Dinah Mendonça Poeta Alvalade Biblioteca Coruchéus
Foto: Líbia Florentino

Receba a nossa newsletter com as histórias de Lisboa 🙂

A processar…
Feito! Obrigado pelo seu interesse.

Enquanto Lisboa confinava em meados de março e abril, uma senhora de 82 anos, grupo de risco, portanto, caminhava tranquilamente por uma deserta Alvalade. Não era um mero passeio higiénico: ela andava à procura de poesia. “Não era nada perigoso, pois não havia ninguém nas ruas”, garante Dinah Mendonça, a caçadora de poetas de um bairro conhecido por homenagear a rua com os nomes de quem enxergou a vida através de estrofes e versos.

A temporada de caça aos poetas de Dinah começara em 2019, quando a antiga funcionária da já extinta Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL) passou a frequentar os encontros semanais do programa Vidas e Memórias do Bairro, na Biblioteca dos Coruchéus, situada num palacete numa zona pacata, um oásis de paz entre as frenéticas avenidas da República, de Roma e dos Estados Unidos da América.

Um edital de 1948 da Câmara de Lisboa deu a várias ruas de Alvalade o nome de poetas. Foto: Líbia Florentino

O trecho é cercado também por um conjunto de 38 ruas com nomes de poetas, o que chamou a atenção de Dinah. A começar pela via da biblioteca, Alberto de Oliveira, um escritor desconhecido dela, leitora de poesia desde os tempos de estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Curiosa, Dinah foi pesquisar pelos poemas do autor, ainda sem saber que começava a puxar o fio de uma meada.

A curiosidade transformou-se numa missão durante o confinamento imposto pela pandemia. Sem as reuniões semanais nos Coruchéus, Dinah viu na pesquisa sobre os poetas do bairro uma oportunidade de se manter ativa. “Tínhamos feito um curso de informática lá mesmo, na biblioteca, e aprendi a ir na internet. Descobri os poemas em texto, mas também os vídeos de vários artistas a recitá-los”, conta Dinah, simpática, dona de um sorriso constante e igualmente poético.

Dinah aproveitou-se das ruas desertas durante a pandemia para tranquilas incursões de campo. Na companhia de um dos novos colegas dos encontros na biblioteca, João Peral – responsável pelo registo através de um telemóvel das imagens das placas com os nomes dos escritores nas ruas – fez um mapeamento poético das 19 ruas circunvizinhas ao Coruchéus.

“Isto dava um trabalho, mas ao mesmo tempo, distraía-me”

Dinah Mendonça

Na pesquisa, Dinah descobriu que nem sempre as ruas do bairro tiveram o privilégio de ostentarem nomes de poetas. Até à primeira metade do século passado, as vias eram distinguidas monotonamente por números, de 1 a 19. Com a aquisição da antiga Quinta dos Coruchéus, em 1945, a Câmara Municipal de Lisboa se propôs a um reordenamento da zona e um edital de 1948 renomeou os arruamentos dos então grupo 1 e 2 da avenida da Igreja, dando, literalmente, mais poesia à zona.

Cartões postais e recital

O edital com a lista das ruas com os novos nomes serviu de ponto de partida da diletante caçada de Dinah. O propósito era escolher entre as obras dos poetas, alguns conhecidos, como Fernando Pessoa e Florbela Espanca, e outros nem tanto, como Eduardo Vidal e Antónia Pusich, um poema que de alguma forma representasse a morada que os homenageava. “Isto dava um trabalho, mas ao mesmo tempo, distraía-me”, resume.

Placidamente sentada à varanda do palacete, rodeada por azulejos do século XVII, Dinah diz que a intenção agora é divulgar, em conjunto com a biblioteca dos Coruchéus, as suas memórias literárias-afetivas, ilustradas com as fotografias do telemóvel do companheiro de caçada.

Em princípio, a publicação teria data em 21 de março , no Dia Mundial da Poesia, ou em 23 de abril, no aniversário da biblioteca.

A coordenadora do projeto Vidas e Memórias do Bairro nos Coruchéus, a socióloga Elisabete Santa Bárbara, explica que a intenção é “publicar” os poemas escolhidos por Dinah e as fotografias de João Peral em forma de cartões postais. Ao todo, estima que 10 mil postais serão entregues aos moradores de poéticas ruas de Alvalade.

Apesar da confecção de 38 postais, apenas 36 deles serão deixados à porta dos fregueses de Alvalade, visto que duas das ruas que ostentam nomes de poetas, José Régio e José Gomes Ferreira, curiosamente, são vias exclusivas exclusivamente destinadas ao tráfego de veículos. Mesmo assim, o projeto não vai deixar de homenageá-los e farão parte do acervo de caça de Dinah.

“A ideia é que o morador receba em casa o postal com uma biografia e um poema do poeta que dá nome à sua rua”, detalha Elisabete. Junto com a correspondência, a sugestão que o residente grave um vídeo a recitar o poema recebido e o envie para a biblioteca, a fim de que o texto ganhe vida na voz de cada um deles.

Analógica ou digital, a indefinição estende-se também ao número de escritores na publicação. Durante a pesquisa, Dinah descobriu que o bairro é mais “poético” do que imaginava. “Identificamos que há outras ruas com nomes de autores na freguesia”, conta, respirando fundo ao pensar no trabalho que terá pela frente com uma futura temporada de caça aos poetas em Alvalade.  


Álvaro Filho

Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.

alvaro@amensagem.pt

Entre na conversa

15 Comentários

  1. Que excelente iniciativa da Dinah Mendonça! Realmente uma boa ideia esta da “caça” solitária. Se os fregueses aderirem ao solicitado, teremos um vídeo bastante interessante. Parabéns!

  2. Parabéns, Dinah!! Sou a Didi, filha da Fernanda. Sei que me conheceu antes de eu ter nascido 😊

  3. Muitos, muitos parabéns e um Grande, Enorme OBRIGADA pela recolha, pela escolha, pelas fotos, pela dedicação e pelo AMOR dedicado a POESIA, aos POETAS e a NÓS residentes no BAIRRO.

  4. Muitos, muitos parabéns para a Dinah pelo seu fabuloso trabalho, pela corajosa e ambiciosa participação no projecto “Vidas e memórias de bairro” de Alvalade
    através da Poesia, recolhendo, selecionando, e fazendo acompanhar os poemas dos Poetas de Alvalade, de belas fotografias do João Peral. Muito Obrigada a ambos.

  5. Dinah, que bom este projecto estar a dar frutos vizíveis. É uma alegria estarmos englobados num projecto tão interessante. PARABÉNS pelo trabalho realizado.

  6. Uma excelente ideia que, deveria ser alargada a todas as freguesias. Seria um bom programa que ocuparia pessoas que sentem que não estão a ser úteis e poderiam ter a supervisão de outras que tendo mais conhecimentos académicos poderiam ajudar a não serem cometidas erros que poderiam vir a prejudicar a ideia tão tão boa! E honraríamos os nossos grandes e como ajudaríamos toda a população a melhorar os seus conhecimentos ou a relembrar o que esquecemos ao longo de uma vida de trabalho. Útil sério e amigo do nosso próximo este projecto! Só alarga-lo sem criar uma, mais uma (!) comissão que só atrasa o progresso. Ideia é experiência já temos, agora mãos à obra! Obrigada!!! Uma portuguesa entusiasmada!

  7. Interessantíssima esta iniciativa!
    Seria um bom exemplo a seguir pelas outras freguesias de Lisboa.
    Cada vez tenho mais pena de não viver em Alvalade! – resta-me viver Alvalade sempre que me é possível.

  8. Dinah, que bela e interessante ideia mas… mesmo igual a ti! Uma cabecinha sempre a produzir ( só que agora coberta por um cabelo bem mais comprido!) e o sorriso sempre o mesmo ! Um beijinho e parabéns !

  9. Antónia Pusich não era poeta, mas foi a primeira mulher jornalista a assinar com o seu nome, i.e. no feminino.
    Vivo na Rua Afonso Lopes Vieira, esse sim um poeta que viajou pelo mundo e fez correr a tinta de Fernando Pessoa que muito o criticou.
    Somos vizinhas? Se sim, é um prazer! 🙂

  10. Encontrei este artigo por um acaso no Facebook e estou encantada, envio os meus parabéns a Dinah por esta iniciativa. Gostaria de saber se é possível transformar em panfleto uma rota com as ruas com os nomes dos nossos poetas para que se possa fazer uma visita. Obrigada

  11. Teresa – Que surpresa agradável ao encontrar o teu comentário! Recordei assim os bons tempos em que trabalhámos em gabinetes um mesmo ao lado do outro. Obrigada pelas tuas palavras. – Um beijinho recheado de “poesia” e felicidades para essa grande família.

  12. Obrigada, Cidália! Nunca pensei que esta ideia me viesse a dar tanto prazer. Um abraço “recheado de poesia”.

  13. Bom dia, obrigado pela ideia e concretização da pesquiza sobre os poetas que emolduram as ruas do nosso bairro.
    Agora está lançada a primeira fase de um trabalho que pode ser complementado, com roteiro e visitas, a divulgação da obra dos têm laços de vizinhança, enfim….o Mundo por descobrir ! Bem Haja !

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *