
▪ Garantir a criação ou alteração coordenada das infraestruturas e dos equipamentos;
▪ Corrigir distorções de oferta no mercado imobiliário;
▪ Garantir a oferta de terrenos e lotes destinados a edificações, com rendas ou custos controlados;
▪ Promover a melhoria da qualidade de vida e a defesa dos valores ambientais e paisagísticos.
Perguntámos ao Grupo AFA e à CMA como seria garantida a correção de distorções no mercado imobiliário e sobretudo a oferta de terrenos e lotes destinados a edificações com rendas ou custos controlados.
Enquanto o primeiro responde que “os objetivos do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal estão devidamente consagrados em sede de Regulamento e Relatório que [o] integram e constituem” e que a avaliação do plano, constante do PEAPPPCG “consagra meros indicadores que deverão ser observados numa eventual futura alteração do Plano”, a segunda esclarece que essa será “uma questão que será aferida em sede de contrato de urbanização, a celebrar entre a CMA e os particulares/promotores”.
Mais carros no novo Gingal?
Com cerca de metade da área destinada a habitação (entre 32 e 44.000 m2) e a outra metade dividida entre comércio e serviços (12 a 24.000 m2), turismo (10.000 m2) e equipamento cultural (12 000 m2), o novo Cais do Ginjal contará ainda com um silo automóvel para 500 carros.
A estrada entre a primeira e a segunda linha de edifícios terá 4 metros de largura e trânsito condicionado, que fará, a poente, uma ligação ao Jardim do Rio, compatibilizando-se, garante a CMA com o espaço existente. “Manter-se-á naturalmente o elevador da Boca do Vento e preconiza-se deste modo um acesso restrito, o qual servirá essencialmente em situações de emergência e de natureza técnica, como seja o caso da recolha de resíduos, proteção civil, manutenção dos equipamentos e espaços públicos”, esclarece o arquiteto Paulo Pais.
O silo de estacionamento materializar-se-á “em parcela privada, sendo coroado nos pisos superiores pelo equipamento a afetar designado no plano como ‘Centro Cívico’. A área a afetar a equipamento municipal corresponderá no essencial à área atualmente ocupada pela Casa da Juventude e pelo Centro Paroquial de Cacilhas. Este equipamento será uma fração autónoma, dado ocupar apenas parte do lote, o qual albergará nos restantes pisos (inferiores) o silo de estacionamento automóvel”.
500 carros não são demasiados carros? Inês de Medeiros considera que não e explica que funcionará como elevador para a parte de cima de Almada. “Este projeto tem a vantagem de fazer a ligação entre a parte de baixo e a parte de cima da cidade”, diz.
No âmbito da operacionalização do plano, está previsto que a Casa da Juventude seja relocalizada para um edifício a reabilitar na Quinta do Almaraz, assim como o Centro Paroquial de Cacilhas, num edifício novo a construir para o efeito.
Para isso, a propriedade da Casa da Juventude (Ponto de Encontro) e do Centro Paroquial de Cacilhas mudará de mãos: da CMA para o Grupo AFA. “A questão da transposição das parcelas refere-se à necessidade de previamente ter de haver uma permuta a considerar no respetivo contrato de urbanização, em que os atuais proprietários efetuarão a transmissão dos seus imóveis aos proprietários futuros, obtendo posteriormente como compensação a construção de novos equipamentos”, esclarece o Diretor Municipal de Desenvolvimento Urbano.

Quanto aos ocupantes dos edifícios ainda devolutos – não se sabe quantos são – ficarão por sua conta quando as máquinas entrarem.
A CMA declina responsabilidades de realojamento, uma vez que os terrenos e edifícios são propriedade privada, e a AFA esclarece que “todas as ações já implementadas e a implementar quanto às ocupações ilícitas dos nossos edifícios estão a ter o acompanhamento das entidades competentes para o efeito, não tendo, o Grupo AFA qualquer legitimidade ou responsabilidade no que concerne à adoção de medidas de realojamento destas pessoas”.
Resta então “curtir enquanto deixarem”, como Fati, e esperar pelo futuro do Cais do Ginjal. Mas o que será o Cais do Ginjal não depende só da CMA e da AFA. Depende também dos almadenses e dos lisboetas. Da sua vontade de se apropriarem dele, da luz, do rio aos pés e de Lisboa toda do outro lado.

Catarina Pires
É jornalista e mãe do João e da Rita. Nasceu há 49 anos, no Chiado, no Hospital Ordem Terceira, e considera uma injustiça que os pais a tenham arrancado daquele que, tem a certeza, é o seu território, para a criarem em Paço de Arcos, terra que, a bem da verdade, adora, sobretudo por causa do rio a chegar ao mar mesmo à porta de casa. Aos 30, a injustiça foi temporariamente corrigida – viveu no Bairro Alto –, mas a vida – e os preços das casas – levaram-na de novo, desta vez para a outra margem. De Almada, sempre uma nesga de Lisboa, o vértice central (se é que tal coisa existe) do seu triângulo afetivo-geográfico.

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sonhamos um ginjal do povo, não um condomínio de luxo para os super ricos, para turistas e para negócios descaracterizados. já estamos a ser corridos para fora do concelho, nem quero imaginar o desastre social e económico que esta brincadeira megalómana vai representar.
Venho agradecer ao jornalismo independente o tipo de trabalho na “A Mensagem”, neste tema em particular, acho que, se a presidente da câmara fosse mais integra, convocaria uma assembleia municipal ou de freguesia, para com a população, debater este assunto e ouvir o povo. Outra solução, seria os interessados e moradores da freguesia e em Almada, convocarem um encontro no cais e encontrarem ideias para propor na assembleia municipal ou ainda a criação de uma associa para reuniões periódicas, para em comunidade encontrarem as melhores soluções para todos.
Um breve comentário sobre a matéria “Cais do Ginjal”.Sou brasileira estou cá há três anos e cinco meses . Quero dar os parabéns a senhora jornalista Catarina Pires pela excelente matéria Pena que as pessoas não tenham amor para dar uma boa solução ao descaso que por ali habita. A culpa é sim dos governantes e não das pessoas que por ali habitam. Amo Portugal e Almada que me acolheu com carinho. Sem mais delongas mais uma vez parabéns e muito sucesso. Grande abraço.
Muitos parabéns à jornalista Catarina Pires pelo artigo e investigação. Desde a aprovação do Plano de Pormenor, há quase 3 anos, que não se sabe de praticamente nada. Muito obrigado por um artigo tão completo, com pés e cabeça.
O que vai acontecer ao Ginjal é o que está a acontecer um pouco por toda a zona a zona ribeirinha a sul do Tejo, a exemplo de Lisboa e outras zonas do país.
É uma situação que se se arrasta há muitos anos, e não sei se terá fim.
Há casas habitadas na zona do Olho de Boi, além do museu municipal, o elevador e o Jardim do Rio.
As acessibilidades ao local são limitadas à estrada que desce de Almada (junto ao elevador) e por Cacilhas, junto ao rio (cais velhos) A questão que se coloca, é a seguinte: com tanta movimentação (situação hipotética – construção, lazer, habitação), como será em caso de emergência? Suportará tal movimento diário de pessoas e viaturas?
E esses restaurantes que existem, tão “instagramáveis”, continuaram a existir? Ficaram com o único acesso restringido?
E o Jardim do Rio, como ficará no meio disto tudo? Dá a impressão que os empreendimentos privados já têm o seu “parque de diversões” a custo zero.
A zona de Cacilhas/Cova da Piedade, onde está a Lisnave, também estará com uma situação semelhante, com projetos imobiliários.
Sinto que está tudo a saque e que está tudo a tornar-se um parque de diversões para ricos, nacionais ou estrangeiros.
Frequento o Ponto de Encontro por motivos profissionais e não sabia que ia ser demolido para no seu lugar ser construído um enorme parque de estacionamento. Perguntei a diversos trabalhadores da CMA, desde a manutenção até ao técnico superior, se conheciam os planos e nenhum fazia a menor ideia. Assim vão as consultas públicas…
Excelente artigo: esclarecedor, abrangente e bem escrito.
Infelizmente, o conhecimento público dos problemas não leva as “autoridades” a apressarem-se na sua solução…