“Hoje fazemos salada?”, pergunta Maria Manuela Ribeiro à Irmã Ana, as duas debruçadas sobre a alface e o pepino na banca da cozinha. Sim, faz-se salada, acordam as duas. “O prato é peixe frito”, conta Maria Manuela, já a descascar a alface.
Estamos no lar Jorbalán, uma das obras sociais da Fundação Madre Sacramento, espaço que acolhe temporariamente mulheres em situação de vulnerabilidade social. Por enquanto, não há utentes no lar, e só se ouvem, vindas da cozinha, as vozes da Irmã Ana e de Maria Manuela. “A Irmã Ana é a minha companheira de cozinha, orienta-me um pouquinho”, explica.

É que, contrariamente ao que se possa pensar, Maria Manuela não é cozinheira do lar Jorbalán. É, tal como denuncia a sua bata, uma “especialista” do programa 55+, um projeto imaginado por Elena Duran.
Há vida depois da reforma
Tudo começou com a simples constatação de que, hoje, vivemos mais. “E viver mais é um privilégio, não é um problema”, salienta Elena, espanhola natural de Jaén, cuja sensibilidade para o tema do envelhecimento foi despertada quando o pai se reformou. “O meu pai era diretor de uma escola, era uma pessoa muito envolvida socialmente”, recorda. “A paragem no trabalho causou uma grande preocupação em mim e no meu irmão”.

Assim, cedo Elena percebeu que havia um problema a resolver: o facto de muitas pessoas com mais de 55 anos estarem inativas, sem poderem contribuir para a sua comunidade, por terem ficado sem emprego ou entrado na reforma.
A viver em Portugal desde 2009 (e absolutamente apaixonada pela cidade de Lisboa), foi em 2018 que finalmente começou a concretizar o plano idealizado. “Foi um processo difícil, e continua a ser. No início, havia as barreiras da burocracia, das contas, tudo o que é preciso para criar uma entidade, para encontrar os parceiros…”.
Mas hoje são já cerca de 2000 os inscritos no programa 55+, especialistas que podem prestar um conjunto de serviços: cozinha, costura, pet care, pet sitting, apoio a seniores, jardinagem, eletricidade, canalização, bricolage, limpezas, engomadoria, aulas de música, apoio familiar a crianças e aulas de línguas.
“Quando se inscrevem, os especialistas conhecem qual é o valor que se cobra, por hora, por cada um dos serviços. Na operação, acrescentamos uma taxa que ronda os 20% para a associação, que é quase um donativo para que consigamos algum rendimento”, explicita Elena.

Há dois anos, Maria Manuela (que já estava há três na pré-reforma) ouviu falar do programa 55+ na televisão. “Achei engraçado, e perguntei-me o que é que sabia fazer”. Desde que deixara a área dos seguros, habituara-se a cozinhar mais, pelo que decidiu inscrever-se para realizar serviços de cozinha. “Inscrevi-me e, passado duas semanas, tinha um serviço para cozinhar para estrangeiros”.
Maria Manuela faz uma pausa, como quem recorda uma batalha difícil. “Eu fiquei cheia de medo, mas arrisquei. Arrisquei e correu bem”, acaba por dizer com um sorriso.
“Este é um programa muito bem-vindo”

Numa primeira fase, tal como esclarece Elena, os especialistas são avaliados, ao realizarem serviços para clientes de confiança, de forma a garantir-se que possuem o “conhecimento e a técnica” necessárias. De facto, Maria Manuela não só foi aprovada como cozinheira por famílias e até mesmo turistas, como agora também realiza outros serviços, como o babysitting.
Entretanto, regressou à cozinha do lar Jorbalán, tal como já acontecera no ano passado. “Aqui o ambiente é muito familiar, conhecem-se as pessoas e estamos muito à-vontade”, descreve. E todos à sua volta reconhecem o mérito do seu trabalho. “A dona Manuela tem sido uma ajuda ótima”, diz Laura Freitas, assistente social, “É uma pessoa muito atenta, os miúdos gostam muito dela, é muito cooperante”.

O grande desafio tem sido cozinhar diferentes ementas, já que há utentes vegetarianas e utentes que não comem carne de porco. “Ontem foram três pratos diferentes”, comenta Maria Manuela. Mesmo assim, até agora cozinhar para turistas foi o mais difícil, explica. “É uma aventura”, especialmente porque fala pouco inglês.
Para Maria Manuela, esta está a ser uma verdadeira caminhada, que não só lhe permitiu sair da sua zona de conforto, como também conhecer a sua própria cidade, Lisboa, que durante tantos anos se limitava à sua casa e à empresa onde trabalhava no Marquês do Pombal.
Assim que entrara na pré-reforma, estivera três anos a tomar conta dos netos, “a achar que aquilo chegava, que estava preenchida para o resto da vida…”, mas rapidamente percebeu que não seria sempre assim. “Depois os netos começaram a ir para a escola, não precisavam tanto da minha companhia e o tempo sobrava…”. E foi o programa 55+ que lhe permitiu abrir novos horizontes e fazer do tempo seu aliado.

Tal como Maria Manuela, também André Salgado se sente realizado com a sua nova vida.
Natural de São Paulo, no Brasil, veio para Portugal há dois anos. “Foi uma escolha para tentar dar uma vida melhor às minhas filhas”, explicita. Engenheiro químico reformado, começou a trabalhar na área da bricolage para plataformas semelhantes ao programa 55+.
Com a 55+, já trabalha há nove meses, e faz sobretudo serviços de colocação de varões e candeeiros, assim como instalações elétricas. “Eu sempre fui bom com as habilidades manuais”, diz. “Aliás, a minha mulher gosta muito de mudar a casa. Casou com alguém que faz tudo: montar, desmontar…”.
Agora, já não consegue imaginar a sua vida sem os berbequins e as chaves de fendas, que transporta de um lado para o outro na sua carrinha. “Gosto de trabalhar com os clientes, de deixar os outros felizes”, diz. “O programa funciona bem, os colegas de trabalho são simpáticos, estão dispostos a ajudar. É um projeto muito bem-vindo”.

Entretanto, Elena Duran pretende alargar o programa a mais territórios de Portugal, depois de, no ano passado, ter chegado à Área Metropolitana do Porto e a Aveiro. Em paralelo, quer ainda prosseguir com a realização de convívios, em que os especialistas dão formações da sua área a outros colegas.
O objetivo, claro, continua sempre o mesmo: proporcionar uma vida ativa a todos aqueles com mais de 55 anos de idade, dando-lhes propósitos, como aconteceu com Maria Manuela e André, que se redescobriram nesta nova jornada, através dos cozinhados e do trabalho com as ferramentas.
* Ana da Cunha nasceu no Porto, há 24 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna.
MUITO INTERESSANTE O TRABALHO DE VOCÊS, POR COLOCAR OS IDOSOS COM MAIS DE 55 ANOS TRABALHAR NAQUILO QUE OS DEIXA ATIVOS, POIS O APOSENTADO, NOS DIAS DE HOJE, AINDA TÊM MUITO GÁS PARA QUEIMAR.
ANDRÉ É MEU SOBRINHO É GRAÇAS A DEUS SE ENCONTROU NESSA EMPRESA.
Parabéns André!!
Motivação não tem idade!!