Com a necessidade de afastamento físico imposta pela pandemia, a procura por espaços ao ar livre registou uma subida acentuada nos últimos dois anos. Surgiram em cidades de todo o mundo novas esplanadas: em ruas que foram fechadas ao trânsito, como aconteceu em Nova Iorque ou na Rua dos Bacalhoeiros e na Rua da Silva, em Lisboa, e em lugares anteriormente ocupados por estacionamento automóvel.
Só em Lisboa, nasceram, pelo menos, 365 esplanadas em lugares de estacionamento.
Para alguns estabelecimentos, as esplanadas foram bóia de salvação e, para outros, significaram até um crescimento face ao período pré pandemia. O apoio dado pelo município, que isentou os estabelecimentos comerciais do pagamento de taxas pela ocupação do espaço público e simplificou o seu licenciamento, é extraordinário e vai durar apenas até que 2022 chegue ao seu fim.
Depois disso, pouco se sabe, mas há agora um movimento de bares e restaurantes lisboetas que as quer tornar permanentes.
Nascidas em Paris e, só depois, na altura da Segunda Guerra Mundial, importadas para Lisboa, as esplanadas permitem tirar partido do bom tempo da cidade.
Por cá, e ao contrário de Paris, os dias de sol por ano ultrapassam as duas centenas e, para um pequeno bar, não ter mesa no exterior pode significar perder clientes. É o caso d’A Viagem das Horas, um pequeno bar de vinhos na freguesia de Arroios.
“No verão, ninguém se quer sentar lá dentro”, conta Ricardo Maneira, o dono do bar que abriu portas há pouco mais de um ano, em plena pandemia, depois de contrair um crédito para poder avançar. Sem esplanada, poucos lugares teria, e os que existem pouco interesse despertariam sob a pressão do sol lisboeta. Soube, desde sempre, que a esplanada seria temporária, mas sonha que possa tornar-se permanente.
Numa sexta-feira, pelas cinco e meia da tarde, o bar acaba de abrir portas e do seu interior sai o som de conforto de um clássico do jazz. As primeiras clientes chegam e escolhem uma mesa na esplanada provisória. Escolhem não ir para dentro de portas. Escolhem a rua.

A estrutura da esplanada provisória mais parece permanente. Houve cuidado na sua construção e na sua imagem. Ricardo tirou partido do Programa de Apoio à Instalação e Melhoria de Esplanadas da Câmara Municipal de Lisboa (CML), que previa um apoio de 50% na compra de equipamento para esplanada até 2,5 mil euros. A esplanada custou-lhe “um bocadinho mais” de quatro mil euros e cerca de metade foi financiado pela autarquia. Não quer que desapareça, depois de todo o esforço.
Esplanadas que valem negócios e contratos de trabalho
Onde antes estacionava um único automóvel, a esplanada d’A Viagem das Horas tem hoje espaço para sentar mais de 20 pessoas. A faturação aumenta e isso é razão suficiente para dar emprego a mais duas pessoas. De um lugar de estacionamento, nascem dois postos de trabalho.
“Se não tivesse este espaço, teria cinco mesas. Naquele lado, consigo ter pelo menos o dobro, 20 e tal pessoas. E aqui”, onde Ricardo se sentara a falar, “consigo ter dez pessoas”, diz. Ter a esplanada, bem como as mesas em frente à sua fachada, “muda muito, damos emprego a muito mais pessoas. Sem a esplanada, pelo menos duas pessoas não vou [contratar]”.
Ao abrigo do programa Lisboa Protege, a CML apoiou a instalação de esplanadas em lugares anteriormente ocupados por automóveis, tendo ainda isentado os estabelecimentos do pagamento das respetivas taxas de ocupação do espaço público. O apoio foi sendo prorrogado, estando agora previsto que a licença para a ocupação dos antigos lugares de estacionamento expire no final do ano.
A Junta de Freguesia de Arroios decidiu, contudo, fazer diferente. Informou os comerciantes de que a autorização para a ocupação do espaço público pelas esplanadas termina em setembro e que, nessa altura, as esplanadas voltariam a dar lugar ao estacionamento de automóveis.
Do outro lado da rua, está a esplanada do O’Malta, inaugurada nas mesmas circunstâncias. Estão tão próximas que é possível acenar de uma para a outra. Orlando Malta, um dos donos do espaço, conta como tudo mudou com a instalação da esplanada, feita com as suas próprias mãos e as de Sylvia, co-proprietária.

“Aumentou a visibilidade, aumentaram os clientes, aumentou o trabalho e também a mão de obra”. Tiveram de contratar duas pessoas, a tempo parcial, para fazer face ao aumento de atividade que a esplanada trouxe.
Se, no primeiro ano de negócio, ainda antes da pandemia, a sobrevivência era o objetivo, no segundo, já em pandemia, provaram que era possível manter o crescimento registado no início da aventura. “No terceiro ano, conseguimos aumentar a faturação, em pandemia”, diz Orlando, que não dissocia o sucesso conseguido da esplanada. “Se não tiver esplanada, não vale a pena”, diz.
Arroios perde 43 esplanadas em setembro para ganhar lugares de estacionamento
Segundo a Junta de Freguesia de Arroios, existem atualmente 49 esplanadas em lugares de estacionamento na freguesia, 43 das quais foram atribuídas “a título excecional” durante a pandemia. O seu fim poderá estar perto e é a própria Junta a assumir a responsabilidade de o concretizar.
Questionada pela Mensagem sobre se pretende emitir novas licenças para a permanência de esplanadas em lugares de estacionamento, a Junta de Freguesia afirma que “nunca o presente executivo de Arroios divulgou ou fez entender a quaisquer empresários que as medidas de ocupação do espaço público poderiam, de alguma forma, tornar-se permanentes. Bem pelo contrário”, sublinha.
Ou seja, o plano é acabar com as 43 esplanadas licenciadas durante a pandemia, já a partir de setembro. Os espaços serão devolvidos aos carros, para lugares de estacionamento.
“Há que perceber que Arroios se situa numa zona de alta densidade populacional da cidade de Lisboa, que contém inúmeras ruas e arruamentos estreitos e onde a dificuldade de estacionar, de moradores e trabalhadores, é uma realidade diária”, justifca a Junta.
Do outro lado da rua, a freguesia é outra e as esplanadas ficam
Ali mesmo à frente do bar de Ricardo Maneira, no outro lado da rua, o O’Malta já não pertence à mesma freguesia. Está na Penha de França e, ali, as 31 esplanadas licenciadas em tempo de pandemia devem manter-se, pelo menos até ao final do ano.
Depois disso, o futuro é ainda incerto. Os pedidos de licenciamento passam, a partir do final do ano, a ser tratados pela Câmara Municipal de Lisboa, que não respondeu em tempo útil às questões colocadas pela Mensagem, nem deu, até agora, conhecimento dos seus planos futuros para o licenciamento de esplanadas em lugares destinados ao estacionamento automóvel.

É esta incerteza que custa a Ricardo Maneira, obrigado a retirar a esplanada até ao final de setembro. “Se a própria câmara não sabe o que [vai] fazer com as esplanadas, por que é que temos de as tirar? Imagina que a câmara diz que as esplanadas vão continuar. Vamos pagar outra esplanada? Há aqui uma precipitação”, afirma.
“Há um problema de estacionamento? Claro que há. Mas a Junta está aqui para encontrar soluções. A solução não é tirar esplanadas, até eu tinha essa solução”.
Na Penha de França, Orlando Malta diz que a sua relação com a Junta da Penha de França sempre foi bastante agradável e saudável”, acrescentando não ter “uma pinga de dúvida” de que, por vontade da Junta, a esplanada fica, findo o prazo do programa Lisboa Protege, a iniciativa de apoio da CML durante o período pandémico.
A Junta de Freguesia da Penha de França afirma que do licenciamento das 31 esplanadas da freguesia resultou “uma redução mínima de lugares de estacionamento”. Para a manutenção futura das atuais esplanadas faltará, em breve, o aval da autarquia mas a Junta diz estar “disponível para colaborar numa solução que vá ao encontro do melhor para as pessoas e comerciantes”. A junta acrescenta que, nos últimos dois anos, “foi possível aumentar [a oferta de estacionamento em] 87 lugares”.
Em comum, Ricardo Maneira e Orlando Malta têm a vontade de fazer as suas esplanadas ficar onde estão. Orlando quer “uma resposta clara da Câmara Municipal” e nenhum dos dois, à semelhança de muitos outros comerciantes da cidade, querem uma ‘borla’.
“Nós queremos pagar, não queremos ocupar o espaço público”, diz Ricardo. Orlando também pede “a possibilidade de pagar a taxa [de ocupação do espaço], seja ela igual à taxa que é aplicada no passeio ou diferente”.
Depois de saber que tem a sua esplanada em risco, mais cedo do que o previsto, o dono do A Viagem das Horas pôs mãos à obra. Falou com comerciantes de Arroios e de outras paragens e escreveu um texto, intitulado Pelas esplanadas em Lisboa, que deu origem a uma petição. No espaço de uma semana, juntou mais de 1900 assinaturas. Orlando Malta também se associou, porque, disse a Ricardo, “se perderes em setembro, em dezembro perco eu”.

Ricardo Maneira diz que “gostava de ficar com a esplanada”. Para além da vida que dá ao seu negócio, elenca várias outras razões: “o espaço na cidade mais verde, mais amigo das pessoas e a criação de postos de trabalho. Arroios é a freguesia com mais nacionalidades diferentes. Pessoas que saíram do seu país em situações difíceis e abriram pequenos negócios. Acho que isto deve ser valorizado e espero que a junta pense duas vezes e esteja do nosso lado”.
Mundo fora, esplanadas Covid tornam-se permanentes
Se em Lisboa os comerciantes tentam, agora, tornar permanentes as esplanadas temporárias, esta é uma possibilidade que começa já a tomar forma real noutras paragens.
Em Paris, foram cerca de 9800 os cafés, bares e restaurantes que puderam instalar esplanadas temporárias em tempo de pandemia. Pouco mais de um ano após o início da pandemia, a cidade deu início ao processo legal que possibilitará a permanência das esplanadas, outrora temporárias, para lá do período pandémico.
Através do pagamento de uma taxa, os estabelecimentos comerciais deverão em breve passar a poder ocupar um lugar de estacionamento com uma esplanada, durante todo o ano.
Em Nova Iorque, com menos cultura de esplanada, o período pandémico também levou à criação de um programa de apoio à economia local que possibilitou a instalação de esplanadas temporárias. Agora, e após o sucesso da iniciativa, a cidade deu início a um processo de mudança dos regulamentos locais, de modo a possibilitar a instalação de esplanadas permanentes, a partir de 2023.
Alguns restaurantes da cidade norte-americana continuam a reportar, já este ano, 35% da faturação proveniente das esplanadas.
No Reino Unido, o caminho deverá ser o mesmo – o de tornar permanentes as esplanadas temporárias. Em curso estará a adoção de novas leis que tornarão possível a emissão de licenças para a instalação de esplanadas, depois do sucesso da medida no decorrer da pandemia.

Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
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