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Um tribunal verdadeiro, com um juiz verdadeiro, onde se representa o Julgamento de Hamlet, herói de Shakespeare. As personagens e testemunhas são alunos de Literatura de uma turma do ensino secundário da cidade de Vilnius, na Lituânia. E os estudantes estavam extasiados, conta Unė Kaunaitė, diretora da EDU Vilnius, o organismo municipal que tem como missão melhorar a qualidade da educação da cidade e que é responsável pelo projeto “Vilnius é uma escola”.
“Estavam mesmo empenhados e envolvidos e perceberam a peça de uma forma muito mais profunda porque a protagonizaram num verdadeiro tribunal”, diz Unė. O objetivo é motivar os alunos tornando o processo de aprendizagem mais interessante e participativo e foi com este projeto que a cidade de Vilnius se candidatou ao Bloomberg Philanthropies’ Mayors Challenge há um ano, tendo ganho o financiamento de um milhão de euros.

Vilnius é uma escola gigante: 10% das aulas nas ruas, museus, monumentos
Os primeiros meses do ano são frios na Lituânia, muitíssimo mais do que Lisboa – entre -5 e -10 graus – mas isso não impediu que este projeto educativo que converte Vilnius numa escola gigante para combinar aprendizagem tradicional e imersiva tivesse um arranque auspicioso. Três semanas depois do lançamento da plataforma eletrónica do projeto, já 30 % dos professores da cidade, cerca de 1500, se tinham juntado à iniciativa, que reúne o apoio de 90% das escolas de Vilnius.
No prazo de três anos 10% das aulas serão nas ruas, parques, monumentos, museus, bibliotecas, empresas, tribunais, hospitais, organismos estatais, todos os lugares. A ideia não é trazer todas as aulas para a cidade, mas desenvolver um modelo misto, que una a escola e a cidade como lugares de aprendizagem.

“Esta ideia de aprender fora da escola não é nova, pedagogos de todo o mundo estão a discutir sobre a aprendizagem em diferentes lugares e sobre a importância da escola sem muros, porque na realidade os métodos de ensino são os mesmos há séculos, apesar de cada vez ser mais evidente a sua ineficácia”, diz Unė Kaunaitė notando que a investigação sobre esta matéria mostra que em todo o mundo os estudantes estão pouco motivados para estudar.
Mudar isso é a principal razão do projeto que criou.
“A motivação é determinante para os resultados escolares: como motivar os estudantes, como tornar a aprendizagem mais interessante? Vilnius é uma cidade muito bonita, que pode oferecer uma série de recursos de aprendizagem, e, por isso, a criação deste projeto foi muito a junção de várias reflexões e elementos, como peças de um puzzle que, quando se completa, faz um clique”, explica a criadora.

Na rua já aconteceram aulas de Literatura, Matemática, História, Línguas e por aí fora. Matemática? “Achámos que a matemática seria das disciplinas mais difíceis de trazer para a rua, mas é uma das que mais aulas tem feito cá fora. Com os mais pequenos é mais simples, e, por exemplo, houve uma empresa que ofereceu uma aula do 12º ano sobre como as funções podem ser usadas para a inteligência artificial. Vai totalmente ao encontro de outro dos nossos objetivos que é responder à eterna pergunta dos estudantes ‘porque é que estamos a aprender isto?’”
A empresa que ofereceu a aula foi a Ovoko, uma empresa de comércio eletrónico com sede em Vilnius, onde os alunos aprenderam como várias regras matemáticas – funções, vetores, matrizes – são aplicadas à ciência moderna e à criação de Inteligência Artificial e como esta funciona na vida real e no mundo do trabalho.

“Queremos aumentar o número de aulas dadas na cidade e isso implica uma mudança de mentalidade, porque muitas vezes associa-se as aulas na rua a excursão e brincadeira e nós estamos a tentar mudar a narrativa e mostrar que a aprendizagem acontece em todo o lado, não tem que ver com o edifício, tem que ver com o processo, e este é também um dos nossos objetivos, para os estudantes e para os professores”.
A motivação e envolvimento dos estudantes, assim como o impacto nas notas e nos resultados escolares vão ser avaliados, mas não só. “Também queremos aferir como é que o projeto influencia as escolhas de carreira dos estudantes, a participação social e o envolvimento cívico, porque sentimos que ao aprenderem sobre as organizações e as instituições da cidade vão ter uma noção mais clara de quais são as suas opções de carreira e vão querer participar mais na vida da cidade”.
“Quando conhecemos bem o lugar onde vivemos, começamos a cuidar desse lugar”
Além de alunos mais empenhados, “Vilnius é uma escola” quer criar cidadãos mais ativos e participativos. À pergunta sobre como este projeto pode influenciar a relação dos jovens com a cidade, Unė sorri e olha mais longe.
“Historicamente, a conversa de sociólogos e outros especialistas sobre as cidades foi sempre acerca da solidão. Quando começámos a mudar-nos para as cidades, apesar de termos mais gente à nossa volta, ficámos mais sozinhos, porque não conhecemos ninguém. Sinto honestamente que temos que criar as crianças nas cidades de forma diferente, para que se sintam em casa na cidade e se sintam responsáveis por ela. Por isso fazer da cidade escola, dar a conhecer os lugares, as instituições, as organizações, os parques, as ruas, os bairros, vai fazê-las sentirem mais a cidade como sua. Quando conheces o lugar onde vives e gostas dele começas a tomar conta, a cuidar desse lugar, e, portanto, esperamos que este projeto estimule também a cidadania, a participação e a noção de responsabilidade relativamente à cidade”.
Uma ideia que pode ser replicada noutras cidades. Lisboa, por exemplo.

Como funciona na prática?
Na plataforma eletrónica do projeto os professores podem partilhar as aulas realizadas e encontrar as várias opções de espaços públicos e empresariais disponíveis. E assim constrói-se uma “uma ‘biblioteca’ de aulas”.
Por exemplo?
- Uma aula no Serviço de Gestão de Resíduos de Vilnius, onde, através de um jogo interativo de basquetebol (desporto nacional na Lituânia), se aprende gestão de resíduos, reciclagem e sustentabilidade ambiental
- Aula e matemática com os números de edifícios
- Aula no Vingis Park sobre música
- Aula de hstória na Igreja de Santa Ana, tesouro da arquitetura gótica tardia na cidade
Unė Kaunaitė diz que ficaria muito contente se “ajudasse a que as crianças e jovens tivessem vontade de ir para a escola. Este é um problema global, muitas crianças, sobretudo nos países ocidentais, não estão motivadas para a escola nem para aprender e esta é uma questão fundamental: se não estão interessadas, não vão aprender metade do que lhes é ensinado”.
Mas a diretora do EDU Vilnius espera mais. Espera também que traga confiança no sistema de educação, sistematicamente criticado por vários setores da sociedade civil.
“Vemos muitas críticas ao sistema de educação e por isso queremos envolver mais parceiros, porque assim estamos a responsabilizá-los. Se um empresário vem ter comigo e me diz que os alunos não estão a aprender o que deviam na escola, eu respondo: então, vamos criar uma aula, pô-la na plataforma e convidar os alunos para a sua empresa”.
Tem resultado, com organismos públicos e empresas privadas a juntarem-se ao projeto. Exemplos:

- Agência Estatal de Dados da Lituânia ensina estatística e as suas possibilidades de interpretação;
- Autoridade Estatal de Proteção dos Direitos dos Consumidores encena um litígio de consumo;
- Ministério da Defesa Nacional da República da Lituânia promove aulas sobre as origens da desinformação e discute casos atuais de desinformação virtual;
- Accenture oferece lições sobre a indústria tecnológica;
- Profitus, uma plataforma de financiamento, partilha conhecimentos sobre economia, empreendedorismo, investimentos e literacia financeira;
- Caminhos-de-ferro lituanos explicam o conceito de sustentabilidade;
- Unicórnios como a Vinted e a Nord Security estão também a planear aderir ao projeto.
Coisas práticas: “Temos ouvido sobretudo os professores, que são os principais utilizadores da plataforma e elemento crucial para o sucesso do projeto, e por exemplo, uma coisa que acrescentámos foi equipamento áudio [como têm os guias], para que todos os alunos possam ouvir a aula sem que o professor tenha que gritar”.
O projeto é facilmente replicável em qualquer cidade.
“Já temos outras cidades lituanas interessadas, mas agora estamos focados em desenvolver o projeto na nossa cidade, mas a ferramenta é muito simples e facilmente exportável para outras cidades. Claro que uma parte importante é o financiamento, a disponibilidade de meios, para os quais é preciso investimento e vontade política, e encontrar as pessoas a envolver para se juntarem à plataforma e motivar os professores a usá-la”.

Catarina Pires
É jornalista e mãe do João e da Rita. Nasceu há 48 anos, no Chiado, no Hospital Ordem Terceira, e considera uma injustiça que os pais a tenham arrancado daquele que, tem a certeza, é o seu território, para a criarem em Paço de Arcos, terra que, a bem da verdade, adora, sobretudo por causa do rio a chegar ao mar mesmo à porta de casa. Aos 30, a injustiça foi temporariamente corrigida – viveu no Bairro Alto –, mas a vida – e os preços das casas – levaram-na de novo, desta vez para a outra margem. De Almada, sempre uma nesga de Lisboa, o vértice central (se é que tal coisa existe) do seu triângulo afetivo-geográfico.