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Recorde o lançamento do livro, no dia 2 de março, na Fnac Colombo. Fotos: Inês Leote

(data da apresentação retificada)

Depois de um lançamento emocionante no início de março, “O homem que via no escuro – A Lisboa de Bruno Candé” volta a ser apresentado, desta vez na Feira do Livro de Lisboa (que tem lugar no Parque Eduardo XII), a 4 de junho, às 20:00, na Praça da Fundação Francisco Manuel dos Santos, editora da obra.

À autora Catarina Reis, jornalista da Mensagem, junta-se o cantor Matay, também ele vindo de Chelas (como Bruno Candé), numa conversa moderada por Filipa Melo.

Este livro surgiu de um encontro de vontades: a de Bruno Candé, assassinado a 25 de julho de 2020 por ódio racial, em escrever sobre a sociedade que o rodeava; e a de uma repórter da Mensagem que, um ano após a morte dele, procurava contar o que estava por contar sobre o legado deste homem, em Lisboa e no bairro dele, a Zona J, em Chelas.

É um retrato deste lisboeta, com raízes na Guiné-Bissau e criado na Zona J, para onde ajudou a levar o teatro até outras crianças e jovens, mas também da cidade e do bairro onde nasceu. Ele que dizia que, tendo nascido ali, num bairro mal-afamado, teria “tudo para dar errado”. “Mas eu sou o Bruno Candé”, repetia logo a seguir.

Capa do livro, editado pela FFMS. Foto: Inês Leote

Candé, um homem que via no escuro, militava no otimismo, para lá dos estigmas da pobreza e da discriminação racial – daqui o título da obra.

É que ainda que tenha ficado marcado na história do país como a primeira pessoa em Portugal cuja morte resultou numa condenação de crime motivado por ódio racial, Bruno não era um rosto ativo pelo combate ao racismo – essa nunca foi a discussão principal para ele (embora tivesse morrido por o racismo existir).

Era sobretudo ator, pai de três filhos, lisboeta e apaixonado pela Zona J que tantos nunca viram com os olhos dele. Quando os amigos traziam a questão do racismo à mesa, ele relativizava e fazia-os questionar todas as certezas.

As vontades cruzaram-se, aliaram-se à ajuda da família e amigos dele, e nasceu a obra “O homem que via no escuro – A Lisboa de Bruno Candé”, lançado no final de fevereiro em todas as livrarias, pontos habituais de compra e online.

Bruno Candé
A sobrinha de Bruno Candé, Andreia, segura memórias fotográficas de Bruno. Foto: Catarina Reis, para a reportagem “Um ano depois, Bruno Candé ainda se conjuga no presente”

Eis um excerto da obra:

Como tudo, os últimos dias de Bruno Candé foram feitos de últimas vezes. A última vez que Inês Vaz esteve com o amigo foi na manifestação que ocorreu em Lisboa pelo movimento Black Lives Matter. «Irónico», pensa agora. O racismo era assunto leviano para o Candé, naquele dia porém «levantou o punho, estendeu-o em direção ao céu, fechou os olhos e via-se, via-se mesmo como ele estava a sentir aquilo.» Umas semanas antes o americano George Floyd encheu noticiários: numa operação de perseguição policial por suspeitas de ter utilizado uma nota falsa numa compra de supermercado, Floyd acabou estrangulado pelo agente policial Derek Chauvin, ajoelhado sobre o pescoço dele.

«Quando éramos crianças, foi-nos passando ao lado. As crianças são muito verdadeiras, dizem o que pensam, os miúdos falavam diretamente e chamavam-nos pretos, porque só começaram a ver negros nessa altura. Havia uma crueldade ou outra, mas nada que nos fizesse ficar muito tristes.» Olga Marques também viveu longe do ativismo, tal como Bruno. Era, aliás, um dos pontos de cisão entre ele e o amigo Pedro. «Ele dizia sempre que eu exagerava, que nem tudo é uma questão de racismo.» Talvez por isso terá minimizado o impacto da ameaça que receberia dias antes de ser assassinado? Nunca saberemos. Bruno preferia acreditar que a bondade desbrava mesmo nos feitios mais difíceis e nas pessoas mais frias. «Até porque, em qualquer sítio que ele ia, ele desmontava os preconceitos. Numa rua do Porto onde não há negros, ele aparecia e não era o homem negro, era o Candé. Gostava-se dele, ele era bondoso e não havia espaço para pensar em mais nada», lembra Mónica Calle.

Depois do acidente, algo tinha mudado. Os amigos perceberam que ele passara a pensar mais no assunto, porventura porque estava mais frágil e sentiu, pela primeira vez, que o olhavam além da força. Soube que havia um olhar sobre um homem negro, primeiro, e depois sobre o resto. Como se aquele corpo e força de viver tivesse sido até então o seu escudo contra o preconceito. É assim que Inês Vaz explica aquele punho cerrado virado para o céu na manifestação.

in “O homem que via no escuro – A Lisboa de Bruno Candé” (pág. 57)


Todos os direitos de autor provenientes da venda deste livro irão reverter para os filhos de Bruno Candé e para a criação de uma associação em homenagem dele.

A fotografia de capa é da autoria de Francisco, de 11 anos, tirada no âmbito do projeto residente na Zona J “Pelos Teus Olhos”, onde vários jovens documentaram através de uma lente fotográfica as ruas e casas do bairro onde vivem. Um projeto coordenado pelo fotógrafo Gonçalo Fonseca e pela psicóloga Laura Vasconcelos.

Francisco, 11 anos, autor da capa do livro. Foto: Inês Leote

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