
“Constantino! Como é grande/O teu génio creador/Quando vertes o perfume/No cálix da TUA flor!”. Assim escrevia em 1888 o poeta António Pinheiro Caldas no seu poema A Constantino, Rei dos Floristas, sobre uma figura que hoje para muitos será desconhecida, mas que no século XIX deixou Portugal (e o mundo) rendido às suas flores.
Constantino José Marques de Sampaio e Melo fez da sua vida esses seres “delicados, puros e belos” que são as flores, como ele próprio as descrevia. E tornou-se conhecido internacionalmente, sendo premiado na Grande Exposição de Paris de 1844 e na Exposição Universal de Londres em 1851.
Praticamente 150 anos depois da sua morte, em 1873, a sua vida e legado são agora celebrados com uma placa e uma camélia em calçada portuguesa, graças a uma proposta do Orçamento Participativo apresentada em 2016 pela advogada Filipa Neto Mariano e que no dia 21 de julho finalmente se tornou realidade. E no lugar mais apropriado: o Jardim Constantino, em Arroios.
No evento, marcaram presença o presidente da Câmara Municipal Carlos Moedas, a presidente da Junta de Freguesia de Arroios Madalena Natividade, o presidente da Junta de Freguesia de Torre de Moncorvo José Sá Meneses e o vereador da Cultura, Diogo Moura.

De onde lhe veio o gosto das flores?
Este livro responde
E como é que uma advogada se lembrou do esquecido florista e jardineiro? Em 2015, Filipa Neto Mariano mudou-se de Alvalade para Arroios, o bairro dos avôs maternos. Nos seus passeios matinais a caminho do trabalho, passava por aquele jardim e perguntava-se: “Mas quem é o Constantino?”.
Começou a pesquisar e ficou surpreendida, mas também triste, com as respostas. “Tanta glória em vida e agora ali estava um jardim em nome dele, votado ao esquecimento”.
Foi isso que Filipa quis mudar, propondo dar a conhecer a Lisboa quem foi, afinal, o Rei dos Floristas. A sua proposta naquele ano de 2016 foi a segunda mais votada.

E houve alguém que rapidamente a contactou, pois conhecia bem a história de Constantino: Gonçalo Sampaio e Mello, o sobrinho-bisneto do florista.
Desde pequeno que Gonçalo ouvia a avó contar histórias dessa curiosa figura. Aos seis anos de idade, já conhecia de trás para a frente a vida do menino que nascera em 1802 na vila de Torre de Moncorvo e que seduzira o mundo com as suas flores.

Mas mais história foi desbravada quando um amigo lhe ofereceu uma misteriosa obra de 1854 conseguida num leilão da Casa Real Portuguesa: Mémoires historiques, généalogiques et chronologiques: concernant les ascendances de José Constantin, Marquès de Sampayo et Mello, uma biografia de Constantino, de autoria anónima.
Gonçalo Sampaio e Mello já conhecia o livro – a família tinha um exemplar – mas aquele terá passado pelas mãos dos reis D. Pedro V, D. Luís I, D. Carlos e D. Manuel I, como se vê pelas suas assinaturas.
E conta bem a história do seu tio-bisavô: se primeiros anos de vida de Constantino se encontram envoltos de mistério (afinal, seria ele filho de uma família ilustre transmontana ou filho ilegítimo, abandonado, que mais tarde serviria na casa da própria mãe?), o que se segue é digno de “um romance”.
A vida que é um romance de um florista europeu
Sabe-se que o fascínio pelas flores começou no Convento de São Francisco de Torre de Moncorvo. É aí, na cerca do convento, que um pequeno Constantino se apaixona pela arte de fazer raminhos. Além disso, como não queria seguir para frade, tinha de se “refugiar em algum lado”, conta o sobrinho-bisneto.
Chegou um dia em que o refúgio já não podia ser mais refúgio e por isso Constantino alistou-se no exército como soldado raso. E foi subindo hierarquicamente, sempre ao serviço do rei D. Miguel. No meio destas andanças, passou cinco anos nos Açores onde ao mesmo tempo que tinha as funções de cabo batalhão fazia arranjos florais para os altares das igrejas que eram vendidos por uma mulher mais velha, Brízida Brasil, com quem acabaria por casar (ela tinha 57, ele 22).

Foi um casamento curto, de três anos apenas, que terminou com a morte da mulher em 1827. É por isso que, com o eclodir da guerra civil, Constantino passou a ocupar um desses cargos importantes e arriscados: o de alferes porta-bandeira. Mas, já se sabe, o seu exército saiu derrotado.
A derrota seria, no futuro, uma vitória. Quando D. Miguel escolhe os 27 homens para seguirem com ele para o exílio, Constantino foi um deles. Embarcaram no porto de Sines numa fragata inglesa e atracaram em Génova, onde os 27 homens acabariam por dispersar-se.
Numa cidade nova e sem dominar a língua, Constantino terá chegado mesmo a passar fome. O passo seguinte a História ainda não sabe contar, mas o que é certo é que Constantino conseguiu escapar e chegar a Paris, onde arranjou emprego numa florista. É aí, na cidade da luz, que este português se torna num especialista na criação de ramos com flores artificiais.
O sucesso nas Casas Reais
A rainha D. Amélia (mulher de Luís Filipe I da França) recebeu um dos ramos de Constantino e ficou de tal forma fascinada que, diz-se, chamou-o a visitá-la no seu palácio. O florista veio e levou-lhe dois ramos: um de flores naturais e outro de artificiais. Deu à rainha a escolher e D. Amélia viria a preferir as artificiais. A justificação? “As naturais murcham, as suas não”.

Foi como fornecedor da Casa Real Francesa que lançou uma moda, como conta o sobrinho-bisneto: a das camélias que os cavalheiros passaram a usar nas lapelas.
A sua carreira estava lançada. Com as vitórias na Grande Exposição de Paris de 1844 e na Exposição Universal de Londres em 1851, cimenta o seu sucesso, e ao longo dos anos são muitas as figuras que o agraciam.
Prepara coroas de flores para a rainha D. Maria II, para a rainha D. Estefânia (nessa altura, ainda noiva de D. Pedro V e a morar em Berlim) e, quando o imperador Maximiliano do México é executado (fora para lá a pedido de Napoleão III), o florista envia um ramo fúnebre à família imperial austríaca.
Na família reza a história que também era conhecido pela gentileza para com os seus empregados. Segundo Gonçalo Sampaio e Mello, durante os períodos de maior instabilidade em Paris, não despediu nenhum deles, e na sua maioria eram mulheres.
Um feito, visto que Constantino viveu em França no Segundo Império Francês, o de Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte, e ainda assistiu ao conturbado fim da era napoleónica.
Em 1850, passou por Portugal onde foi recebido com grande entusiasmo por poetas como Almeida Garrett e Feliciano de Castilho. É no seu país que Constantino deseja morrer. Como escreve o poeta António Pinheiro Caldas: “Na Bretanha apresentou/Quiz a França disputar-nos […] Mas tu d’altivo bradaste:/’Sou filho de Portugal!/Embora eu viva na França […]”.
O seu desejo não se concretizou. Morreu aos 71 anos numa cidade de província em França, mas seria recordado em Lisboa quando o então presidente da Câmara Rosa Araújo decide batizar um jardim em Arroios com o seu nome.

Na altura, ainda se pensou em erguer uma estátua em homenagem ao florista, mas o plano acabaria por não ser concretizado. Isso também contribuiria para o esquecimento de Constantino, como um nome estranho de um jardim não muito cuidado do centro de Lisboa.
Até agora.
O futuro do Jardim Constantino
Por causa de uma advogada com gosto pela sua cidade, a memória de Constantino viverá agora numa placa e numa camélia na calçada portuguesa inauguradas no seu jardim. Passaram seis anos desde a proposta, com uma mudança de executivo pelo meio, mas Constantino é finalmente celebrado.
É uma placa simples, mas que passa aquela que é a mensagem principal: a de que Constantino “criava beleza e criava flores”. “As pessoas não sabiam quem era o Constantino”, diz Gonçalo Sampaio e Mello. “Agora, qualquer pessoa que passe ali, já vai saber”.


Também por isso é importante preservar o jardim que adotou o nome do florista: e essa era também a missão que Filipa Neto Mariano deu a si própria quando fez a proposta, em 2016. Mas o orçamento para cada projeto seria de 5 mil euros, pelo que a requalificação do Jardim Constantino era muito difícil.
“Basta ver imagens antigas de como era o jardim para perceber como podia ser”, explica Filipa. Por exemplo, para a advogada, o jardim devia voltar a ter caminhos ajardinados. E o parque infantil podia ser mudado de sítio, porque agora está muito próximo de uma grande árvore, com pombos e lixo. “Não há muitos espaços verdes em Arroios e é um bairro muito residencial, e portanto tem muitas crianças e escolas, poderia ser muito usado”, diz a lisboeta que tem ainda mais ideias como a criação de uma zona de plantas suculentas – que resistam à seca – ou a plantação de alecrim.
Mais plantas. Mais flores, sempre em homenagem àquele que foi o Rei dos Floristas.

Ana da Cunha
Nasceu no Porto, há 26 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.
✉ ana.cunha@amensagem.pt
História interessante e muito bem contada.