Há mais de 20 anos nasceu um jardim em Chelas. Uma raridade no território, onde a paisagem já foi bem rural, e hoje é sobretudo de betão. Um pedaço verde que coloriu o Bairro dos Lóios, pensado pela Junta de Freguesia de Marvila, mas cuidado, diariamente, por um morador: Filipe Crespo, de 60 anos.

Era uma rua triste entre prédios, antes de ser o que é hoje: um caminho ladeado por diversas espécies de árvores de fruto, palmeiras e bambus que acompanham quem adentra este bairro.

As crianças correm e brincam com o verde como paisagem e já conhecem bem Filipe, que veem como o dono do jardim.

São várias as espécies das quais Filipe tem cuidado neste jardim comunitário. Foto: Inês Leote

O vizinho que se tornou guardião do jardim

Filipe nasceu em Arroios, mas sempre teve Chelas como quintal. Quando o projeto de planificação do tão aguardado jardim dos Lóios foi colocado em curso, Filipe tinha 15 anos e viu com bons olhos o futuro do seu bairro, apesar das velhas dificuldades que continuavam – é o mais velho de oito irmãos e, por isso, desde cedo que se viu obrigado a ajudar os pais para sustentar a casa.

“Com 15, já trabalhava. Ganhava cinco contos para sustentar os meus irmãos.”

Hoje, trabalha como pintor na construção civil. Uma profissão que o aproximou mais dos habitantes do Bairros dos Lóios e arredores. “Trabalho nas casas de muitas pessoas importantes e sempre faço questão de dizer de onde sou. Digo sempre que sou de Chelas e tenho orgulho disso”, diz, orgulhoso, Filipe.

Filipe tem 60 anos e como missão ajudar o lugar onde cresceu. Foto: Inês Leote

Há 20 anos, da sua janela, apercebeu-se de que o jardim do bairro não recebia a devida manutenção da Junta de Freguesia – que a Mensagem tentou contactar para esta história, mas sem sucesso.

Então, Filipe decidiu tomar as rédeas do assunto: nos tempos livres, começou a cuidar ele próprio do jardim. Sozinho. Uma tarefa que se transformou num hábito diário.

“Quando volto do trabalho às vezes, até nos feriados, nos fins de semana também… Estou sempre lá. Mas tem que se fazer, alguém tem que fazer estes trabalhos”, conta.

Diz que a Junta de Freguesia “vem cá de vez em quando, talvez mês a mês, ou mês sim, mês não”, mas acredita que o espaço precisa de mais. “Eles sabem que eu ajudo por aqui.”

A fruta que alimenta o bairro… e o pinheiro trazido do Rock in Rio

Ali, cuida de árvores, mas de árvores de peso: tem figueiras, pessegueiros, bananeiras, marmeleiros, ginjeiras e loureiros. E algumas tornaram-se até uma fonte de alimento para os habitantes deste bairro.

É costume de Filipe, com mais pessoas do bairro, colher frutas das árvores para oferecer às pessoas que mais precisam neste que é um agregado de vários bairros sociais, onde a fome é tema premente.

“Comem os meus amigos e as pessoas que precisam. Como está a vida… Ajudei e ainda ajudo muitas pessoas no bairro.”

Além das árvores de fruto, Filipe Crespo está empenhado em fazer deste espaço um oásis de várias espécies no meio de Chelas.

Como um pinheiro que ficou famoso por ter sido trazido, pelo próprio Filipe, do festival de música Rock in Rio, que acontecia no Parque da Bela Vista. Mesmo ali ao lado do bairro, e onde ele trabalhou como técnico de manutenção. No final do evento, ao ver aquele pinheiro sem dono, pediu autorização para o trazer e dar-lhe uma casa em Chelas.

Atrás de Filipe, o pinheiro que ele trouxe do Rock in Rio. Foto: Inês Leote

O cuidado que Filipe tem pelo espaço público no bairro parece estar a dar frutos.

“O bairro está a desenvolver-se numa boa direção. No passado, quando as pessoas eram mais jovens, era natural que criassem mais problemas e lixo. Agora, há mais responsabilidade, as pessoas já têm outra idade. As pessoas estão a evoluir”, acredita.

E, “às vezes, assim a pensar com os meus botões”, diz, “vejo que tudo valeu a pena”.



Tomás Delfim

A paixão pelo jornalismo aflorou apenas durante a própria licenciatura em jornalismo, mas, como se costuma dizer, mais vale tarde que nunca. Entrou para a Mensagem com a missão de praticar o jornalismo que lhe proporciona uma maior realização pessoal e profissional: contar histórias de pessoas e da sua cidade. Mas, para ele, “o jornalista é apenas o mensageiro das histórias que as pessoas têm a contar.”


Nele van den Broek

Nele van den Broek was born in Breda, the Netherlands in 1997. She graduated in sociology but always wanted to follow her passion for writing. In September 2022, she moved to Lisbon and started a master’s degree in journalism. She enjoys the experience in a new country, a new city and getting in contact with people from different cultures. Nele is an intern at Mensagem de Lisboa.


Inês Leote

Nasceu em Lisboa, mas regressou ao Algarve aos seis dias de idade e só se deu à cidade que a apaixona 18 anos depois para estudar. Agora tem 23, gosta de fotografar pessoas e emoções e as ruas são o seu conforto, principalmente as da Lisboa que sempre quis sua. Não vê a fotografia sem a palavra e não se vê sem as duas. É fotojornalista e responsável pelas redes sociais na Mensagem.


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2 Comentários

  1. Adorei a notícia do “jardineiro” por vocação. Lindo. Se todos assim fizessemos o mundo seria melhor. Espiríto de missão, sentido comunitário e, até, sentido estético! Parabéns a todos! Acredito que se todos nós fizermos algo positivo e construtivo, o mundo pode melhorar. Está também na nosssa mão!

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