Em todas as eleições, para as várias instâncias do poder nacional, a associação de defesa dos consumidores DECO apresenta um caderno reivindicativo, uma Agenda do Consumidor, documento elaborado com base nas reclamações dos cidadãos. São quatro as recomendações para os municípios de todo o país: habitação, emergência climática, transição digital e proteção contra a vulnerabilidade económica.
Em Lisboa, as preocupações da associação para as autárquicas de 26 de setembro prendem-se com a proteção do arrendatário e a criação de serviços mais inclusivos. O poder local deve agir na regulação do mercado de arrendamento e na capacitação digital dos cidadãos mais vulneráveis no acesso aos serviços, destaca a associação.
Um Plano Municipal para a Transição Digital
A nível nacional, a DECO propõe a criação de um Plano Municipal para a Transição Digital em todas as autarquias que torne possível operar a transição de forma a promover a coesão territorial. “Quando falamos em transição digital, é preciso compreender que nem todos vão transitar”, explica Paulo Fonseca, coordenador do departamento jurídico da DECO.
“Por exemplo, Lisboa é uma incubadora de novas experiências, onde primeiro surgem os grandes problemas e as grandes soluções” para o país. O cenário para a transição digital não é exceção, e o município está na linha da frente a nível nacional para a disponibilização dos serviços online – um movimento acelerado pela pandemia.

A preocupação da associação para a capital dirige-se aos consumidores sem acesso aos meios informáticos ou para quem a literacia digital é baixa, ao contrário de outras autarquias do país. “Os que não têm capacidade ou literacia para aceder aos meios digitais são muitas vezes os consumidores mais vulneráveis”, acrescenta Paulo Fonseca. Para estes, faltam linhas de apoio e estratégias de aproximação.
É possível fazer mais e melhor, aponta a associação. Para uma transição digital equitativa dos serviços, é necessário, de antemão, o acesso à internet em condições. O jurídico da DECO destaca a importância da continuação da expansão da rede Wi-fi de acesso público na cidade, para a comunidade escolar e em pontos de acesso local.
Emergência climática deveria ser prioridade das autarquias
Uma estratégia municipal para o clima, proposta da associação para a maioria dos municípios portugueses nas próximas autárquicas, já existe em Lisboa desde 2017. O executivo camarário elaborou entretanto o Plano de Ação Climática para redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2030 e outras ações de resiliência.
No entanto, diz a DECO, “faltam relatórios de impacto das estratégias” e “análises de impacto”, nesta como noutras frentes, destaca Paulo Fonseca. “É necessário colocar em prática o princípio da transparência” e acompanhar, mais consistentemente e em diálogo com o público, as iniciativas geradas pela autarquia, aponta o coordenador.

Para tornar a participação do consumidor na mitigação das alterações climáticas mais justa e eficaz, a DECO propõe uma mudança na gestão de resíduos, com a desindexação das tarifas de resíduos ao consumo da água e a alocação da mesma ao desperdício em sólidos. Isto é: quem fizer menos lixo, paga menos. E não quem gastar menos água.
No entanto, a aplicação do princípio poluidor-pagador é um desafio em Lisboa, onde há sistemas mistos de recolha do lixo que dificultam a contabilização do desperdício individual. Ainda assim, garante a associação, há alternativas viáveis para contornar o problema e inúmeros bons exemplos no estrangeiro.
Outras das medidas do eixo climático propostas pela DECO incluem a contribuição local para o fomento das energias renováveis, com a instalação de painéis fotovoltaicos; o combate à pobreza energética, principalmente em habitação social e o incentivo municipal às hortas comunitárias, de iniciativa cidadã.
Habitação é o grande desafio na cidade
Nas questões ligadas à habitação, eixo prioritário, a DECO considera que é necessário colocar em primeiro lugar a proteção do consumidor-arrendatário. Para isso, diz, a Câmara Municipal de Lisboa deve intervir no mercado de arrendamento de forma a conseguir mais habitação para a classe média, a preços acessíveis. Isso só será possível com uma regulação mais exigente do mercado, segundo a DECO.
O estabelecimento de “requisitos mínimos para arrendamento de um imóvel” e de “tetos de preço máximos” são duas medidas destacadas por Paulo Fonseca para a capital. “Por um lado, é preciso potenciar o mercado da compra acessível e, por outro, o mercado do arrendamento responsável.”
É no âmbito da resolução de conflitos que a DECO nota a falta de atenção do poder local sobre a habitação. “A DECO resolve muitos conflitos na área de habitação, mas não existe nenhum serviço local para a resolução dos mesmos”. A situação agravou-se com a pandemia, com a legislação de proteção do morador contra a ação de despejo a fazer chegar dúvidas e histórias difíceis às linhas de apoio da DECO.

A associação destaca ainda a necessidade de uma maior fiscalização das condições habitacionais na cidade e propõe a criação de uma plataforma de apoio online bilíngue, para proteção dos consumidores pertencentes a comunidades migrantes, consideradas mais vulneráveis. “Com barreiras linguísticas e culturais, [os migrantes] podem não entender totalmente as condições dos contratos que assinam”, ressalva Paulo Fonseca.
Consumidores economicamente vulneráveis mais expostos pela pandemia
Para a proteção dos consumidores mais vulneráveis, a DECO propõe a criação de programas locais de capacitação financeira pelo executivo que sairá das próximas eleições. O apoio das juntas de freguesia para ajuda, inclusive burocrática, em situações de endividamento, é outra prioridade.
Já existem, neste âmbito, iniciativas locais, algumas delas saídas de propostas de Orçamentos Participativos. “Isso é o problema com os projetos locais, que têm uma função, mas também um princípio e um fim. Estas medidas para serem eficazes têm de ser institucionalizadas. Há muito a fazer em Lisboa para que a cidade não pareça uma manta de retalhos.”
Ainda para proteção de situações de carência económica, a DECO propõe o reforço do fundo local de emergência social. “Os consumidores vão continuar a viver em situações de carência, mesmo que não cumpram com os requisitos de rendimento mínimo [para o receber]”.
A DECO já comunicou as suas propostas aos candidatos das várias autarquias do país.
Para compreender os órgãos que vão a votos e as suas competências, consulte o guia da Mensagem para as eleições.
* Luzia Lambuça é vilafranquense de coração e lisboeta por opção. É estudante de Ciências da Comunicação na FCSH-UL e está a estagiar na Mensagem de Lisboa. Este texto foi editado por Catarina Pires