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Algumas árvores não parecem interessadas em competir pela nossa atenção. De uma estação para outra, aguardam pacientemente até serem de novo elas o falatório da cidade. Falamos da febre azul lilás dos Jacarandás, que anuncia o verão. E da Ginkgo biloba, a árvore que pauta, com distinção, o outono em Lisboa, de tons amarelos quase fluorescentes. Agora não nos sai dos queixos caídos e insiste em aparecer nas fotografias partilhadas nas redes sociais.
Não é para menos. Esta árvore banha-se, outono após outono, de um amarelo dourado exuberante. É um ato de franco exibicionismo vegetal. Para não deixar de ser vista, instrui os ramos a segurar folhas douradas, em forma de leque, como de ouro se tratasse – pela maior extensão de tempo possível. Uma luta que dura até finalmente sucumbir, repentinamente, à dormência invernal imposta pelo frio.
A Ginkgo é uma árvore tão antiga que tem uma história que resistiu à História. Trata-se de uma espécie arbórea que viveu com e para além dos dinossauros e, por essa razão, considera-se um “fóssil vivo”. Respira e faz respirar há milhões de anos. Tão surpreendente como a premissa anterior, é ter sido a primeira planta a brotar do chão e a recuperar a folhagem após as explosões em Hiroshima, no Japão, em 1945.
Ver e sobreviver a tudo tornou-a o símbolo de longevidade e paz até ao presente.
Introduzida na Europa no início do século XVIII, é difícil precisar de onde vieram os primeiros exemplares, se da China ou do Japão – numa altura em que as relações comerciais com estes países eram fortes.
Hoje, além do fim medicinal de melhorar a cognição que a popularizou, é amplamente usada em arruamentos por zonas onde o clima é temperado. Lisboa não é exceção. Além de integrar a coleção de 16 jardins lisboetas, pela sua força bélica, tornou-se numa perfeita árvore de arruamento, sem exigir muito dos solos e com uma resistência considerável a pragas e poluição.
Apesar da tenacidade, já foi considerada extinta e encontra-se ameaçada em meio natural. Restam alguns exemplos de crescimento espontâneo na China, de onde é oriunda. A manutenção desta espécie depende, agora, essencialmente da relação que cultiva com o Homem.
Pelo planeamento dos arquitetos paisagistas que tingem a nossa paisagem vegetal, apenas os exemplares de sexo masculino são escolhidos. A razão não é a aparência, com diferenças apenas na floração, mas o odor. As Ginkgo fêmea frutificam de uma forma que não agrada o olfato, pelo menos o humano.

Lisboa é uma cidade onde nem as árvores podem ter segredos. Pelo que consta em línguas jardineiras, é possível que as Ginkgo fêmea que aqui existem tenham sido introduzidas acidentalmente. Algumas estão plantadas no Jardim Tropical, uma no bairro das Estacas em Alvalade, e outra na Praça Paiva Couceiro na Penha de França. Este último exemplar é considerado de interesse público, pelo ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas). Neste momento, o fruto, tão curioso como malcheiroso, está disperso à volta destas árvores.
Há memórias de piadas sobre o sexo das árvores serem ditas nas visitas guiadas ao Jardim Botânico. Porque as Ginkgo macho estavam no Jardim Botânico e as fêmeas no Jardim do Principe Real, dizia-se que o pólen inseminador fazia a viagem pela Rua da Escola Politécnica, a bordo do autocarro 758.
O especialista americano Peter Del Tredici teorizou com ironia que, no começo dos tempos, talvez fosse um omnívoro a dispersar estas sementes e que isso, de algum modo, tivesse influenciado o seu cheiro – entre o vomitado e uma carcaça em decomposição. Embora de fundamentação científica questionável, permite um flashback aromático fidedigno.

No interior do fruto está a semente comestível, o verdadeiro pharmakon da planta. Amplamente usada na Ásia como iguaria doce, costuma servir-se após o jantar, pois também tem fama de ajudar a lidar com a bebedeira. De fama farmacológica abundante, nomeadamente como planta que auxilia a cognição – por melhorar o fluxo sanguíneo e, consequentemente, a oxigenação do cérebro -, só a evidência arrefece os louvores.
Porquê perda de folhas?
Aparentar ser mais amarela do que todas as outras árvores e a razão para caírem as folhas é algo que importa esclarecer, não esteja alguém a perguntar-se.
A perda de folhas, nas árvores caducifólias, é um reflexo da inteligência que vive na planta. Fazem-no para sobreviver e preparar o período de dormência. O pigmento tipicamente mais abundante nas folhas das plantas é a clorofila, o vetor da fotossíntese que confere a cor verde.
A ausência de sol, o encurtamento dos dias e a descida das temperaturas desencadeiam na árvore uma “paragem de clorofila”, o que a faz mudar a cor. Nesta árvore em particular, as folhas são tomadas por pigmentos xantofilos (de coloração amarela).
Uma vez alterada a cor, perde o propósito de fotossitentizar, o que nos meses frios acabaria por ter um balanço negativo – entre a energia para manter as folhas e o que receberiam por via da fotossíntese. Então, dispensa-as, selando a árvore para não escaparem nutrientes.
Por esta altura, cerca de cem mil folhas, no caso de uma árvore mais pequena, são dispensadas numa coreografia organizada de forma quase sincrónica – em comparação com a queda de folhas doutras árvores. Num dia pode estar revestida a ouro, no outro nem sabemos que árvore é.

Depois do deslumbre com a cor, peguemos numa folha e olhemos de perto. Os nomes das plantas não têm acasos, talvez só o acaso de quem descobre uma nova espécie. A bifurcação de algumas folhas explicam o porquê de se chamar “biloba”, pois vêem-se dois lóbulos. Esta evidência botânica também influenciou a arte.
Ginkgos e poesia
A natureza, ente várias formas de expressão artística como a pintura, tem-se revelado sempre aliada da poesia.
Um século depois da sua introdução na Europa, em 1815, o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe, escreveu um poema intitulado simplesmente Ginkgo biloba, que foi declamado à sua amada Marianne von Willemeru, uma atriz austríaca. As folhas bifurcadas conjugaram a metáfora perfeita para aludir a caras metade: Seriam duas folhas numa ou uma folha dividida em duas?

A folha desta árvore que de Leste
Ao meu jardim se veio afeiçoar,
Dá-nos um gosto de um sentido oculto
Capaz de um sábio edificar.
Será um ser vivo apenas
Em si mesmo em dois partido?
Serão dois que se elegeram
E nós julgamos num unidos?
P’ra responder às perguntas
Tenho o sentido real:
Não vês por meus cantos como
Sou uno e duplo, afinal?
(Esta tradução, de Paulo Quintela, foi publicada na antologia poética de Goethe pela Universidade de Coimbra em 1958.)
Curiosamente, próximo do Instituto Goethe, localizado no Campo Mártires da Pátria, é possível observar-se esta espécie no Jardim Braamcamp Freire.

Existem muitas mais. Os mantos dourados, que revestem o chão e que o vento há de soprar, encontram-se ainda à espera de serem vislumbradas no Jardim das Amoreiras, Jardim da Estrela, Jardim Botânico da Ajuda e Parque Eduardo VII. Em arruamentos, é possível que se cruzem com estas árvores na Av. João XXI.
*Uma versão anterior deste texto foi publicado em 2021.
*Leonardo Rodrigues é aluno de Ciências de Comunicação, na Universidade Nova, e também autor do projeto Lisboa Quase Verde. É membro da Assembleia de Freguesia de Alvalade, eleito pelo Bloco de Esquerda, e autor do blog Leonismos.com
O comentário que li é muito bom e simples sobre as Plantas que são seres vivos que “devem” ouvir e comunicar entre si, nós não chegamos lá, só á base de aparelhos e o Mundo vai adorar quando estiver mais conhecedor do maravilhoso Mundo das Plantas. Parabêns a Leonardo rodrigues
Parabéns!
Adorei o artigo e o esclarecimento destas belas árvores que enfeitam e ‘perfumam’ a minha rua.
Todos os outonos fico extasiada com a beleza destas árvores que não me canso de olhar e fotografar na minha rua , mesmo em frente da minha varanda. Obrigada pelo texto explicativo.
Adorei o artigo até porque sou apaixonada por esta árvore. Tenho uma, com cerca de um metro que, por acaso, transplantei hoje.
Ha cerca de 40 anos fui expulsa de um jardim ( na Rua da Junqueira) por tentar aproximar -me de uma para apanhar os frutos para semear. Mais tarde, apanhei-os em qualquer outro local e semeei-os. Mesmo dentro da terra cheiravam mal e tive de os deitar fora. Obrigada.
Maria do Alecrim
Adorei o texto sobre as arvores aprendi mta coisa que desconhecia temos arvores lindissimas em Lisboa que a natureza encarregar se a de trata las mto bem !!
Adoro a Gingko. Conhecia em Lx quando lá vivia. Mas aqui no norte, onde já plantel uma… ela parece não gostar muito dos frios inverneiros.
Li , em tempos, que lhe chamam a árvore que tem folhas como pés de pato…
Qualquer destas árvores seria bem colocada na Av. D. Afonso Henriques no Algueirão Sintra, para substituição das tilias mortas. Câmara Municipal de Sintra, vejam e dêm aos moradores essa alegria.
Em Alvalade, na rua Fernando Pessoa, Florbela Espanca e Mário Sá Carneiro neste triângulo de escritores existem algumas ginko bilobas uma árvore como hoje se sabe resistente da bomba atómica de Hiroxima. Helder Buxo
Muito interessante. É de apoiar e sentirmo-nos gratos pela dedicação de alguns àquilo que realmente importa. E que será mais importante do que honrar a natureza que connosco vive nesta cidade? Obrigada pelo artigo. Fiquei mais desperta para observar mais atentamente