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Pastéis de nata, Mosteiro dos Jerónimos, Museu dos Coches, CCB, Padrão dos “Descobrimentos”. Belém está ao rubro em agosto. São aos milhares os turistas que se acotovelam em filas intermináveis, às centenas os que se abeiram à sombra das poucas árvores ali plantadas, às dezenas os que conseguem conquistar um lugar na esplanada, zero ou quase zero os que fazem ideia de que ali mesmo, por detrás de uma qualquer e desalmada pink coffe shop, choram as almas atormentados de uma família inteira ali torturada e executada: os Távora.
Muito escondido, encastrado num edifício também pintado a rosa, eleva-se um cilindro em pedra com 5 anéis que nem é um memorial, antes um selo de castigo eterno. Na sua base uma sentença gravada:
“Aqui foram arrasadas e salgadas as casas de José de Mascarenhas, exautorado das honras de Duque de Aveiro e outras, condenado à pior sentença proferida na suprema junta de inconfidência em 12 de janeiro de 1759, justiçado como um dos chefes do bárbaro e execrando desacato que na noite de 3 de setembro de 1758 se havia cometido contra a real e sagrada pessoa de D. José I, neste terreno infame se não poderá edificar em tempo nenhum.”
E até hoje se cumpre, nada ali foi edificado a não ser umas casinhas baixas feitas alojamento turístico para quem não sabe ou gosta de saber pernoitar em terra assombrada. E nada mais, nem uma placa com uma explicação a ajudar a contextualizar, nada.
Apenas a toponímia “Beco do Chão Salgado” poderá fazer despertar a curiosidade de quem conhece a história clássica dos antigos vencidos. Salgavam-se as terras dos condenados, assim fez o general romano Cipião sobre a Cartago destruída (146 a.c.), para que nada à sua volta voltasse a crescer.
Assim se cumpriu no local de execução como nas imensas propriedades daquela família, assim como foram seladas as entradas dos seus palácios – sorte hoje podermos encontrar alguns deles ainda relativamente bem conservados, como o palácio que alberga a colectividade Grupo Desportivo da Mouraria (até ver…).
Logo após aquele dia que teimamos em esquecer chegaram-se a distribuir impressos com ilustrações, para melhor lembrar aos jovens e graúdos, aos letrados e analfabetos. Foi a 12 de janeiro de 1759 o massacre vestido de espéctaculo de feira, encenado ao pormenor pelo ministro do rei, o marquês de Pombal, e que se prolongou por todo o dia.
Acusados todos de congeminar um atentado ao rei, os Távora subiram ao cadafalso e foram, um a um, torturados, mortos e depois queimados e as suas cinzas lançadas ao Tejo. Poupo-me ao relato e descrições, a coisa foi mesmo medonha. De tal horror que segundo se pensa, traumatizou para sempre a jovem D. Maria, futura primeira rainha de Portugal, apelidada de A Louca.
A tudo aquilo assistiu, em 1ª fila, a jovem marquesa D. Teresa de Távora e Lorena, a única Távora a sair do episódio ilesa por ordem expressa do Rei D. José I, seu amante. Obrigada a assistir à matança da sua família, penitencia-se também no recuo da memória ainda quente, autêntica novela recheada de intriga e sexo, muito sexo. Teresa era casada com o próprio sobrinho, o muito velho filho da poderosa matriarca da família, marquesa D. Leonor – todos odiavam Pombal e o sentimento seria recíproco.
Segundo os programas da manhã à época, Teresa era uma mulher muito jeitosa e teria uma boa coleção de amigos coloridos. Destes, o mais colorido era também o mais iluminado, percebia-se à distância. Toda a cidade o sabia: o segredo mais mal guardado de Lisboa era a sua Real Cambalhota.
Teresa e D. José encontravam-se regularmente, da Ajuda ao coração da capital ainda em reconstrução pós terramoto (gosto de imaginar o leito no palácio da Mouraria). O rei estava tão abananado por ela que até rompia o luto pela morte recente de uma irmã para se abananar com ela à descarada. Tão descaradamente que foi fácil vítima de atentado quando regressava de uma noite com a jovem marquesa.
Todos saberiam a hora e por onde, bastava puxar um gatilho e pum!
Falhado atentado, o rei ficara apenas ferido. Mas espoletou a perseguição que ficou conhecida como o Processo dos Távora, julgamento que muitos historiadores apontam como um ardil de Pombal para aniquilar todos aqueles que seriam hoje apelidados como “os donos disto tudo”, mas que seriam inocentes quanto ao atentado, inicialmente atribuído a ladrões.
Inocente ou não, Teresa sentir-se-à culpada por ter sido usada como isco na última real cambalhota. É de seguida tornada freira no convento do Rato onde morre em clausura esquecida por todos.
O nome Távora foi banido até ao século XX. Foi um descendente dos Távora, o João, um ex-aluno meu do curso de banda desenhada do Ar.Co, que me contou um bocadinho desta estória, sem as medonhas partes.

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Nuno Saraiva
Lisboeta empedernido, colaborou praticamente em toda a imprensa nacional. Cartunista político, o seu traço é o traço de Lisboa, é o autor das imagens das Festas de Lisboa de 2014 a 2017, criador dos troféus das marchas, e há 10 dos seus murais nas paredes da cidade. O seu livro Tudo isto é Fado! ganhou o prémio do Festival internacional de BD Amadora. Dá aulas na Lisbon School of Design e na Ar.Co. São dele todos os desenhos na homepage da Mensagem.
Segundo julgo saber a Marquesinha nova de Távora tinha os encontros amorosos com o rei D. José no Palácio Calheta na outrora chamada Quinta do Meio que tinha sido comprada por D.João V “O Magnânimo”.
O rei ao ir para a “Real Barraca” onde hoje se situa o Palácio da Ajuda sofreu o atentado ao cimo da Calçada do Galvão. No local do atentado foi erguida a Igreja da Memória.