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“Aurora, o que é que estás aqui a fazer?”, pergunta uma jovem à outra, sentada à porta da Escola Secundária de Camões. A que passa, vem com pressa para começar mais um dia de aulas. A que está sentada no chão, antiga colega de escola da primeira, à entrada do liceu, está rodeada de cartazes com mensagens políticas. “Ora, estou a fazer greve”, responde como se toda a situação fosse normal e evidente.
Aurora Gomes está em greve, desde que as aulas começaram, e o seu apelo é simples e complexo: justiça climática. Desde que o ano letivo começou que a jovem se recusa a ir às aulas. Só tem mudado o cenário da greve: segunda-feira, esteve na Escola Profissional Metropolitana, esta quarta-feira, escolheu a Escola Secundária de Camões. Aurora quer chamar a atenção das pessoas para a “situação de urgência climática que estamos a viver”.
As pessoas, essas, entram e saem da Escola, algumas param, curiosas, para ver o que se passa. Muitos aproximam-se de Aurora e dos seus companheiros de greve, colocam questões, querem saber o que podem fazer também pelo clima. São professores, alunos e pais.

Aurora explica-lhes que vai faltar permanentemente às aulas até que 350 pessoas assinem o compromisso “Vamos Juntas”. Com ela estão três ativistas da Greve Climática Estudantil, responsáveis pela organização de toda a ação. Maria, Beatriz e Simão distribuem panfletos, asseguram que nada falta à grevista. E, nas horas mortas, até fazem malabarismo.
Dizem ter quase duzentas assinaturas. “Mas hoje devemos ultrapassar esse número, as pessoas estão muito interessadas”, diz Beatriz.
Contra a refinaria de Sines
A greve permanente foi organizada pela Greve Climática Estudantil de Lisboa, mas o compromisso “Vamos Juntas” refere uma ação que está a ser planeada pelo coletivo Climáximo. Quem assina este documento compromete-se a participar numa ação de desobediência civil que vai bloquear o acesso à refinaria de Sines, no dia 18 de novembro.
“Eu não quero chumbar”, diz Aurora. “Ao início nem estava muito certa se queria mesmo fazer isto. Depois pensei e concluí que tenho de pôr o futuro de todos nós primeiro, se quiser pensar no meu”.
A refinaria de Sines é a infraestrutura mais poluente de Portugal segundo o inventário nacional de emissões realizado pela Greve Climática Estudantil e pelo Climáximo no âmbito do Acordo de Glasgow. Os ativistas exigem o seu encerramento, de forma planeada e justa para garantir que todos os trabalhadores são reenquadrados noutros setores.
Se a greve durar mais de duas semanas, Aurora corre o risco de chumbar o ano. Mas isso, diz, é um “risco necessário”. Sobretudo tendo em conta a inação dos decisores políticos que colocam o futuro da sua geração em causa. Perante o futuro, o que é um ano escolar?
“Eu não quero chumbar”, diz. “Ao início nem estava muito certa se queria mesmo fazer isto. Depois concluí que tenho de pôr o futuro de todos nós primeiro, se quiser pensar no meu”.
“Eco-ansiedade”, um problema das gerações mais novas
Aurora tem dezassete anos, está na Escola Profissional da Orquestra Metropolitana a estudar música e sempre teve o sonho de ser uma violoncelista bem-sucedida. “Mas, ultimamente, tenho tido muita ansiedade”, desabafa. “O futuro não parece ser um sítio muito confortável para nós, por isso, achei que tinha mesmo de fazer alguma coisa”.

“Se não formos nós, não será ninguém”, foi a frase que os jovens manifestantes escolheram para pendurar nas grades das escolas onde se têm manifestado. Palavras que refletem aquilo que sentem: que está tudo nas mãos deles. Que a responsabilidade do desastre climático recai sobre a sua geração. E que o governo – todos os governos – só têm “promessas vazias”.
O inquérito “Young People’s Voices on Climate Anxiety, Government Betrayal and Moral Injury: a Global Phenomenon” (Vozes dos Jovens sobre a Ansiedade Climática, Traição Governamental e Lesões Morais: Um Fenómeno Global), realizado este ano em dez países diferentes, entre eles Portugal, verificou que mais de metade dos jovens acredita que a humanidade está condenada devido às alterações climáticas.
Os jovens portugueses revelam ser os mais preocupados a norte do globo.
Este sentimento geracional já tem um nome: “eco-ansiedade”. Um professor, à conversa com a ativista Maria Mesquita, revela que, depois de questionados numa das suas aulas, a maioria dos seus alunos considerou que o maior desafio que a humanidade vai enfrentar são as alterações climáticas.
Uma luta intergeracional e interseccional
Maria volta da conversa entusiasmada, acredita que quase convenceu o professor com quem estava a falar a juntar-se ao Climáximo. “Não acredito que o professor J. vai ser ativista”, comentam os alunos, reunidos à porta do liceu.
Jovens ou não, todos parecem estar cientes do problema. Os mais velhos revelam-se satisfeitos com a iniciativa e dispostos a ouvir o que estes jovens têm a dizer. Nenhuma das escolas teve problemas com a presença de Aurora. Os seus familiares e colegas estão todos a ser bastante solidários com a causa.

“Os meus pais sempre me disseram para eu lutar pelas coisas que são importantes para mim. Quando lhes falei disto, expliquei que era importante para mim. Eles compreenderam e só pediram que eu não ficasse muito atrasada na escola e que organizasse o estudo”, conta Aurora.
O telefone da grevista toca. É a avó, orgulhosa. Já falou com todos os amigos sobre a greve permanente que a neta está a fazer. Todos acham que para além de Aurora ser uma excelente violoncelista é também uma excelente cidadã. “Tenta convencer os teus amigos a assinarem o compromisso”, pede à avó. “Sei que são mais velhos, mas também podem vir”.
Esta luta é interseccional, esclarecem os panfletos que estão a ser distribuídos. Uma luta aberta a todas as pessoas – e que se relaciona com outras formas de injustiça e opressão pelas quais também é preciso lutar. Se antes só se erguia um punho no ar, agora erguem-se dois, cruzados numa alusão à interseccionalidade da causa. Nas redes sociais da Greve Climática Estudantil este símbolo está em muitos dos últimos posts.
As lutas políticas destes jovens também tomaram o espaço digital, com TikToks, stories e tweets.
Lisboa ainda não é uma capital verde
Em 2020, foi atribuída a Lisboa a distinção de Capital Verde Europeia. Maria Mesquita está na Greve Climática Estudantil desde 2019 e considera que “ainda falta fazer tudo” para tornar Lisboa uma cidade verdadeiramente verde.
“É preciso um plano sério. De requalificação dos transportes – a rede em Lisboa está superdegradada, é preciso eletrificá-la – e de requalificação dos edifícios, a nível energético e a nível de eficiência energética”, explica. “Depois, também há a questão do aeroporto do Montijo e a expansão do aeroporto da Portela, que são obviamente um não”, reforça.
O Plano de Ação Climática foi discutido no final do mandato do atual executivo: pode ser consultado aqui:
As primeiras manifestações políticas em Lisboa destes jovens foram incentivadas pelas greves realizadas por Greta Thunberg, em 2018. O coletivo da Greve Climática Estudantil começou um ano depois, numa sexta-feira de março, com a primeira greve às aulas que houve em Portugal.
Desde então, os estudantes têm feito ações, manifestos, vigílias pelo país e pelas ruas da capital, mas Maria Mesquita confessa que se perdeu a atenção inicial. “Na altura, tivemos muito palco mediático, agora até parece que passou um bocadinho de moda. Acho que foi porque as empresas se adaptaram, a narrativa deixou de ser o negacionismo para passar a ser o greenwashing. Dá-nos a ideia de que está tudo sob controlo, enquanto na verdade estamos cada vez mais perto do colapso climático”, avisa.
A primeira semana de greve permanente está perto do fim e já muitas assinaturas foram recolhidas. Aurora começou o seu protesto às portas da sua escola, seguiu para a ES de Camões e até ao final da semana pretende sentar-se à entrada da Escola António Arroio e da Escola Maria Amália.

Para cumprir a tradição, esta sexta-feira, dia 24 de setembro, vai haver uma manifestação dos estudantes às dez da manhã. Muitos vão faltar às aulas em solidariedade com Aurora e para pressionar o governo a agir. A mobilização vai ser a nível nacional, em Lisboa começa no jardim Amália Rodrigues.
Estes jovens estão dedicados à luta pelo clima e as suas vozes fazem-se ouvir nas ruas e nas redes sociais. No fundo, lutam pelo mesmo que muitos outros antes deles: pelo seu futuro.
* Salomé Rita está a estagiar na Mensagem. Nasceu e cresceu em Faro e há dois anos decidiu vir para Lisboa estudar esta necessidade que todos temos de comunicar. Sucessivos confinamentos e restrições afastaram-na da cidade, ainda se perde pelas ruas, mas é perdida na capital que encontra boas histórias para contar. Este artigo foi editado por Catarina Pires.
“Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”- Tenho a convicção que a luta dos jovens e menos jovens pela melhoria do clima irá colher os seus frutos num futuro próximo.
Excelente artigo. Parabéns.