Encontramo-nos com Kaysha, 49 anos, num dia de céu azul, à porta do Hotel Myriad, na Expo, em Lisboa. Traz um blusão, calças de ganga rasgadas, óculos escuros e um sorriso radiante.

O nosso plano original era entrevistá-lo no hotel, mas uma conferência bastante enfadonha que ocupava todo o espaço tornou-se a desculpa perfeita para nos deixarmos levar por um passeio à beira-rio.

Perguntamos a Kaysha “what was going on”, o que se passa. “Uma das minhas canções de 2006 está a explodir no TikTok. Já tem 2 mil milhões de visualizações. Aconteceu de forma completamente orgânica. As pessoas começaram a dançá-la e passou de uma pessoa para dez, para cem, para mil.”

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Não resistimos a pedir-lhe que cante um pouco de ‘Something Going On’ para nós. Ele faz-nos a vontade, diligentemente.

“Oh, we got something going on

Mr Deejay levanta o som”

Natural da República Democrática do Congo, Kaysha veio pela primeira vez a Lisboa em 2003 quando a sua ex-mulher o convenceu de que tinha muitos fãs em Portugal. Kaysha duvidou, no início, pensando que não haveria muitos negros em Portugal, mas logo à chegada, numa volta pelo Centro Comercial Colombo, um fã aproximou-se dele e disse: “Oh, meu Deus! O rei da kizomba está em Portugal!”

Kizomba é um género de dança e música que teve origem em Angola, no final dos anos 1970, resultando de uma fusão de ritmos africanos, do zouk das Caraíbas e de estilos de dança europeus.

O encontro casual com o superfã levou a Kaysha a fazer um concerto em Lisboa. O concerto teve tanto sucesso que, alguns meses depois, Kaysha voltou a tocar em Lisboa. “Foi nessa viagem que eu disse para mim: ‘um dia vou mudar-me para cá, sinto que isso vai acontecer’”.

A meio da conversa, Kaysha decide surpreender-nos: “Vamos dar uma volta”. Para nosso espanto, Kaysha compra bilhetes para o teleférico da Expo. “Esta é a melhor vista do bairro”, diz Kaysha. Sentimo-nos como crianças na Disneylândia.

Em direção aos céus, com algum nervosismo, temos de admitir, perguntamos a Kaysha o que faz agora, mas ele está distraído a apontar pela janela do teleférico para vários edifícios lá em baixo. “O melhor restaurante chinês de Lisboa é ali. E o melhor restaurante coreano em Lisboa é ali”.

“Os termos que designam o que sou só começaram a ser usados anos depois de fazer o que faço”. Sou um criador de conteúdos desde sempre. Já era um nómada digital anos antes de as pessoas começarem a usar essa expressão. Já pagava a minha renda graças ao YouTube em 2008. Percebi então que, com o dinheiro que estava a ganhar, podia viver em qualquer lugar. Convenhamos: fiz o meu primeiro vlog antes de o YouTube existir”.

Não é muito justo reduzir Kaysha a mero criador de conteúdos. Kaysha é imensas coisas. Se olharmos para o seu Instagram, ele apresenta-se como criador, homem de negócios, vlogger, sensei digital, e pai. “Ser pai é a melhor coisa da vida. Ter filhos muda-nos mesmo. Nós, os criadores, somos egoístas. Precisamos de responsabilidades. Antes de ter filhos, a minha arte estava sempre em primeiro lugar, e eu estava sempre a trabalhar nela. Estava sempre em frente a um computador. Estava sempre a programar alguma coisa. Agora tenho muito melhor consciência da minha própria humanidade”.

Desembarcamos do teleférico. “Sobreviveram!”, brinca Kaysha. Estamos um pouco enjoados, mas não dizemos nada. Sentimo-nos filhos de Kaysha nesta aventura, como se tivéssemos ido passar o dia fora com o pai.

Músico, youtuber, vlogger, criador de conteúdos, Kaysha já era nómada digital antes de esse termo ter sido inventado. Foto. Rita Ansone.

Kaysha está completamente em modo de guia turístico. Passamos pelo oceanário. “Caminho por esta zona há dez anos”. Kaysha parece orgulhoso do seu bairro. Vai apontando e explicando o que está à sua volta.

Desde que vive em Lisboa, Kaysha tem visto mudanças na cidade e admite que os preços das rendas subiram.

“Como imigrante, não posso queixar-me das pessoas que fizeram o mesmo que eu. É uma coisa boa e uma coisa má, ao mesmo tempo. Sei que é um problema para o povo português, mas todas as cidades passam por isto quando começam a desenvolver-se. Não se pode controlar a mudança. E também pode ser uma coisa bonita.”

Kaysha diz que o truque para não perder o pé é simplesmente manter-se sempre atualizado, especialmente como criador de conteúdos.

“Se fizeres isso, não serás surpreendido. É preciso abraçar novas plataformas e novas formas de fazer. Não podes ficar agarrado a crenças obstinadas sobre a forma como as coisas deviam ser.”

O trabalho de Kaysha é a criação de conteúdos. Produz novas músicas para o YouTube todas as semanas. “Gravo a minha voz já misturada. Depois, simplesmente entro no microfone, e o que quer que saia, sai. Estou sempre a deixar cair música nova”. Kaysha grava também um podcast regular. “Tenho uma lista de tópicos de que falo, e discuto o que quer que esteja na ordem do dia das notícias.”

Na altura desta entrevista com Kaysha, o tema quente era “Harry e Meghan”.

Kaysha acredita que Lisboa mudou a sua vida. E é a partir desta cidade que cria conteúdos para o YouTube e outras redes sociais e faz o sei podcast semanal. “É preciso estar sempre a par da atualidade e das novas plataformas que vão surgindo”, diz ele. Foto. Rita Ansone.

Começamos a caminhar de volta ao local de partida. Kaysha aponta a calçada portuguesa. “Percebo que seja tradição, mas talvez não tivesse de estar em todo o lado”, diz ele em tom de brincadeira. Apesar disto, Kaysha confessa-se apaixonado por Lisboa. “Não há nada de que eu não goste em Lisboa. Acredito que é uma cidade que mudou a minha vida”. É uma cidade que o faz sentir-se aceite. “É uma cidade onde se pode viver um dia de cada vez”.

O nosso tempo com Kaysha aproxima-se do fim, mas ele ainda tem tempo de nos dizer das ambições que tem para o futuro: gostaria de fazer música para filmes, quer fazer um documentário sobre a sua vida ou um documentário sobre Kizomba. “Uma vez alcançada uma coisa, é preciso conquistar outra, caso contrário, aborrecemo-nos com a vida”.

Kaysha não parece aborrecido. Kaysha tem sempre algo a acontecer, “something going on”.

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