Francesco Valente nasceu em Itália, estudou Línguas e Literaturas estrangeiras em Milão, optou por ter o português como primeira língua, ganhou uma bolsa do Instituto Camões para melhorar os conhecimentos da língua e estudou na Universidade Clássica de Lisboa. Paolo Makossa fez o mesmo curso, mas em Nápoles, e estudou também na Universidade Clássica. Foram da mesma turma, decidiram ficar a viver em Lisboa, mas não se conheceram.

Só anos mais tarde é que se encontraram na noite lisboeta e perceberam que tinham interesses e percursos muito semelhantes.

Francesco, depois de ter estudado línguas, enveredou pela indústria musical, e faz parte de vários projetos musicais, como a banda Terrakota. Paolo continuou pelas línguas e especializou-se em literatura africana. Para conhecer melhor esta cultura, começou a ouvir sonoridades africanas e descobriu os Terrakota, uma banda com “músicas do mundo”.

E, assim, depois de terem passado pelos mesmos lugares, sem se terem cruzado, os dois italianos tornaram-se amigos.

Agora, Francesco pediu ajuda a Paolo para lançar a rádio Olisipo: uma rádio que quer dar visibilidade à música independente feita por quem passa ou está em Lisboa. Este projeto é o “culminar de uma amizade de mais de 25 anos”, conta Paolo.

Francesco Valente, rádio Olisipo
Foi durante a pandemia que começou a formar-se na cabeça de Francesco Valente, a ideia de criar uma rádio que divulgasse música independente feita em Lisboa. Foto: Inês Leote.

A ideia de lançar uma rádio surgiu quando Francesco tinha marcado dez dias para ir a Itália gravar um disco com um amigo, em março de 2020. “Dez dias, tornaram-se 95 dias de uma doce prisão”, recorda, dizendo que no segundo dia em Itália o país fechou devido à pandemia. Foi uma doce prisão porque nesse tempo a cabeça não parou de pensar em projetos. “Entre as várias deambulações surgiu esta ideia de fazer uma rádio”, explica.

Quando regressou a Portugal recebeu um apoio da Direção Geral das Artes para desenvolver um projeto chamado “Ágora”, que consiste em entrevistas a músicos e outros produtores culturais sobre a “vivência dos artistas e do trabalho independente durante o período pandémico”, e essas entrevistas revelaram várias questões entre as quais “o impacto emocional, financeiro e criativo que a pandemia teve nos artistas”, bem como as “visões de cada um sobre o mundo artístico e sobre as políticas culturais”. Embora tenham a pandemia como tema, o objetivo era ir para além disso e partilhar com os ouvintes o processo criativo das músicas.

Com as entrevistas gravadas era necessário ter uma plataforma para lhes dar visibilidade. E a ideia de lançar a rádio ganhou asas. “Ter uma rádio independente que se dedicasse a música independente sobretudo produzida por músicos residentes em Lisboa e juntar a esse material as entrevistas, seria o ideal”, explica Francesco. E assim nasceu a rádio Olisipo.

A escolha do nome foi uma forma de homenagear Lisboa, recuperando o nome romano da capital portuguesa. Mas só depois de o terem escolhido é que descobriram a sua relação com Fernando Pessoa.

“Descobrimos que Pessoa tinha uma empresa chamada Olisipo cujo objetivo era internacionalizar a cultura portuguesa, além de traduzir obras da literatura internacional para o português”, explica Francesco. E o nome ficou ainda mais especial já que encontraram um paralelismo com a rádio. “A nossa rádio quer internacionalizar a música que é feita em Lisboa, seja de lisboetas de gema, portugueses que vivem aqui ou imigrantes, como nós”, diz.

rádio Olisipo, Francesco Valente, Paolo Makossa
Francesco e Paolo, ambos italianos e com percursos comuns, conheceram-se em Lisboa. E agora querem que a rádio Olisipo seja um ponto para a música feita em Lisboa. Foto: Inês Leote

Lisboa serve como “ponto de encontro para a música”, diz Paolo referindo que a música independente a passar na Olisipo é de artistas de todo o mundo que passaram ou se estabeleceram cá. “Um ouvinte que está na Moldávia, na Finlândia ou na Argentina e quer ouvir um pouco de música independente feita em Lisboa, pode sintonizar a Olisipo”, acrescenta Francesco.

No ar 24 horas por dia, a rádio passa vários estilos musicais que não têm espaço nas rádios comerciais, “onde não há tempo para passar o álbum todo, passam só singles, não há espaço para a música instrumental e nós passamos”, exemplifica Francesco.

Paolo Makossa, Rádio Olisipo
Paolo Makossa não hesitou em aceitar o convite do amigo e compatriota Francesco para entrar na aventura da Rádio Olisipo. Foto: Inês Leote

As entrevistas do projeto “Ágora” são intercaladas com as playlists. Mas há mais conteúdo. Existe também o programa “Disco Voador”, no qual a rádio convida um artista a fazer uma viagem por uma determinada sonoridade, área ou género musicais. “Convidamos, por exemplo, uma artista bielorrussa, a viver em Lisboa, que faz uma viagem pelas sonoridades da Europa de Leste”, explica Paolo.

Sem publicidade e com vários apoios, a rádio tem recebido feedback positivo, embora as audiências oscilem. Para já, os dois italianos “querem consolidar a estrutura da rádio”. No futuro, podem vir a ser apoiados pelos ouvintes.

A rádio está online há um mês e o estúdio é no espaço BOTA (Base Organizada da Toca das Artes) ­− um co-work musical, nos Anjos.


* Daniela Oliveira nasceu no Porto, há 22 anos, mas a vontade de viver em Lisboa falou mais alto e há um ano mudou-se para a capital. Descobrir Lisboa e contar as suas histórias sempre foi um sonho. Estuda Ciências da Comunicação na Católica e está a fazer um estágio na Mensagem de Lisboa. Este artigo foi editado por Catarina Pires.