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Há sons que são próprios da cidade. A buzina dos carros, o berbequim das obras, os passos na calçada das pessoas com pressa, mas não o zumbir das abelhas. A apicultura em ambiente urbano é uma atividade muito popular em Londres, Nova Iorque ou Paris, onde as abelhas citadinas se revelam mais produtivas do que as campestres. Em Lisboa, embora haja mel a ser produzido na cidade, a apicultura praticada não tem muito de urbano.

Artur Madeira é um dos apicultores que se dedica a cuidar das abelhas lisboetas, uma atividade que guarda para as horas vagas. Durante a semana, trabalha para a Câmara Municipal de Lisboa como arquiteto paisagista. Nos fins-de-semana, vai até ao Parque de Monsanto para cuidar das dezasseis colmeias que tem escondidas entre plátanos e pinheiros. 

O fascínio de Artur pela natureza definiu-lhe a profissão e o passatempo. A prática da apicultura é para ele “um escape à cidade e ao quotidiano” e está crente de que também pode ser um “antídoto para o envelhecimento”.

As abelhas de Artur têm a qualidade de vida com que qualquer lisboeta sonha. As suas colmeias estão situadas num local alto, com vista ampla sobre a cidade, de onde é possível ver desde o Aqueduto das Águas Livres ao rio Tejo. Vivem num sítio calmo, muito verde e com poucos carros.

Monsanto é o local privilegiado pelos apicultores de Lisboa. A Sociedade dos Apicultores de Portugal assinou um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, em 2014, para cooperar com o Parque Florestal de Monsanto na regulação da atividade apícola da área. Foto: Rita Ansone

Um estudo realizado pela Union Nationale de l’Apiculture Française (Unaf), revelou que as abelhas de Paris produzem mais mel e têm menores taxas de mortalidade no inverno, comparativamente com as abelhas do campo. As monoculturas e os pesticidas podem ser a razão pela qual as abelhas gostam mais das cidades, sugere o estudo citado pela BBC.

Em Portugal, a realidade é diferente e a apicultura urbana assume outras características. Mas Artur garante que “em Lisboa há muito alimento” para este inseto polinizador, que costuma ser atraído aos parques das nossas cidades pelas demais flores.

Mas se são conhecidas as vantagens do investimento das cidades que se querem sustentáveis na apicultura urbana e se há tanta qualidade de vida para as abelhas nas cidades e se Lisboa tem muito alimento, porque é que o zumbir das abelhas não é um som característico da nossa capital?

Abelhas do campo, abelhas da cidade

A prática da apicultura urbana é uma tendência crescente noutros países do Norte da Europa e nos Estados Unidos da América. Nos telhados e nos quintais destes países, as pessoas mantêm colmeias e vendem o mel que produzem.

Segundo a London Beekeepers Association (Associação de Apicultores de Londres) em 2014, havia, em Londres, 4218 colmeias registadas de 1400 apicultores. Hoje estima-se que há mais de 5 mil, mas é apenas uma estimativa porque muitos apicultores não registam as suas colmeias.

“As abelhas são essenciais. Cada vez mais há consciência disso. Para a agricultura e para os jardins das nossas cidades”

Artur Madeira

Em Lisboa, as abelhas não habitam muito perto das casas das pessoas. Segundo Artur, a apicultura urbana nos telhados ou nas varandas da capital é impraticável, porque a abelha ibérica, predominante em Portugal, é muito agressiva.

Vários estudos mostram que as abelhas são mais produtivas em meio urbano, mas as ibéricas são agressivas, daí que seja mais difícil levá-las para o centro de Lisboa, como acontece noutras cidades europeias e norte-americanas. Foto: Rita Ansone

A legislação portuguesa não autoriza que nenhum apiário esteja a menos de 100 metros de uma via pública ou de um edifício em utilização. Para evitar a rivalidade entre enxames, as distâncias entre apiários também são estabelecidas e divergem consoante o número de colmeias.

A apicultura urbana em Lisboa acaba por não ter muito de urbano, uma vez que grande parte da produção é feita no Parque de Monsanto, onde se concentram doze apicultores, entre os quais Artur. Mesmo assim, as abelhas tomam um papel crucial na polinização das nossas flores e culturas, quer seja no campo ou na cidade. 

“As abelhas são essenciais. Cada vez mais há consciência disso. Para a agricultura e para os jardins das nossas cidades”, comenta Artur. Se a agricultura urbana se tornar uma tendência na cidade de Lisboa, a apicultura será um excelente complemento.

A Sociedade dos Apicultores de Portugal é a associação portuguesa de apicultores mais antiga e está sediada em Lisboa. Em 2014, assinou um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa para cooperar com o Parque Florestal de Monsanto na divulgação e regulação da atividade apícola da área. É também responsável pela formação de apicultores, desenvolve cursos básicos de Introdução à apicultura e de Criação de Rainhas.

José Alcides Martins, membro da direção da SAP e também apicultor no Parque de Monsanto, explica que a adesão à apicultura, como tudo, tem fases, mas o número de apicultores na área urbana de Lisboa tem-se mantido, apesar das dificuldades. “Ao contrário do que acontece nos outros países, a nossa abelha é muito agressiva, o que impossibilita a produção na cidade, perto das casas das pessoas”, diz, confirmando a explicação de Artur Madeira.

Não é por acaso que a maioria dos apicultores lisboetas se localiza no Parque de Monsanto. “Sou apicultor em Monsanto e por haver tanta abundância e variedade de flores no parque acho que é um dos melhores sítios para se produzir mel”, diz Alcides Martins.

Embora haja abundância de flores, também há abundância de pessoas e o apicultor é o primeiro a reconhecer isso. “É um sítio crítico, porque cada vez há mais trilhos, o que atrai as pessoas. Na altura do maneio, as abelhas ficam instáveis”, o que pode ser perigoso.

A ameaça das vespas asiáticas

No apiário de Artur, as abelhas não parecem muito preocupadas com a nossa presença. Cheias de medo da vespa asiática, uma nova ameaça que assola os apicultores portugueses de norte a sul do país, não arriscam sair das colmeias. “Isto não é um apiário normal”, queixa-se Artur, “elas deviam estar a voar sobre as nossas cabeças”.

“Isto começou já há uns tempos no norte do país e, progressivamente, estendeu-se até ao sul. Este último ano tem sido catastrófico. Não sabemos a origem das vespas e não sabemos como fazê-las ir embora”, explica.

As vespas asiáticas comem as abelhas e ameaçam as suas colmeias. As pobres obreiras, com medo, não saem para ir buscar pólen. Sem pólen, não há mel, e sem mel morrem à fome. Artur lamenta o crescimento exponencial das vespas.

“O problema da vespa asiática é mundial”, revela Alcides. “É um problema sem cura”, explica. Garante que a SAP está a tentar difundir o máximo de informação sobre os procedimentos necessários para os apicultores diminuírem os danos.

“As autoridades têm sido muito prestáveis e nós apicultores estamos unidos para combatê-las. Sempre que vemos um ninho de vespas, chamamos a proteção civil para vir abatê-lo. Mesmo assim, elas são imensas. Vamos ver no que isto vai dar”, comenta Artur receoso com os tempos futuros. Os seus vizinhos apicultores sofrem do mesmo problema. São poucas as abelhas que nos apiários de Monsanto decidem levantar voo. 

Se olharmos com atenção, há abelhas na Praça Luís de Camões

Artur não tem medo de ser picado pelas abelhas, embora às vezes vá para casa com alguns inchaços. O seu avô era apicultor e em miúdo habituou-se logo à presença deste inseto. Na memória guarda a imagem dos cortiços e de outras técnicas mais rudimentares. Lembra-se da altura em que se extraía o mel e do fumo utilizado para atordoar as abelhas. Mas nunca se preocupou em aprender os conhecimentos do avô.  

Apesar de ter passado a infância perto de abelhas, uma vez que o seu avô era apicultor, só em adulto e já em Lisboa é que Artur Madeira decidiu aprender a “arte”, muito para estar mais perto da natureza. Foto: Rita Ansone

Só anos mais tarde, já em Lisboa, farto da cidade e com saudades da natureza, é que teve a ideia de continuar com o ofício. Até aí, apenas estava familiarizado com a atividade e nada sabia da técnica. Decidiu participar num curso online, na altura em que a aprendizagem no digital ainda não era habitual. Por Skype, um apicultor alentejano ensinou-o a formar uma colmeia, a extrair mel e a cuidar de um apiário.  

Há cerca de dois anos, Artur decidiu começar a marca LX Mel para cobrir os gastos que tem com a atividade. É através das redes sociais que promove e vende o mel de Lisboa. E garante que embora seja mel da cidade, é “puro”.

As suas abelhas andam por toda a cidade e extraem o pólen das plantas que, naquela determinada altura do ano, estão em flor. O seu apiário produz mel de várias flores durante o ano inteiro.

O voo das abelhas é um dos fascínios, a par da natureza, de Artur Madeira. E podemos vê-lo bem perto de nós, no meio da cidade, se estivermos atentos. Foto: Rita Ansone

Gosta de as observar e, no telefone, guarda um mapa, feito por si, que delimita a área de Lisboa até onde as suas abelhas se aventuram.

“Sou fascinado pela natureza. De ver o que acontece de estação para estação. A apicultura mantém-me atento a isso. É uma forma de me relacionar com a natureza na cidade”, explica. “Não é preciso ir até à Amazónia para a encontrar. Ela está em todo o lado, até nas nossas cidades”.

Embora as abelhas de Monsanto andem de flor em flor por toda a cidade, Artur pede que se fique atento à Praça Luís de Camões. “Se olharmos com atenção, ali na altura de maio, na Praça Luís Camões, vemos muitas abelhas. É por causa das tílias que nesse mês florescem”, explica. Sim, é possível encontrar natureza na cidade, basta olhar com mais atenção.  


* Salomé Rita está a estagiar na Mensagem. Nasceu e cresceu em Faro e há dois anos decidiu vir para Lisboa estudar esta necessidade que todos temos de comunicar. Sucessivos confinamentos e restrições afastaram-na da cidade, ainda se perde pelas ruas, mas é perdida na capital que encontra boas histórias para contar.

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3 Comentários

  1. Excelente reportagem embora ache que na última foto são captadas na lente duas vespas asiáticas e não duas abelhas. Vê-se perfeitamente pela cor amarela das patas e da cabeça. Um abraco, Artur.

  2. Magnífico trabalho Salomé. Tens imenso jeito para contar estórias com alma…

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