Entra-se pelo Mercado do Forno do Tijolo e o BioLab poderia passar despercebido. É um esconderijo no meio do cheiro a peixe e das conversas matinais entre fregueses. Mas, espreitando pela porta, entra-se logo num outro mundo.

Nas bancadas, crianças e adultos mergulham as mãos, bem protegidas por luvas, num frasco com um líquido cor âmbar. De lá sai uma película viscosa: é o scoby, uma camada que se forma durante o processo de fermentação da kombucha, uma bebida oriental feita a partir de chás.

Os mais novos olham para o scoby com um misto de curiosidade e divertimento: é a ciência a comunicar com eles. Têm 12 anos mas neste laboratório não estão só rodeados por pessoas da sua idade. Aqui há estudantes universitários e até mesmo pessoas mais velhas já com as suas profissões, todas elas reunidas no programa Young Creators.

Biologia sintética, bioarte, biomateriais, cozinha molecular, genómica e bioprocessos: foram estes os temas abordados num programa aberto a crianças (e adultos!) a partir dos 12 anos e que aconteceu o mês passado.

Não é uma iniciativa nova, o Young Creators já existe desde 2016 graças a uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas esta foi a primeira vez que o programa se realizou neste laboratório.

Um laboratório inaugurado no dia 13 de janeiro, resultado de uma parceria entre a autarquia, a Faculdade de Ciências e a Associação para a Investigação e o Desenvolvimento de Ciências (FCiências.ID). O grande objetivo? Que adultos e crianças aprendam que a biotecnologia é muito mais do que uma palavra nos livros de ciências.

A história do BioLab

Hoje, Rafael Calado, arquiteto coordenador da programação do FabLab e do BioLab, auxilia os participantes em volta dos frascos com os “scoby”. Ele é um dos monitores desta semana, que, ao lado de Ricardo Dias, coordenador do Centro de Testes de Ciências da Universidade de Lisboa, Pedro Pascoal, investigador na área da genómica, e Margarida Lopes, gestora de projetos do BioLab, acompanham os pequenos e grandes cientistas.

Nas bancadas, são muitos os utensílios que todos conhecem da cozinha de casa, como os micro-ondas e as placas de indução. “A cozinha é o ponto comum entre a ciência e o dia-a-dia”, explica Ricardo Dias. Mas, para além dos objetos comuns, há também os equipamentos verdadeiramente científicos, como um fotobiorreactor, o único experimental em Lisboa, que permite produzir biodiesel e energia elétrica e ainda capturar CO2.

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O BioLab é um espaço de experimentação por excelência. Afinal, “até à primeira lâmpada, Thomas Edison teve de errar muitas vezes”. Foto: Rita Ansone

Este é um espaço único em Lisboa que surgiu para complementar o seu vizinho FabLab, um laboratório de prototipagem digital que nasceu neste mercado em 2013. Nasceu pouco tempo depois de ser criado o departamento de Economia e Inovação da Câmara Municipal de Lisboa e de o então presidente da Câmara, António Costa, se ter mudado para o Largo do Intendente.

Nessa altura, alguns edifícios da cidade começaram a ser transformados. Um deles foi um edifício no Mercado do Forno do Tijolo. “Na altura, este bairro era posto de lado”, recorda Rafael Calado. Por isso mesmo quis-se abrir o desenvolvimento, a inovação e a criatividade aos moradores de Arroios.

Mas não era suficiente. Afinal, já é habitual que dos FabLabs nasçam BioLabs: é a ciência aliada à fabricação digital. É que, se o lema dos FabLabs é “podes fazer qualquer coisa”, nos BioLabs diz-se que “podes fazer crescer qualquer coisa”. Era preciso fazer crescer.

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Rafael Calado dá seguimento às experiências do BioLab no Fablab. Foto: Rita Ansone

É agora aqui, no BioLab, que se trabalha o papel que a biotecnologia pode desempenhar na vida das cidades. “O cidadão comum não tem muita sensibilidade para a parte biológica, estamos mais habituados a coisas mais artificiais como o cimento”, explica Ricardo Dias. “Mas na realidade há muito potencial na biotecnologia para se mitigar os problemas das cidades”.

Basta pensar que a partir da pele de kombucha é possível fazer-se malas, carteiras e até mesmo calçado. Ou de que é através da biotecnologia que se consegue criar bioplásticos.

É por isso com entusiasmo que Margarida Lopes fala dos temas que são explorados neste laboratório: engenharia genética, biologia sintética, biomateriais, genómica e bioprocessos. Neste momento, já há muitas parcerias a surgir, não só com a Faculdade de Ciências, mas até mesmo com a Faculdade de Arquitetura.

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A pele de kombucha. Foto: Rita Ansone

Um espaço de experimentação

O BioLab é um espaço de experimentação por excelência. Afinal, “até à primeira lâmpada, Thomas Edison teve de errar muitas vezes”, brinca Ricardo Dias. O Young Creators foi uma boa forma de se abrir as portas ao laboratório e de se dar a conhecer o que aqui se experimenta.

Foi mesmo essa experimentação que apelou a Carolina Granchinho, estudante de Biologia da Faculdade de Ciências. “Eu achei interessante o facto de se trabalhar em laboratório, que é o que eu quero fazer no futuro”, conta. “No primeiro ano da faculdade, não temos tanta oportunidade de experimentar”.

O mesmo diz Tiago Lapão, colega de Carolina na faculdade: foi a parte prática que o atraiu, sobretudo dos assuntos ligados à genética. “O programa permitiu pôr em prática os ensinamentos teóricos”, explica. “Mostrou que a biotecnologia é uma realidade que pode ser usada no mundo”.

Já Margarida Botelho, ilustradora que trabalha no ensino não formal, juntou-se ao programa porque viu o cartaz no mercado do seu bairro. “Pensava que era um campo de férias exclusivo para crianças, mas mandei um e-mail e acabei por vir”.

Veio para descobrir mais sobre a bioarte mas ficou surpreendida com tudo o que aprendeu e com a heterogeneidade do grupo: “Aprendemos com as perguntas e as reações uns dos outros”.

Agora, contam todos voltar ao BioLab. Afinal, as portas estão abertas para se dar largas à imaginação científica: “E que bom que é em Arroios, que é onde eu vivo!”, diz Margarida.

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Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

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