Depois de um primeiro casamento na juventude que pouco durou – e de alguns relacionamentos que acabaram por não vingar –, Amália apaixonou-se aos 40 anos por César Seabra, um engenheiro radicado no Brasil, com quem namorou mais de meia dúzia de anos até se casarem no Consulado do Rio de Janeiro, em 26 de Abril de 1961.
Politicamente, podemos dizer que esse foi “o ano de todos os perigos” para o regime de Salazar: é em 1961 que se inicia a Guerra Colonial na sequência de um massacre perpetrado no Norte de Angola contra colonos portugueses; que o exército da União Indiana invade as possessões portuguesas na Índia, num conflito que terá consequências humilhantes para o País; que se descobre que o Ministro da Defesa Botelho Moniz planeia um golpe de Estado; que oito presos políticos, militantes do Partido Comunista, conseguem fugir do Forte de Peniche (o que dará mais tarde origem ao fado Abandono, com letra de David Mourão-Ferreira); que o paquete Santa Maria é desviado em alto mar por Henrique Galvão, que o leva até ao Brasil, onde pede asilo político.
E as coisas não acabam aqui, porque o casamento da grande diva do fado – embora pudesse parecer coisa fútil ao pé dos reveses atrás descritos – também sacudiu de algum modo a Nação, até porque havia a hipótese de Amália Rodrigues desistir da carreira e ficar a viver para sempre em Copacabana.
Mas o perigo nem era só esse. Sabia-se em Lisboa que César Seabra era um grande defensor da liberdade de expressão (e ele não tinha, de facto, intenções de deixar a sua vida no Rio); mas mais preocupante era o facto de ser amigo íntimo do citado Henrique Galvão e de se relacionar com vários outros oposicionistas que se encontravam então exilados no Brasil – entre os quais o General sem Medo, que ali viveu entre 1959 e 1961 e a quem Amália chegou a ser apresentada –, desconfiando-se até de que Seabra financiava acções contra a ditadura portuguesa.
Amália contaria mais tarde ao seu biógrafo, Vítor Pavão dos Santos, que, embora tivesse equacionado a hipótese de ficar a viver definitivamente no Brasil com o marido, a circunstância de, pouco depois, ter conhecido Alain Oulman e as suas composições que revolucionariam o fado a fez convencer César Seabra a estabelecer-se em Lisboa – o que ele acabou por aceitar, mesmo sabendo que por certo seria vigiado de perto pela PIDE.
No entanto, e apesar de manter as suas ligações à oposição, que se saiba, nunca foi detido ou interrogado pela polícia política, ao contrário do que aconteceu ao pobre Alain Oulman que, em 1966, foi encarcerado no Forte de Caxias, suspeito de pertencer a uma organização maoista, a Frente de Acção Popular – o que, além de não ser verdade, o levou a abandonar Portugal.
Parece que César Seabra nunca se interessou absolutamente nada pela carreira de Amália, que contava, com graça, que para o marido a música eram “barulhos” e que do que ele gostava mesmo era de ouvir notícias. Porém, isso parece não ter tido importância, pois houve sempre uma harmonia que os fez estar juntos por quase quarenta anos.

Maria do Rosário Pedreira
Nasceu em Lisboa e nunca pensou viver noutra cidade. É editora, tendo-se especializado na descoberta de novos autores portugueses. Escreve poesia, ficção, crónica e literatura infanto-juvenil, estando traduzida em várias línguas. Tem um blogue sobre livros e edição e é letrista de fado.

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