Não é uma imagem comum no rio Tejo: lá vemos passar diariamente os cacilheiros, os barcos turísticos e, uma vez por outra, pequenas embarcações privadas, mas nunca tantos o suficiente para trazer uma multidão de curiosos às margens. Aconteceu há 31 anos, quando Lisboa viu partir a maior frota de “tall ships” (grandes veleiros) de todo o mundo, na largada da Grand Regatta Columbus. Eram celebrados os 500 anos da descoberta da América por Cristovão Colombo.
E a paisagem incomum voltou a repetir-se mais de três décadas depois no rio Tejo, no passado dia 3 de setembro.
Os gigantes dos mares “tall ships” e uma multidão de jovens velejadores exibiram-se pelo estuário, do Terreiro do Paço a Cascais, para homenagear Magellan-Elcano e o aniversário de 500 anos da histórica primeira circum-navegação. Cumpre uma rota internacional desde Falmouth, Inglaterra, La Coruña, Espanha, Lisboa, Portugal e Cádiz, Espanha, entre agosto e setembro, que integra as Tall Ships Races Magellan-Elcano 2023.
Os “tall ships” são navios monocascos a vela, tão antigos que chegam a datar do século XVIII, XIX e XX. São classificados de acordo com as suas dimensões, sendo os maiores de classe A, os navios de velas quadradas com comprimento superior a 40 metros. São os melhores exemplos o navio-escola Sagres, o “tall ship” polaco Dar Mlodziezy, o mexicano Cuauhtemoc e o dinamarquês Georg Stag, que estiveram presentes em Lisboa.

A completar a frota internacional estão as diversas embarcações tradicionais com comprimento inferior a 40 metros como os veleiros Captain Miranda, do Uruguai, Fryderyc Chopin, da Polónia, Atyla, de Vanuatu, Juan de La Gandara, de Espanha, Stella Polare, da Itália, Maybe e Challenge Waves, do Reino Unido, os veleiros NRP Polar e NRP Zarco e a caravela portuguesa Vera Cruz.
Depois de uma parada náutica no rio Tejo, com a frota de “tall ships” e veleiros tradicionais concentrada em frente à Praça do Comércio, guiados por sirenes e tiros de canhão, a rota partiu para o Cabo de São Vicente, em Sagres.
Dali, foi feita a largada oficial das Tall Ships Races Magellan-Elcano 2023 rumo a Cádiz, Espanha. Partiriam durante cerca de três a quatro dias de viagem, à mercê dos ventos.
Como repórter embarcada, há 31 anos tive o privilégio de seguir a bordo do Tall Ship polaco Dar Mlodiziezy, patrocinado pela marca Cutty Sark, e realizei uma série de reportagens para o jornal Público que, na altura, era o mais novo projeto editorial de Portugal.
A travessia atlântica foi uma das mais espetaculares: 18 dias de céu e mar azuis, embalados pelos ventos alíseos e o murmúrio das 36 velas içadas nos três altos mastros do barco polaco. Turnos no convés e na sala de navegação preenchiam os dias, bem como as horas a escrever as dezenas de reportagens que eram transmitidas do meio do oceano por fax via satélite (uma incrível novidade à época).

Mas a rota da frota tinha começado bem antes, partindo de Génova e de diferentes portos na Europa do Norte, a maior frota de Tall Ships de sempre concentrou-se em Lisboa em Abril de 1992. Mais de 100 grandes veleiros – alguns de treino de mar, outros da Marinha de diversos países – e outra centena de embarcações menores, inclusive a caravela portuguesa Boa Esperança, largaram da capital portuguesa, pontilhando o estuário do Tejo de cores, sirenes e sorrisos.
A frota então marcou rumo para Cádiz, Espanha, e daí para Gomera, Ilhas Canárias. Depois, foi a travessia atlântica em direção a San Juan de Porto Rico. Seguindo os ventos e correntes que levaram as naus Nina, Pinta e Santa Maria ao Novo Mundo há 500 anos, a frota alcançou o novo porto de San Juan no dia 10 de junho, dando início a mais de 300 eventos e festividades a comemorar o Quinto Centenário da Descoberta da América.




Um espetacular fogo de artifício assinalou a largada em San Juan de Porto Rico, agora com destino ao porto de Nova York onde a frota chegou a 4 de Julho a tempo de participar das celebrações de Saudação à Era dos Descobrimentos da Operação Sail 1992, numa parada náutica no rio Hudson até a ponte George Washington para depois atracar em vários cais em Manhattan, Brooklyn e Nova Jersey.
A parada náutica seguinte foi o Sail Boston, com um desfile no porto de Boston a 11 de julho. Poucos dias depois, a frota de Tall Ships, embarcações tradicionais e centenas de veleiros seguiram para Liverpool, na Inglaterra, porto final da mais emblemática Tall Ships Races.
A primeira regata de treino de vela Tall Ships Race decorreu entre Torbay, Reino Unido, e Lisboa, Portugal, em 1956, e foi organizada pelo Sail Training International Race Committee (STRC).
Seria uma celebração dos magníficos grandes veleiros Classe A de todo o mundo, pois pensava-se que estavam prestes a desaparecer. No entanto, o evento foi tão popular que se tornou bienal, encorajando a rivalidade amigável entre os jovens velejadores, dando-lhes ao mesmo tempo a oportunidade de se desenvolverem através do treino de vela.
Nesta altura, o duque de Edimburgo do Reino Unido tornou-se um patrono e como resultado nascia uma nova associação: a Sail Training Association (STA). A moderna Sail Training International (STI) foi formada no início de 2002 e logo obteve o estatuto de instituição de caridade.

É uma oportunidade única poder navegar num barco como os “tall ships” e a International Sail Training Association (ISTA) realiza este sonho a milhares de jovens em todo o mundo, durante todo o ano. Qualquer pessoa pode participar: há sempre um navio adequado para cada um, inclusive para pessoas com deficiências físicas. Não importa a idade, a experiência, o nível de habilidade, as crenças religiosas ou as nacionalidades.
Algumas embarcações têm um limite máximo de idade, algumas especializam-se no apoio a pessoas com deficiências físicas ou emocionais e muitas acolhem especialmente jovens entre 16 e 25 anos.
Não é necessária nenhuma experiência anterior. A tripulação profissional de cada barco providencia toda a orientação a bordo, inclusive a oportunidade de experimentar todos os aspetos da navegação. Pessoas com experiência são bem-vindas e podem ajudar os demais estagiários enquanto também aprendem.
Podem participar nos turnos de duas a quatro horas, para que a embarcação possa navegar dia e noite. Içar velas, subir ao mastro, navegar e realizar as comunicações durante a viagem são algumas das tarefas a bordo de um “tall ship” sem contar a limpeza do convés, a pintura do barco em viagens mais longas e o trabalho diário na cozinha.
Os parâmetros e objetivos da International Sail Training Association é propiciar aos jovens e adultos a visita a novos países e criação de amizades internacionais. Enfrentar e superar desafios físicos e emocionais. Assumir responsabilidade pessoal e trabalhar como parte de um grupo, descobrindo seus próprios pontos fortes e talentos e construindo a autoconfiança. Tudo isto aprendendo também a velejar, em viagens que podem durar de um dia a mais de três semanas.
Os preços dos lugares a bordo variam de acordo com o tamanho do navio e a duração da viagem. Financiamentos e bolsas estão sempre disponíveis, especialmente para aqueles que possam ter dificuldades financeiras. Há também a possibilidade de angariar o dinheiro por si com arrecadação de fundos. Algumas instituições de caridade à vela oferecem vagas subsidiadas e os portos que hospedam um evento da Tall Ships Races abrem vagas de estágio grátis para residentes locais.
A próxima regata será em 2024 e irá navegar pelo mar Báltico com escalas na Lituânia, Estónia, Finlândia, ilhas Aland e Polónia. Em 2025, a rota incluirá a navegação pelo Mar do Norte, entre Le Havre e Dunkirk, em França, Aberdeen, na Escócia, Kristiansand, na Noruega, e Esbjerg, Dinamarca.
*Nysse Arruda é jornalista especializada em náutica, autora de diversos livros sobre regatas oceânicas internacionais, fundadora e curadora do Centro de Comunicação dos Oceanos-CCOceanos – a série de palestras livestream e presenciais a abordar os mais diversos temas relacionados com os oceanos, conectando os países de Língua Portuguesa e tornando Portugal um polo de partilha de informação atualizada sobre os oceanos.

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