Receba a nossa newsletter com as histórias de Lisboa 🙂

Antes de Marvila ser um hotspot de Lisboa – a novidade não tem sequer uma década –, já Bruno Pereira olhava para esse bairro, na parte oriental da cidade, com espanto.
O ar despojado e industrial da zona, as paredes altas e vazias dos antigos armazéns da Abel Pereira da Fonseca – o império vinícola do empresário chegou a ocupar quase um quarteirão inteiro no centro do bairro – andavam a germinar ideias na cabeça do criativo.
Imagine-se uma exposição ao ar livre nestas paredes tão altas, imagine-se Marvila, freguesia à qual pertence o bairro de Chelas, a ser o novo centro cultural da cidade, pensou.
Bruno Pereira não estava, no entanto, sozinho. Vários artistas tinham escolhido a zona para ali plantarem galerias de arte, precisamente nos antigos armazéns de vinho – espaços amplos a preços, à época, mais em conta do quem em outras áreas da capital.
Foi o caso do Todos – um hub que nasceu em 2013 e que aloja dezenas de criativos num armazém recuperado, ou da Galeria Underdogs, projeto inciado por Vhils, que fez de Marvila o seu quartel.
Todo este fervor artístico permanecia escondido até há seis anos, garante Bruno. “Ninguém daqui, nem os locais, sabia sequer que existiam tantas galerias no bairro.” E ele continuava com aquela ideia de olhar para as paredes.
“Sempre gostei de pósteres e achei que este era o lugar ideal para fazermos uma exposição ar livre”, recorda.
Com o Departamento, projeto de divulgação cultural e artística que integra, avançou para uma exposição que ocupa paredes nuas. Bruno queria muito ver gente a ocupá-las com ideias. Não só ilustradores, mas também street artists, arquitetos, fotógrafos, músicos, escritores, chefs e até… porque não? …futebolistas.
“São sempre 20 os convidados diretos. Este ano convidei o [Ricardo] Quaresma – gosto da rebeldia dele. A minha curadoria é esta: tento sempre ir buscar pessoas que eu acho que têm coisas a dizer, não é uma curadoria temática. No Poster não há tema. O que eu digo aos convidados é: `Tens um póster na parede, fala para o mundo`”.

O Poster Mostra – assim foi batizada a exposição – vai já na 6ª edição e junta “talentos consagrados, emergentes e rostos improváveis”. Este ano são 40 as obras expostas ao longo das paredes da Rua do Açúcar, do Largo do Poço do Bispo e da Rua Amorim (Rua @sandemanporto) até ao dia 3 de setembro.
Desde a primeira edição, em 2015, a exposição foi ganhando notoriedade, mudando de duração – de um para três meses – e até os pósteres aumentaram de tamanho: “Já eram grandes, mas naquelas paredes enormes ficavam pequenos”, recorda o curador da mostra.
O dia da inauguração era, também, dia de festa. “Todos os espaços ficavam abertos, os cafés e restaurantes… Fazíamos um circuito que passava pela Musa, pelo Dois Corvos, pela Lince. Havia sempre programação, com concertos e workshops. Era uma espécie de Open Day de Marvila”, lembra-se, a gerir saudades de um tempo recente, mas que parece outra era.
Foi assim até à pandemia – nos últimos dois anos só as paredes se animam, toda a restante atividade cultural está suspensa. Bruno Pereira também se lembra que na última mostra, antes de a cidade se fechar em casa, estavam 500 pessoas na rua e o circuito do Poster Mostra ocupava dois quilómetros do bairro. E se nas primeiras edições os moradores da freguesia estranhavam o rodopio de gente na rua e as imagens gigantes nas paredes, nos últimos anos, já eram eles quem perguntavam: “este ano também há pósteres”. Até agora, a resposta tem sido “sim”.
Além dos convidados, a exposição abre candidaturas a quem queira participar. Chama-se Open Call e para Bruno Pereira é um momento de sentimentos contraditórios. “Já chegámos a receber 200 candidaturas. Costumo dizer que é o dia mais feliz do Poster e o dia menos feliz para mim, uma vez que tenho de os selecionar”.
No entanto, os que não são selecionados para ocupar as paredes, são integrados numa exposição interior no Clube Oriental – nos últimos dois anos de pandemia, a mostra passou a ser digital.
Pósteres inesquecíveis
Como pai da mostra pública, Bruno não tem filhos preferidos, mas recorda conquistas difíceis. “Havia um póster que eu procurava desde a primeira edição – com assinatura da Helena Almeida. Só o consegui na quarta ou quinta edição”, diz. “Foi um marco, porque é uma das melhores artistas da história portuguesa”.
A exposição, tal como um bom vinho, também precisou de maturar. “O Poster teve de ganhar consagração. Hoje em dia temos pósteres de artistas que estão expostos no NOMA”. Bruno, que também é designer, nunca colaborou com um póster seu. “Aqui sou só curador, nunca tive essa tentação”, diz.
Mas a mostra não é só para graúdos. Em cada edição (a exceção são os últimos dois), houve o Mini Poster, onde vários artistas faziam workshops com crianças e os mais pequenos tinham mesmo uma exposição à sua medida. Em tempo de covid, também esta parte da mostra ficou em stand-by.

Em 2021, a grande novidade foi a conquista de um patrocinador de peso – a Sandeman, também este um sonho antigo de Bruno Pereira. “Tal como para muitos da minha geração, a figura do Don ao longo das estradas portuguesas, é um marco”. O ícone da marca de vinhos do Porto, fundada em 1790, é um homem vestido com uma capa negra de estudante e um chapéu espanhol.
Nesta edição houve uma Open Call apenas para pósteres ligados à marca: os três vencedores estão expostos na Rua Sandeman, o nome temporário da Rua Amorim enquanto durar a exposição.
E depois da publicidade?
Quem hoje passa por Marvila – ou melhor, antes da pandemia obrigar a contenção social – com as ruas cheias de gente, o bairro transformado numa espécie de Meca hipster da cidade, não se pode lembrar daquilo que Bruno Pereira conta ainda com alguma incredulidade.
“Na primeira edição do Poster havia jornalistas que nem sabiam onde isto ficava, ou que tinham medo de aqui vir”, conta. Marvila mudou e está de novo a caminho de uma nova fase. Para o curador do Poster Mostra, não são boas notícias.
“A gentrificação também aqui chegou. Acho que daqui a cinco anos Marvila será uma nova Expo – vai perder identidade”. Sinais disso são as construções para classe média-alta que já avançam em frente ao rio, e mesmo nos armazéns de vinho – os preços das casas a disparar, os armazéns que os artistas descobriram a bom preço e que agora são uma raridade.
Alguns dos pósteres desta e de outras edições, à venda:




A “Marvila Praia” – comos os locais lhe chamam, a zona mais próxima do Tejo e onde o Poster enche paredes há seis anos -, está distante de Chelas, mas é o mesmo bairro. Mas se um tem gente lá dentro, também esta zona típica da capital começa a esvaziar-se de pessoas nascidas e criadas num lugar que ficará sempre a dever aos artistas a sua improvável notoriedade.
* A exposição pode ser vista nas paredes até dia 3 de setembro. Os pósteres também podem ser comprados aqui.

Paula Freitas Ferreira
Nasceu em Moçambique e viveu em muitas cidades até chegar a casa, Lisboa. Acredita que os lugares são impossíveis de contar sem ouvir as pessoas e as suas histórias. É jornalista desde o ano 2000 e passou pelas redações do 24horas, Sábado e Diário de Notícias. Colaborou com a Notícias Magazine e escreveu três livros.
Cara Paula Freitas Ferreira
Fiquei a conhecer o seu trabalho como jornalista por esta mensagem a Lisboa e tenho acompanhado com atenção. Adoro a forma como reporta. Receba os meus parabéns, eu que sou uma amante da imprensa escrita fiquei a conhecer mais uma jornalista de mão cheia.
Um abraço.
Ulika
Muito obrigada Ulika. Acompanhe-me (nos) sempre. Devolvo o abraço.
PFF