A campainha toca e eles saem disparados da sala de aula. Com a “pica” dos 16 anos, saltam para as trotinetas deixadas à porta da escola ou para as bicicletas Gira estacionadas na doca mais próxima – e é bem próxima. São eles os grandes adeptos das novas formas de deslocação e dos sistemas de partilha que chegaram a Lisboa. E isso é de louvar pelo futuro de uma cidade que se quer sustentável, não fosse um pequeno senão: fazem-no ilegalmente.

É isso mesmo: todos os jovens que usam bicicletas ou trotinetas partilhadas antes dos 18 anos estão a fazê-lo ilegalmente. Porque é proibido segundo as regras dos vários sistemas em funcionamento.

Para se usar a Gira, o sistema de partilha de bicicletas de Lisboa, basta descarregar a aplicação, escolher uma tarifa (anual, mensal, diária), procurar a doca mais próxima no mapa, escolher a bicicleta (há clássicas e elétricas) e pedalar por aí fora. Mas antes é preciso dar um “check” na caixinha dos “Termos e Condições”, em que o utilizador garante ser maior de idade.

No caso das trotinetas elétricas, como as Bolt ou as Lime, o processo é semelhante: descarregar a aplicação, e desbloquear através de um código de barras. Só que, para se criar conta nestas aplicações, é preciso indicar a data de nascimento.

Os jovens que se veem nas ruas a andar de Gira ou de trotinetas estão a fazê-lo ilegalmente. E mais, esta rebeldia – uma pequena rebeldia, claro, mas importante – é feita com os pais a compactuar: porque são eles, na maior parte das vezes, quem faz o login para que os filhos os utilizem.

“O meu pai não se importa nada”, diz Francisca, de 17 anos, parada com a sua Lime num semáforo no Largo do Rato. “Dá imenso jeito, imensos amigos meus usam para ir para a escola”.

Francisco e Rodrigo têm 16 anos e acabaram de estacionar bicicletas Gira junto ao Jardim Caldeira Cabral, em Telheiras. Têm muita pressa no final de um dia de aulas e até estranham quando lhes é perguntado se os pais se importam que andem de Gira. Para eles, é normal. E os pais não parecem importar-se com o facto de a utilização destas bicicletas só ser permitida a partir dos 18 anos.

Trotinetas de sistemas partilhadas estacionadas à porta de uma escola. Foto: Orlando Almeida

Este ano, a EMEL (Empresa de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa), que gere a Gira, detetou oficialmente só 63 casos de utilização por menores de 18 anos, quer através de contas criadas por maiores de idade (geralmente os pais) como através de contas criadas com dados falsos.

Quando isso acontece, dá-se o bloqueio da conta, caso o cliente não garanta que a situação não vai voltar a repetir-se (se o garantir, a conta só é bloqueada em caso de reincidência). No segundo caso, a conta é logo bloqueada. As empresas de trotinetas elétricas fazem o mesmo: bloqueiam a conta temporariamente. O desbloqueio exige uma discussão com um membro da equipa de apoio.

“A fiscalização não parece apertada”, diz Inês, mãe de dois utilizadores da Gira, de 13 e 19 anos (este já era utilizador antes da maioridade), e que já viu a sua conta bloqueada – não pelo facto de o filho ser menor, mas porque transportava um amigo na sua bicicleta. “Se pomos estacionamento de bicicletas à porta das escolas, ciclovias à porta das escolas, e os jovens são sempre os mais adeptos, acho um bocado ridículo estas iniciativas não se se estenderem às crianças”, conclui.

“Estes são os jovens que não vão ter carro no futuro”

Precisamente. Embora não haja dados, sabe-se a olho nu que os mais novos são os grandes utilizadores do sistema de partilha que tem vindo a ganhar terreno nos últimos anos. E foram criados precisamente para essa faixa etária e por essa faixa etária. A Gira é de 2017, herdeira das “Witte Fietsen” (“Bicicletas Brancas”), de Amesterdão (curiosamente, por estudantes com sede de mudar o sistema) na década de 1960, e das bicicletas dinamarquesas desbloqueadas por moedas reembolsáveis.

O casamento de Sara Stolk-Duijs. Envolvida no projeto das “Bicicletas Brancas”, casou-se… numa bicicleta branca. Foto: AP

Os sistemas de trotinetas elétricas, as chamadas “e-scooters”, chegariam a Lisboa, em 2018. Foram criados em 2016, quando estudantes tiveram a ideia de gerir um sistema de aluguer de trotinetas elétricas para turistas e negócios, com a aplicação Telepod – que entretanto já desapareceu do mercado. No ano seguinte, as trotinetas Bird chegavam às centenas a Santa Monica, na Califórnia.

Os sistemas foram-se espalhando, e o seu sucesso deveu-se sobretudo às estratégias e planos de mobilidade das cidades, como o plano europeu Sustainable and Smart Mobility Strategy que promove o uso de transportes não poluentes. Mas a pandemia desempenhou também um papel: afinal, o uso da bicicleta ou da trotineta garantia o distanciamento social procurado por todos.

Os dados confirmam estas novas tendências. Um estudo do IST (Instituto Superior Técnico) realizado para a EMEL em 2018 revelava que 29% das viagens de Gira já substituíram as de automóvel.

As trotinetas Telepod, o primeiro sistema de partilha de e-scooters. Foto: LTA

O guia Como pedala Lisboa, publicado em junho de 2021 pela Câmara Municipal de Lisboa, mostra que, entre o período de 2017 e 2020, se registaram 3,2 milhões de viagens realizadas em Gira. Em 2020, eram já 24, 3 mil os utilizadores ativos do sistema. Já as trotinetas partilhadas realizaram 7,9 milhões de quilómetros na cidade (3,9 milhões de viagens), desde 2018.

Mas Lisboa continua, legalmente, a excluir os mais jovens de participarem nestes sistemas, contrariando a ideia de que é “de pequenino que se torce o pepino”, como diz Mário Alves, fundador da MUBi (Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta).

Ainda por cima, são eles quem melhor sabe deslocar-se por esta nova cidade. “O interessante é a facilidade com que os mais jovens complementam o uso dos transportes públicos com o uso da bicicleta: andam de bicicleta ou de trotineta até à estação de metro mais próxima”, diz Inês. “Estes jovens não vão ter carro no futuro, veem a bicicleta como um meio de transporte”.

Sandra Nascimento, Presidente e Diretora Técnica da APSI (Associação para a Promoção da Segurança Infantil), concorda: “O futuro é muito claro: a forma como nos transportamos terá de ser diferente, e as crianças têm de ter a oportunidade de começar a usar meios de transporte alternativos”, diz.

Então qual é a solução? No caso da Gira, a EMEL equaciona há algum tempo a possibilidade de alargar o sistema para maiores de 16, como aliás pode constatar-se pelos contratos estipulados com a seguradora. Em 2018, o contrato já previa a utilização da Gira por maiores de 16 anos (inclusive). Porque não o fez ainda? A EMEL responde que se tratou de uma “decisão da empresa, por questões de segurança”. 

A EMEL pondera alargar o sistema das Gira a menores de 16 anos.

Qual a idade certa para se começar a usar o sistema partilhado de bicicletas? As opiniões variam. “Tem de ser algo gradual”, defende Rita Castel’ Branco, arquiteta, e especialista em mobilidade urbana. “Compreende-se que a Gira tenha começado com os 18 anos, até porque quando o sistema arrancou, havia muito menos rede ciclável. Com mais segurança, vão-se criando condições”. E sugere, numa primeira fase, o alargamento para os 16 anos – sempre com a responsabilização dos pais.

Como é lá fora?

Olhando lá para fora, é fácil perceber que é possível que as crianças recorram aos sistemas de partilha de bicicletas de forma legal. O Bycyklen (em Copenhaga), o Citi Bike (em Nova Iorque) e o Santander Cycles (em Londres) também estabeleceram como idade mínima os 18, mas o Bicing (em Barcelona) pode ser usado a partir dos 16, o Oslo Bysykkel (em Oslo) a partir dos 15 e o Vélib (em Paris) está disponível a partir dos 14.

Na capital francesa, foi mesmo lançando em 2015 o programa P’tit Vélib para crianças bem mais pequenas, com bicicletas sem pedais e com rodinhas.

O programa já não está em funcionamento, mas, em 2019, Anne Hidalgo, Presidente da Câmara de Paris, anunciava num tweet a intenção de tornar gratuito o uso do Vélib a todos os menores de idade: “Dá uma mensagem clara: ‘queremos os miúdos a andar de bicicleta!’”, diz Rita Castel’ Branco.

Este ano letivo, os estudantes parisienses menores de idade com uma subscrição “V-Plus Jeune” pagaram apenas uma taxa de 24 euros para poderem pedalar pela cidade.

O Hello-Bike, em Amesterdão, ainda consegue ir mais longe: pode ser utilizado por crianças a partir dos 12, tal como acontece em alguns sistemas da China. E 12 é uma idade que parece adequada para Sandra Nascimento, desde que se tenha em atenção o tamanho das bicicletas, que têm de ser adaptadas às idades.

Rita Castel’ Branco defende o alargamento da Gira, numa primeira fase, aos 16 e, depois, aos 14. Esta seria uma boa oportunidade para “cativar uma geração numa altura em que é altamente permeável”.

Rita Castel’ Branco ponderaria apenas alargar até aos 14, já que a realidade de Lisboa é muito diferente da de Amesterdão. E propõe um “sistema de empréstimo anual de bicicletas”, que permitisse que, no final do ano, as bicicletas fossem devolvidas para que os jovens pudessem ter uma nova adequada ao seu tamanho. “As crianças crescem depressa”, justifica. E refere o sistema francês Véligo que permite o aluguer de bicicletas elétricas durante um período de seis meses – a sua utilização é possível a partir dos 16.

Para a especialista, abranger os jovens de 14 anos na Gira seria uma boa oportunidade para “cativar uma geração numa altura em que é altamente permeável”. Seriam muitos os benefícios: “A bicicleta é importante para a sustentabilidade, traz saúde e ajuda as crianças a terem mais concentração nas escolas”, diz.

Mas este “cativar” não pode surgir sem os devidos cuidados, até porque a segurança dos ciclistas é ainda uma questão em Lisboa, concordam todos.

Criar condições para a segurança de pequenos ciclistas 

Em 2020, foram registados 82 acidentes com velocípedes em Lisboa (67 sem motor e 15 com motor – aqui incluem-se também as trotinetas elétricas), segundo dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).

Por isso, criar condições para que os mais novos andem a pé ou de bicicleta passa muito por restringir a velocidade e a presença do automóvel nas ruas. “A segurança anda de mãos dadas com a mobilidade ativa e saudável”, diz a presidente da APSI. Na sua perspetiva, andar de bicicleta ou a pé é seguro, o grande desafio são mesmo os carros, que se desaparecessem em alguns contextos, “nem seriam precisas ciclovias”, defende Sandra Nascimento.

Sandra Nascimento, Presidente da APSI, acredita que garantir a segurança nas ruas passa por restringir a presença e a velocidade do automóvel.

E as ciclovias são, para muitos, um problema. “Nem todas as ciclovias têm a segurança que eu desejaria”, denuncia Inês. “Algumas foram feitas precipitadamente, estão ali mais para sinalizar, não estão para proteger a pessoa que vai na bicicleta”.

Os filhos também se queixam: “Dizem que, em alguns sítios com a ciclovia mal feita, às vezes têm de ir a pé com a bicicleta e depois voltar a montá-la”.

No sentido de se garantir esta segurança que ainda falta, a APSI considera que alargar o sistema da Gira aos mais novos seria um bom motivo para se pensar o uso do capacete – que não é obrigatório, tal como já especificou a ANSR. “Um capacete adaptado à cabeça da criança, que não seja um brinquedo e que a criança utilize de forma sistemática” é a sugestão da APSI. “Os mais pequenos têm uma cabeça mais pesada e, num acidente, é a cabeça que bate primeiro”.

O alargamento de idades poderia ainda servir para se promover formações sobre condução urbana, defende Rita Castel’ Branco. “Se os menores de 18 anos já utilizam a Gira de qualquer maneira, usando o nome dos pais, a questão fulcral que se coloca é como garantir que o fazem em segurança”, diz, adiantando algumas ideias sobre como fazê-lo: criar parcerias com a DECO, por exemplo, que já disponibiliza um curso online gratuito no seu site, o “Miúdos mais seguros na cidade”, para crianças dos 3 aos 15 anos.

Para Inês, a mãe dos jovens utilizadores da Gira, as ações de formação e sensibilização são realmente o que falta. “Os mais novos deviam aprender a conduzir num ambiente de cidade, a não andarem dois na bicicleta, a estarem atentos aos outros e a usar a ciclovia”.  

Para Inês, mãe de jovens utilizadores da Gira, nem todas as ciclovias de Lisboa são seguras. Foto: Nuno Correia/CML

A MUBi já tem procurado colmatar esta falha organizando sessões de formação em escolas, para além de disponibilizar dois programas que promovem o uso da bicicleta pelos mais novos: o Bike Buddy que, não sendo direcionado para crianças, permite que um mentor acompanhe um aluno em trajetos de bicicleta, e o Bike to School, que organiza viagens de bicicleta para a escola com alunos e professores do 2º e 3º ciclo.

A Câmara Municipal tem também um programa de “comboios de bicicletas”, através do qual as crianças pedalam para a escola acompanhadas por adultos monitores, realizando um percurso como se estivessem num “comboio” que tem um “horário” e uma “linha”. Apesar de temporariamente suspenso, o programa já conta com 11 escolas e 18 percursos.

A ideia é replicar aquilo que já acontece em alguns países do mundo. São já algumas as cidades que incentivam os alunos a pedalar e a caminhar para a escola, proibindo os automóveis nas suas imediações. É o caso do programa “Protegim les escoles”, em Barcelona, do “Rues aux écoles”, em Paris e do “School Streets”, em Londres. Há ainda um jardim infantil em Odense, na Dinamarca, onde os mais novos são encorajados a deslocar-se de bicicleta.

E no caso das trotinetas elétricas?

Se o uso da bicicleta pelos mais novos é encorajado pelos especialistas, as famosas trotinetas elétricas suscitam mais dúvidas pela velocidade que podem atingir: a velocidade máxima está limitada nos 25 km/h, que, mesmo assim, é suficiente para causar sinistros graves (o mesmo se pode dizer das bicicletas elétricas, contempladas pela Gira). Um relatório da Fundação da seguradora MAPFRE com a espanhola CESVIMAP, que inclui os resultados de dois crash-tests de colisões de trotinetas elétricas com um peão ou um veículo, prova isso mesmo.

Os sistemas de partilha das e-scooters estabelecerem a idade mínima dos 18 anos, se bem que a utilização destes veículos – fora destes sistemas – varie de país para país. Na Áustria e em França, a idade mínima é de 12 anos, na Suíça e na Alemanha é de 14 e na Dinamarca é de 15.

Em Portugal, onde as trotinetas são equiparadas a velocípedes, não está claro a idade a partir da qual é permitida a sua condução.

Mas para as empresas de partilha, a possibilidade de alargar a idade do uso das trotinetas elétricas não parece estar em cima da mesa. “A segurança tem sido e será sempre a nossa principal prioridade tanto para os nossos utilizadores como para os pedestres”, diz Santiago Páramo. “Como tal, procuramos promover diversas campanhas que têm por objetivo apelar a um uso responsável das trotinetas e que cumpra a legislação estipulada, sendo a Bolt totalmente contra o uso deste serviço se o utilizador estiver em incumprimento da legislação imposta.”

Jovem a andar numa trotineta de um sistema de partilha. Foto: Orlando Almeida

As trotinetas são menos pacíficas que as bicicletas: por causa da velocidade e do estacionamento. Desde a sua chegada a Lisboa, em 2018, que as críticas têm chovido. Ainda nesse ano, a Assembleia Municipal de Lisboa (AML) aprovava uma recomendação do CDS-PP para a criação de regras e boas práticas. Em 2019, o problema do estacionamento seria melhorado em Lisboa com a criação de mil lugares para trotinetas, retirando-se cerca de 50 lugares de estacionamento automóvel.

Este ano, em Paris, depois de uma e-scooter ter sido responsável pela morte de um peão (a terceira morte causada por uma trotineta elétrica na capital francesa, desde 2019), impôs-se um limite máximo de velocidade de 10 km/h nas chamadas “zonas lentas” centrais da cidade, onde há mais peões.

Em Portugal, a 8 de janeiro de 2021, entravam em vigor alterações ao Código da Estrada que restringiam os veículos com equiparação a velocípedes – neste categoria, continuavam as trotinetas elétricas que atingissem uma velocidade máxima de 25 km/h ou potência máxima até 0,25 kW, como as trotinetas destes sistemas.

As empresas de partilha têm promovido campanhas de formação e de sensibilização. A Lime lançou a campanha Respect the Ride, que convida os utilizadores a assinarem um compromisso em como vão usar a trotineta de forma responsável, recompensando-os com vinte minutos de viagem e um capacete. E encheu o seu site e aplicação com vídeos e instruções de boas práticas de condução e estacionamento das trotinetas: verificar o bom funcionamento da trotineta antes da sua utilização, testar as luzes dos travões, circular à direita ou nas ciclovias.

As trotinetas Bolt estão também agora equipadas com sensores capazes de detetar acidentes, quedas, travagens bruscas, padrões de condução inseguros e alertas de voz inteligentes para notificar os utilizadores sobre áreas pedonais, áreas de baixa velocidade, ou restrições de estacionamento, como explica Santiago Páramo, responsável pela micromobilidade da Bolt em Portugal.

A Bird lançou um sistema de parqueamento que torna obrigatório o estacionamento de trotinetas em locais pré-definidos.

YouTube video
Video da campanha Respect the Ride, da Lime, em Paris.

Inês, que, no momento em que falou com a Mensagem, tinha um dos filhos com um pé partido por causa de uma colisão com uma trotineta, não é contra o uso das e-scooters pelos mais novos, mas considera este só faz sentido em “distâncias curtas” ou para ser complementado com o transporte público – o que, de facto, acontece em Lisboa.

Em 2019, estima-se que seis em cada dez viagens de trotineta acabassem junto a uma paragem de autocarro ou estação de metro, segundo a Voi e a Lime.

Com que idade se deve poder andar de trotineta?

Aos 16, já é permitido tirar a carta de condução de motociclos e ciclomotores de cilindrada até 50cm3. Por isso, para Sandra Nascimento, essa devia ser a idade, tendo em conta esta “capacitação”. Sem descurar o uso do capacete.  

“Os jovens muitas vezes não percebem o que têm na mão e são facilmente desafiados pelos pares a experimentar manobras e experiências com um risco maior para quem não domina”, diz a Presidente da APSI.

Jovem a deslizar numa trotineta elétrica. Foto: Orlando Almeida

Rita Castel’ Branco tem uma opinião diferente. “Se queremos incentivar o uso da bicicleta, que é francamente mais seguro e mais saudável do que a trotineta, deixar os sistemas de partilha das trotinetas para os 18 anos é uma boa política”, defende.

Isto não tanto pelo número de sinistros, até porque o automóvel é, afinal, o principal responsável pela sinistralidade, mas antes porque as trotinetas não permitem a locomoção do corpo. “Estamos a falar de saúde. Mesmo com a bicicleta elétrica, as pessoas mexem-se, é desporto. A trotineta é preguiçosa”.

Mas como convencer os mais jovens a largarem as trotinetes pelas bicicletas? “Com programas de apoio à mobilidade escolar”. E o caminho, diz, faz-se caminhando. Num mundo ideal, Lisboa teria uma rede ciclável completa e programas de apoio escolar altamente difundidos.

Talvez um dia isso aconteça mesmo, como começa a acontecer no mundo, cada país ao seu ritmo. Em 1892, escrevia-se numa revista de sociologia americana, citada por um artigo da National Geographic, que graças à bicicleta os mais jovens “veem mais do mundo e sentem-se enriquecidos pelo contacto. Se doutra forma não iriam para além da distância de um passeio de casa, com a bicicleta estão constantemente a percorrer as cidades envolventes, a tornarem-se familiarizados com as circunscrições e durante as férias, a explorar vários estados. Estas experiências produzem crescimento em energia, autonomia e independência de caráter…”. 

Hoje já são muitas as histórias de mudança e progresso protagonizadas por bicicletas e trotinetas. Entre muitas lutas, a micromobilidade foi uma arma a favor da emancipação feminina e do acesso à educação através de programas de distribuição em áreas subdesenvolvidas. Para muitos jovens no mundo, é a única forma de chegarem à escola.

 “A bicicleta é uma ferramenta de transformação de cidades”, vinca Rita Castel’ Branco. Desta vez, se a micromobilidade veio para mudar a Lisboa e os hábitos dos seus cidadãos – como está a acontecer em tantas outras cidades – , os mais jovens querem estar lá para fazer parte da mudança.


Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt

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6 Comentários

  1. É tudo muito engraçado, mas os miúdos circulam sem conhecimento das regras de trânsito e responsabilidade. Passagem de sinais vermelhos é testemunhada todos os dias, assim como circularem em passeios sem qualquer respeito pelos peões. Já vi baterem em carros, nomeadamente em espelhos e fugirem. Estão no bom caminho para serem os novos vândalos do futuro, iguais aos do automóvel que tanto criticam. Trocam o meio de transporte, mas a porcaria continua igual. Como peão pelo menos estava seguro no passeio, agora há um risco sério de atropelo por esses salvadores do planeta que se acham donos dos passeios.

  2. Entretanto os atuais vândalos, adultos, a conduzir veículos motorizados, com um potencial de destruição humana e material incomparavelmente superior, continuam a praticar velocidades excessivas sem limites, uso de ecrãs que distraem e a estacionar junto a passadeiras, passagens de velocípedes e cruzamentos, criando graves situações de risco para terceiros. A fiscalização praticamente não existe por parte das autoridades.
    Os adultos pais são os primeiros a dar o mau exemplo aos filhos, quando os deixam de carro na escola e não respeitam as regras básicas de segurança – um drama que acontece diariamente à porta da generalidades das escolas.
    Continuamos a ter carros a circular sem limites de velocidade, ao contrário do que acontece nas bicicletas e trotinetes elétricas, com condutores completamente desatualizados ao nível das regras básicas de segurança e do actual Código da Estrada, tirada há décadas atrás.
    Digamos que o uso de bicicletas partilhadas por “menores” é mesmo um problema “menor”, quando comparado com as centenas de milhares de “touros descontrolados” (condutores) que diariamente invadem a “loja de porcelanas” (Lisboa) e causam enormes prejuízos humanos e materiais.

    Sou a favor de se baixar a idade mínima até aos 12 anos, acompanhada dum teste de aptidão e responsabilização dos pais.

  3. Mais do que a idade mínima de utilização, é a falta de civismo e respeito pelas regras básicas de trânsito, tanto por parte dos jovens (menores de idade), como por parte dos adultos. Como peão, quase que tenho que andar na estrada, porque os passeios são vias de circulação das bicicletas e trotinetes. As trotinetes são largadas de qualquer forma nos passeios, constituindo um obstáculo à circulação. A circulação destes meios, é muitas vezes efetuada em contramão nas ruas, e não há respeito pelos semáforos e passadeiras. Passam a grandes velocidades, e muitas vezes vão 2 pessoas nas trotinetes.
    Hoje, dois jovens iam-se estatelando na Av. Estados Unidos da América/Entretampos ao passarem a grande velocidade na passadeira (as trotinetes resvalaram no piso), quando muitas vezes não passam com o sinal aberto e trânsito nos dois sentidos (trotinetes/bicicletas). Devia haver formação acerca de condução destes meios na via pública, e mesmo nas ciclovias.

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