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A processar…
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Muitos filmes são interessantes sob diversos pontos de vista. O Pai Tirano é um exemplo flagrante. Não só é uma comédia aliciante do ponto de vista cinematográfico, como ainda enquanto documento histórico e sociológico.

O incêndio do Chiado, a 25 de Agosto de 1988, transformou por completo aquela zona de Lisboa e fez desaparecer, por exemplo, os grandes armazéns do Grandela. Tudo isso está representado no filme de António Lopes Ribeiro. Um documento histórico indispensável.

Outra questão muito curiosa é a oposição entre teatro e cinema, um debate muito aceso na década de 1940, quando o filme foi produzido. O cinema vivia a sua época de ouro, o teatro era afectado por isso e tentava responder.

Falemos então de O Pai Tirano, uma das comédias clássicas do período áureo do cinema português de raiz popular. A intriga é basicamente a de um «vaudeville» à portuguesa: Santana e Chico são empregados nos armazéns Grandela. Santana e Chico são ainda elementos do grupo de teatro, onde o primeiro ensaia O Pai Tirano ou O Último dos Almeidas.

Chico vive apaixonado pela Tatão, que não lhe liga, preferindo o Arthur de Castro. Não podendo, porém, passar sem o olhar da Tatão, Chico muda-se para a casa onde esta está hospedada. O tratamento de Tatão, contudo, não se modifica.

Até que um dia ouve Chico e Santana a ensaiarem uma cena do Pai Tirano. Julgando que o Chico é um fidalgo que a persegue sob uma falsa identidade, para não se dar a conhecer, Tatão transforma por completo o seu comportamento, o que obriga Chico a inventar, com a cumplicidade de Santana, uma cena no solar de uns nobres que se encontram em férias. Tatão aceita a situação como autêntica e só vem a descobrir o imbróglio quando, tempos depois, assiste à estreia de O Pai Tirano. Mas, nessa altura o amor é já mais forte.

Se o convencionalismo caracteriza a maioria destas comédias de 1940, no caso de O Pai Tirano, o convencionalismo das situações está presente, mas o «jogo» (muito moderno, muito no vento…) do teatro e da realidade subverte as regras.

Na verdade, tanto o teatro invade a vida (cena teatral em que Chico apresenta a noiva ao seu pai que é supostamente Santana), quanto a realidade diária se introduz no teatro (sequência final com o palco a ser invadido pelo drama dos actores que deixam fugir «as personagens» para viverem os seus próprios problemas).

Este encadear do teatro e da realidade é, efectivamente, um dos aspectos mais curiosos deste filme. Woody Allen fez algo semelhante, anos depois, com A Rosa Púrpura do Cairo.

Por outro lado, haverá que referir a introdução e aproveitamento de cartazes que comentam a acção ironicamente. Quando Chico e Tatão saem de casa do falso pai de Chico, atravessam uma rua carregada de cartazes que vão sublinhado satiricamente a situação.

O diálogo fala de amor e na parede aparece um cartaz com um corarão, depois um outro de «O Amor de Perdição», outro de «Raparigas de Hoje», outro ainda de «Lisboa 1900», finalmente um de «Vão lá Perceber as Mulheres!». Este aspecto, ainda ingénuo, e pouco desenvolvido, prenuncia o aproveitamento da publicidade feito, por exemplo, por Godard, nos seus filmes-colagens.

No que respeita ao humor e à sua construção, este vive basicamente da associação que se estabelece entre vários significados de uma mesma palavra, da associação entre uma palavra e uma imagem, da associação entre duas imagens.

Em 2021, foi produzido um remake desta obra, com realização de João Gomes, Segundo o argumento original de António Lopes Ribeiro, com um elenco onde surgem, entre muitos outros, actores como Carolina Loureiro, Rita Blanco, Susana Blazer ou José Raposo. Curiosa a comparação entre as duas películas, com oitenta anos de intervalo.

O PAI TIRANO – Realização: António Lopes Ribeiro (Portugal, 1941); Argumento: António Lopes Ribeiro; Diálogos: António Lopes Ribeiro, Vasco Santana, Ribeirinho; Fotografia (P/B): César de Sá; Música: Fernando de Carvalho e Raul Portela; Cenários: Roberto Araújo; Montagem: Vieira de Sousa; Produção: António Lopes Ribeiro/ SPAC; Intérpretes: Vasco Santana, Ribeirinho (Francisco Ribeiro), Leonor Maia, Graça Maria, Teresa Gomes, Luísa Durão, Laura Alves, Nelly Esteves, Idalina de Oliveira, Arthur Duarte, etc. Duração: 114 minutos; (M/6 anos).


*Lauro António é realizador e crítico de cinema – lendário em Portugal. Lisboeta de gema, foi a cidade que também cunhou o seu gosto pelo cinema, e ele próprio mudou a história do seu cinema.

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3 Comentários

  1. A trama do filme “O Pai Tirano” é uma crónica satírica/ingénua assertiva de costumes para com o regime da altura.
    E ai de quem pusesse o pé em ramo verde.

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