Durante dois meses, Gil do Carmo visitou o bairro de Arroios, na intenção de enxergar em suas ruas e habitantes, o reflexo da Lisboa de amanhã. Foto: Divulgação.

Gil do Carmo corta o bairro de Arroios com a perícia de um biólogo: atento aos mínimos detalhes, coletando imagens, cheiros, sabores, sons e afetos. Na verdade é apenas um músico. Um músico cuja linhagem é de amantes de Lisboa – o pai era Carlos do Carmo, avó Lucília. E talvez por isso, nada escapa ao explorador urbano: o fervilhar do mercado público do bairro, os dedos ágeis do barbeiro, a mão firme do padeiro, a informal conversa entre amigos numa esquina, a inocência das crianças, a oração numa língua estranha, sinal de fé num deus, a mesma fé que Gil do Carmo devota aos homens.

O passeio pelo mais multicultural bairro lisboeta foi registado numa curta-metragem chamada Na Lisboa de Amanhã, protagonizado, narrado e “cantado” por Gil do Carmo, disponível na internet desde 28 de dezembro.

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O documentário de 18 minutos é o desdobramento audiovisual do single Mundo Inteiro, um trabalho que tecnologicamente encerra um “milagre” – mas lá já vamos – e conceitualmente aborda a tal Lisboa de amanhã do título onde, como canta o refrão da música, do Martim Moniz ao Areeiro, cabe aqui o mundo inteiro.

“A ideia da curta é mostrar Arroios não apenas como o sítio mais trendy de Lisboa, mas também o mais inclusivo. Um verdadeiro reflexo do que será a Lisboa de amanhã”, explica o cantor sobre o bairro lisboeta que, em cerca de dois quilómetros quadrados, acolhe quase uma centena de nacionalidades.

Para ajudá-lo a traduzir em vídeo o espírito da sua canção, Gil do Carmo contou com a expertise do realizador Diogo Borges e do produtor Antonio Buscka, da BairroUpFilms.

Gi do Carmo e o desafio de traduzir em imagens o bairro de Arroios. O resultado virou uma curta-metragem. Foto: Divulgação.

Ambos já haviam trabalhado com ele no videoclip de Mundo Inteiro, também lançado em 2021, no qual Gil do Carmo passeia de bicicleta por Arroios enquanto as imagens dos rostos de dezenas de imigrantes são projetadas virtualmente nos prédios da via.

“Foram dias e dias a filmar, uma rotina exigente, porém realizada de forma espontânea, como um trabalho em família.”

“O resultado do clip foi tão bom que pensamos numa forma de expandi-lo. Daí, comentei com o Diogo: porque não fazer uma curta, a contar a história de Arroios?”, recorda Gil. A proposta foi acolhida pelo realizador e o que se seguiram foram dois meses de trabalho e horas e mais horas de gravação.

“Fui só o fio condutor desta história. Foram dias e dias a filmar, uma rotina exigente, porém realizada de forma espontânea, como um trabalho em família”, resume, exagerando na modéstia. Além de protagonizar o documentário, também foi o responsável pelo texto que lê em voz off e as músicas do filme.

 “Fiquei muito surpreso com o resultado final. Está envolvente e traduz para os lisboetas, portugueses e para o mundo, de forma direta e simples, essa Lisboa.”

Regresso ao futuro num dueto com a avó

E que Lisboa é essa? A tal que o pai de Gil tornou hino? Que a avó também cantava? Sim, isso tudo que está no single-inspiração da curta-metragem, Mundo Inteiro, e que é um reencontro com a avó proporcionado graças ao já citado “milagre” da tecnologia.

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O conceito de se utilizar gravações do passado para realizar um dueto com um cantor já falecido não é novo, é verdade. O duo de Gil do Carmo com a avó tem o diferencial de ser construído a partir de uma letra inédita dele, somada a dois fados gravados pela avó, Os Olhos Garotos e Loucura.

“Onde se ouve a minha voz, é a letra inédita, onde se ouve a voz da minha avó, o recorte recuperado dos dois fados gravados por ela”, explica. Ou seja, o resultado dessa viagem afetivo-musical no tempo não foi uma nova versão de uma música antiga, mas a criação de uma canção nova que não aponta ao passado, e sim, ao abordar o tema das migrações, mira o futuro.

Um trabalho coerente com a produção recente do cantor. “O single soma-se a outros dos meus fados, atentos à miscigenação do mundo. O diferencial foi a leitura eletrónica, o verniz mais tecno”, explica Gil do Carmo.

Mundo Inteiro estará no disco a ser lançado na primavera de 2022, em celebração dos 25 anos de carreira.

Já a curta-metragem Na Lisboa de Amanhã está disponível e é uma oportunidade, segundo o cantor, de se perceber que o “amanhã” sugerido no título é um indicativo do presente. “É importantíssimo, fundamental, entendermos que a Lisboa de hoje em Arroios será, sem sobra de dúvida, a Lisboa de amanhã.”


Álvaro Filho

Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.

alvaro@amensagem.pt

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