Mauro Wah foi o último a fechar a porta. Do lado de lá, estava já a saudade de um “bairro de barracas”, como o resto da cidade lhe chamava. Para ele, era apenas a Pailepa, a Quinta da Pailepa (hoje freguesia de Santa Clara), para onde foi morar ainda criança, vindo de Moçambique para junto da avó, a costureira conhecida pela arte também na cozinha e cujas mãos ajudaram à receita de ali cozinhar uma comunidade unida.

O bairro seria abatido por bulldozers não tardaria, tal como estava a acontecer já com tantos bairros espalhados pela Área Metropolitana de Lisboa – e do Porto. E aquelas famílias seriam realojadas em novos bairros municipais. Ele mora hoje no PER 11, em Santa Clara.

A alguns quilómetros, Cátia, Ibrahim e Maimuna já esperavam viver a mesma sina, no bairro 6 de maio, na Amadora. Mas essa história ainda hoje está por terminar e se resolver, e por isso fazem parte de um grupo chamado “os despejados do PER”.

A revolução que contam começou em 1993, quando um decreto-lei implementou o chamado Programa Especial de Realojamento (PER), considerado o maior programa público de habitação alguma vez concretizado no país desde que Portugal abriu portas à democracia. Foi desenhado com um propósito específico: erradicar as chamadas barracas, bairros de autoconstrução, que se tinham proliferado nos últimos anos. Só na capital, em 1993, havia mais de 37 mil pessoas a viver em casas precárias – mais de 10 mil barracas.

Explore o mapa dos núcleos de autoconstrução que existiam e os novos bairros municipais criados na AML, através do projeto PER Atlas da Universidade de Lisboa: aqui

No próximo dia 29 de maio, a Mensagem lança o primeiro de três episódios da 3.ª temporada da série documental “Cidades para quem?”, dedicada aos 30 anos desde o PER. Uma série criada no ano passado e que escrutina como o planeamento urbano (ou a falta dele) na Área Metropolitana de Lisboa influencia a vida de milhares que nela vivem e trabalham.

Feitas as contas, a Câmara Municipal de Lisboa entregou 9135 habitações municipais para 8598 famílias em bairros municipais, num investimento que representou mais de 600 milhões de euros. E terá significado uma revolução no modus operandi das câmaras municipais envolvidas, lembra Isabel Guerra, investigadora em sociologia urbana e políticas de habitação: habituadas a não contar com assistentes sociais ou arquitetos nos recursos humanos, a presença destas áreas nas autarquias passou a ser perentória.

Mas o PER não prometia só um teto. De certa forma, prometeu uma outra revolução, o estagnar do ciclo de pobreza e de iletracia no seio de muitas famílias. Como se com o fechar da nova porta a pobreza já não fosse transitar de gerações em gerações, recorda António Brito Guterres, assistente social e investigador no Dinâmia-Cet ISCTE-IUL.

E isso não aconteceu – remata.

Passados 30 anos desde a implementação do PER, o que é feito desta comunidade? E que propósito cumpriu realmente o PER? O que faz Iara Varela, de 18 anos, querer mais e melhor para o PER 7, onde vive? E por que razão é que para ela este bairro nunca foi o PER 7, mas o “bairro da Quinta Grande”, como era o das barracas que ela nunca chegou a conhecer?

Conheça as personagens desta história:

Estas são as histórias contadas no na 3.ª temporada da série documental da Mensagem. Uma oportunidade para questionarmos: “Cidades para quem?”, a pergunta que deu nome à série.

A presente temporada foi produzida pelas jornalistas Catarina Reis e Inês Leote.

Assista aqui ao trailer:

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