Toca 24 horas por dia, todos os dias da semana, com programas sobretudo gravados em cantos e recantos das casas de Benfica da equipa da Rádio Amparo: um quantos voluntários unidos a um padre com carteira de jornalista. Naquela quinta-feira, tivemos sorte: a rádio saiu de casa para estúdio, para estar ao serviço dos fregueses mais católicos, em direto. Um lugar improvisado nas traseiras da Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Benfica.
A rádio Amparo nasceu a 18 de dezembro de 2021 pelas mãos de Nuno Rosário Fernandes, o tal padre que aspirou ser jornalista e, por isso, conquistou a carteira profissional para o ser. É uma rádio católica, local e comunitária, que quer trazer “as vidas à igreja”. Seguiram o apelo do papa Francisco (que esta semana visita Lisboa para a Jornada Mundial da Juventude) para que as paróquias saíssem fora das portas da igreja e criaram uma rádio online com ouvintes espalhados por todo o país.
De Benfica para todo o lado.

A infância do padre Nuno não passou por Benfica, mas pelo Cadaval, marcado por uma educação bastante religiosa. Ainda se afastou da igreja aos 12 anos por não ter grupos de catequese na sua paróquia a partir dessa idade, mas voltou aos 17, quando lhe falaram de um grupo que se reunia perto de si, no Bombarral.
Começou a colaborar com três rádios no Bombarral: Antena Jovem, Antena FM e Área Oeste. E foi aí que teve o primeiro contacto com os microfones e ganhou o gosto pela comunicação. Estava perto da altura de se candidatar ao ensino superior e escolheu a Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa. Estávamos em 1993. Nuno mostrava a vontade de ser jornalista, mas na altura já se questionava sobre uma certa vocação para ser padre.
Foi ao chegar ao 3.º ano de faculdade que ingressou na ordem religiosa Paulista, onde se tornou chefe de redação da revista Família Cristã. Ao mesmo tempo, fez quatro meses de estágio na Antena 1, passou depois pela Agência Ecclesia e pela Voz da Verdade.
Foi ordenado padre em 2010, mas a carteira de jornalista já estava no bolso.
E hoje tenta pô-la ao serviço da sua paróquia.
“No coração da boa notícia”
O lugar que hoje serve de estúdio, antes servia para atender a população. É um espaço pequeno, com duas mesas, quatro microfones e uma grande estante cheia de enciclopédias, bíblias, três livros do Eça de Queirós e um exemplar do “Código de DaVinci” de Dan Brown. Não tem isolamento de som e, pela janela, ouviam-se as crianças no recreio do centro paroquial social.
A conversa começou às 15:00 em ponto, com a pontualidade que a tradição católica pede. Era hora do terço da Misericórdia e passava nas colunas ao mesmo tempo que o padre Nuno falava. De vez em quando, o terço passa com voz de criança: é “o terço dos pastorinhos”, gravado com as crianças da catequese da paróquia.
“Queremos ser uma companhia para as pessoas que nos ouvem. Há muita gente sozinha, especialmente à noite.”
Padre Nuno

Os noticiários são gravados uma vez por semana e transmitidos todos os dias, de hora a hora, entre as 12h e as 19h. A particularidade destes noticiários é que as notícias são exclusivamente de informação local.
“Rádio Amparo, no coração da boa notícia” é um dos seus slogans a que tentam fazer jus, mantendo as notícias leves e positivas. Falam essencialmente do que de bom acontece e é feito na freguesia.
Há espaço em antena para ouvir a missa, as notícias de lugares mais longínquos como o Vaticano e até para explorar a freguesia: o programa “Linha do Tempo” leva os ouvintes aos locais históricos da freguesia. “A Mariana, autora do programa, anda a pensar como pode reformular o programa. Os sítios históricos já se estão a esgotar.”, desabafa o padre Nuno.
Uma má notícia para a equipa que anda sempre em busca das boas.
E, aos microfones desta rádio, há espaço para conversas mais sérias: “Somos uma sociedade que discrimina ou acolhe?”. Era a pergunta do dia que a diretora de informação, Leonor Alves, lançava no programa da sua autoria, “Escuta e Conversa”. Partem do Evangelho do domingo anterior e lançam uma questão para ser debatida com o público, que liga para o telefone fixo para dar a sua opinião.

Música eletrónica e funk católico
Mas nesta rádio, como em qualquer outra, também há espaço para música. No caso da rádio Amparo, a música é, na sua maioria, de mensagem cristã, mas não só: também há portuguesa “de qualidade”, diz Nuno. O que é que é que isso significa? “Olha, Paulo Gonzo ou Mariza, por exemplo.”
E nem a música religiosa é só música de missa. Há até música eletrónica e funk de mensagem cristã. O funk passa às vezes, a música eletrónica todos os sábados à noite: o programa chama-se “Eletro 120” – “eletro” pela música e “120” por durar duas horas.
O padre Nuno queixa-se de que não haja muita música electrónica de mensagem cristã portuguesa. Só conhece um padre de Braga que fez um remix do hino das Jornadas Mundiais da Juventude. Falava do padre Guilherme, que é DJ, que ficou conhecido no último ano no Tik Tok e que até vai marcar presença no programa desta Jornada, em Lisboa.
“É o nosso voluntariado”
Na preparação da emissão a sala estava cheia. O padre Nuno tratava de preparar os comandos da emissão e Leonor já estava sentada junto do microfone. João Naia, jornalista veterano que trabalhou em tantos jornais que se quis poupar à enumeração deles, também estava lá, sentado no “sofá da plateia” para assistir ao programa de Leonor.
A rádio funciona num sistema de voluntariado: quatro pessoas fixas e os restantes são colaboradores ocasionais. Qualquer pessoa se pode juntar e, apesar de se tratar de uma rádio católica, nem todos os programas são de mensagem religiosa.
João Naia colabora com a rádio Amparo: “Eu nem sou um tipo da igreja. Somos quatro gatos pingados aqui, mas somos muito empenhados. É o nosso voluntariado.”
Leonor Alves interrompe para corrigir: “Missão! É a nossa missão.”
“Eu vejo-o como voluntariado. Acho a palavra ‘missão’ muito pesada.”, defendeu-se João Naia.

Leonor Alves diz ser religiosa e sempre fez parte da paróquia de Benfica. Vê este espaço como a sua missão e uma oportunidade de dar um pouco de si, todas as semanas, para ajudar alguém – nem que seja fazendo apenas companhia. Em pequena, adormecia a ouvir rádio e sempre quis estar do outro lado da antena.
“Há pessoas que ligam várias vezes para falarem, inclusive um senhor de Braga.”
LEONOR ALVES
Juntou-se ao projeto no ano passado e foi para o ar pela primeira vez no dia 13 de outubro – dia em que o calendário católico celebra a última aparição de Maria aos pastorinhos. Um dia especial para Leonor, tão devota de Maria.
Nunca começa um programa sem rezar antes com o padre Nuno. Desta vez, distraíram-se com a conversa e a oração foi mais apressada. Ouve-se o genérico e estão no ar. Na voz de Leonor, está o sorriso que os ouvintes não conseguem ver, mas ouvem.
*Ana Narciso tem 23 anos, vem de Rio Maior, mas vive em Lisboa desde os 18. Foi pela paixão de contar histórias que escolheu licenciar-se em Jornalismo. Durante três anos, escreveu para o jornal da faculdade e passou muitas horas na rádio. É estagiária na Mensagem de Lisboa – este texto foi editado por Catarina Reis.

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