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Não é preciso estar muito atento ao que se passa na cidadania local em Lisboa – ou em qualquer outra cidade portuguesa – para saber que uma causa, polémica ou questão local é tanto mais eficaz no seu resultado quanto mais emocional for. E quanto maior e mais estridente for o tom da contestação que envolve o ponto focal no movimento de contestação a essa causa ou problema.
Esta distorção mediática tende a exagerar o peso social e político em função do grau de estridência do protesto. Mais do que em função da sua verdadeira relevância local ou comunitária. E isto pode empurrar os decisores para opções erradas e que até colidem com os interesses da maioria da comunidade, tornada assim numa autêntica “maioria silenciosa”.
Para simplificar vamos chamar estes protestantes (por vezes profissionais) em “Karens Locais”.
O termo “Karen” foi criado na Internet em 2018 e surgiu originalmente associado ao tipo de pessoas que nas lojas exige “falar com o gerente” como forma de embaraçar os trabalhadores de balcão e de conseguirem vantagens comerciais.
O seu uso está geralmente associado aos movimentos anti-vacinas e a agressões verbais racistas. Na encarnação nacional da palavra estas “Karens” protestam contra todos os poderes locais, sem terem grandes considerações por preocupações partidárias ou políticas, embora gostem de se aproximar da oposição do momento e não hesitem em serem vistas ou em surgirem nas campanhas políticas na época eleitoral.
Por regra não procuram (nem querem) fazer parte de listas partidárias e recusam qualquer participação mais directa nas decisões locais. Mas gostam da projecção mediática e de serem associadas aos decisores políticos que embarcam frequentemente na ilusão de que as conseguem “controlar” ou transformar em aliados.
Na prática isso é impossível. A (ou o) “Karen” vive da e para a contestação. Se entrar num registo de diálogo, conciliação ou se transformar num decisor/eleito local perde o terreno onde espalha a sua seiva e onde alimenta a sua força mediática.
Embora sejam muito apreciados por um certo tipo de jornalismo que vive de e para a polémica estéril, populista (de direita ou de esquerda) e pelos extremos políticos, as Karen fazem um deserviço à democracia pela sua recusa em integrarem os processos de decisão. No registo estéril, não buscam nem soluções nem alternativas para os problemas… sobre os quais prosperam e protestam.
Os Karen são uma variante dos “NIMBY” da cidadania local, um acrónimo em inglês para a expressão “Not In My Back Yard”, ou seja “não no meu quintal” – usada para descrever a oposição a certos projetos polémicos ou que possam ser prejudiciais na comunidade local.
As Karen, como os Numby são obstáculos a uma cidadania activa e a uma democracia verdadeiramente participada e participativa.
A forma mais eficiente e rápida de combater esta “kareninzação” da cidadania local passa pelo aumento dos níveis de exigência jornalística e pela qualificação dos leitores informando-os da natureza complexa dos problemas. Ccomo os populistas, as Karens vivem da hipersimplificação de problemas complexos – e só se podem combater desmontando as suas meias-verdades, o seu radicalismo e populismo latentes ou ocultos e fornecendo aos cidadãos informação de qualidade e em forma simples e acessível.
Os políticos locais (de todas as cores e feitios: mas não nas suas variantes populistas) podem fazer mais e melhor: podem dar voz aos cidadãos e reduzir assim o campo onde as Karen prosperam. Podem facilitar o acesso aos referendos locais; podem facilitar e ouvir (de facto) os cidadãos que intervêm em assembleias de freguesia ou municipais, cumprindo sempre os prazos legais de resposta e não deixando nenhuma resposta por dar; podem criar e manter assembleias de cidadãos a sério (não aquele simulacro que se está a fazer em Lisboa); podem reformar o mecanismo peticionário garantindo-lhe efeitos reais e concretos e não os aparentes e ineficientes das petições à assembleia municipal – talvez aumentando as quantidades de assinaturas e restringindo os temas peticionados.
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Os eleitos podem, por fim, dar verdadeira importância e relevância aos cidadãos e isso reduzirá o espaço em que se movem e prosperam as Karens e os Karens.
*Rui Martins nasceu em Lisboa, numa Rua da Penha de França, num edifício com uma das portas Arte Nova mais originais de Lisboa. Um ano depois já tinha migrado (como tantos outros alfacinhas) para a periferia. Regressou há 18 anos. Trabalha como informático. Está ativo em várias associações e movimentos de cidadania local (sobretudo na rede de “Vizinhos em Lisboa”).