Albano Soares sempre foi apaixonado por insetos, paixão que o levou a seguir entomologia (especialidade da biologia que estuda os insetos). Até 2018, dedicava-se só ao estudo das borboletas e libélulas, mas uma pesquisa realizada por um grupo de investigadores ingleses na qual foram identificadas mais de 600 espécies de abelhas em Portugal despertou a sua curiosidade por este grupo de insetos, especialmente pelas abelhas selvagens, diferentes da abelha do mel, que “já está muito estudada” e, por isso, fora do foco do investigador.
“Achei o mundo das abelhas fascinante”, diz. Como vive perto da Mata de Alvalade, do Parque Urbano do Vale da Montanha e do Parque da Bela Vista pensou que seria a oportunidade ideal para começar a fazer um levantamento das espécies de abelhas na cidade de Lisboa.
Conta já com 140 espécies de abelhas selvagens identificadas. “Muitas vezes, depois do almoço, venho por aí fora com a rede para tentar apanhá-las. Não é bem um passatempo, é uma forma de estudo que depois vou aplicar noutras coisas”, explica o agora investigador no Centro de Conservação das Borboletas de Portugal (Tagis) e no 3C (Centro de Ecologia e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa).

Embora o estudo de David Baldock, Thomas Wood e Jan Smit tenha contribuído para um maior conhecimento sobre estes animais em Portugal, Albano Soares refere que não há muito conhecimento, nem uma lista oficial sobre as abelhas em Lisboa.
Com o tempo, começou a perceber que esta é uma cidade “muito boa para as abelhas”. “Apesar de já ter identificado 140 espécies, não é uma hipótese descabida admitir que existam 200 espécies de abelhas selvagens em Lisboa. Podemos ser a cidade com mais espécies de abelhas na Europa”.
Esta diversidade deve-se a vários fatores. “A cidade tem muitos espaços e corredores verdes. Depois, temos uma posição geográfica muito interessante, perto da bacia do Mediterrâneo, o clima é fantástico, os solos são bons, existe uma grande variedade de abelhas. Lisboa tem tudo para ter imensas abelhas”.
Abelhas precisam de vegetação a crescer mais livre
No entanto, o investigador considera que a cidade podia ser mais amiga da espécie se a gestão dos espaços verdes fosse mais “ecológica” e “menos estética”. Dando como exemplo um dos prados do Parque Urbano do Vale da Montanha, onde a entrevista decorre, explica que este é regado e, por isso, florescem trevos todo o ano.
“Mas, muito frequentemente, cortam o jardim todo. E aqui vive uma espécie de abelha muita rara, que é a Anthophora, mas está sempre no abismo porque toda a vegetação é cortada. Este sentido estético acontece em quase todos os jardins de Lisboa. Nos maiores, ainda existem alguns espaços que não são tratados, mas nos mais pequenos vivem poucas espécies de abelhas porque a florestação é constantemente cortada”, explica.

Esta gestão, do ponto de vista do investigador, acontece por “desconhecimento” e por “pressão” dos munícipes. Por um lado, as pessoas “não estão sensibilizadas para olhar para um jardim menos cuidado com ervas altas e perceber que não é desleixo, é a sucessão natural da vegetação, é a natureza a funcionar”. Por outro, como os munícipes preferem ver um jardim “arranjado” e, caso isso não se verifique, assumem que é descuido da autarquia, esta “cede a essa pressão”.
Como solução, Albano Soares sugere que, por exemplo, sejam apenas cortados dois terços dos jardins e que o restante fique a crescer “de forma espontânea e natural” para que o jardim fique mais sustentável. Reforça também a necessidade de haver uma educação ambiental para que haja um maior respeito pela biodiversidade.
“Nós temos muito pouco conhecimento da nossa biodiversidade. E não tendo conhecimento, não temos tanto respeito”, lamenta, referindo o caso de Inglaterra como um país que cuida e tem gosto pela sua natureza. “Os ingleses têm jardins elaborados, fazem concursos de flores e alimentam os pássaros no jardim, por exemplo”.
“A paisagem é feita pelas abelhas”
O cuidado com os espaços verdes e toda a sua biodiversidade ganha outra dimensão se se perceber que “a paisagem dos espaços verdes é feita por abelhas”, refere o investigador apontando para a quantidade de malmequeres que dão cor ao Parque Urbano do Vale da Montanha.
“O facto de haver mais malmequeres do que outras plantas e a arvoragem ser mais espaçada está relacionado com as populações de abelhas que polinizam o Parque. Se houvesse outra composição das espécies seria tudo diferente”, esclarece.


Para além disso, as abelhas influenciam a vida dos seres humanos. “Um prado de pastagem que tenha grande diversidade florística vai ter mais polinização, logo a carne e o leite que consumimos serão de melhor qualidade. E as abelhas estão por detrás disso tudo”.
Há ainda outras implicações que não tão visíveis. Grande parte das abelhas faz ninho nos solos e ao fazer isso “leva toneladas de nutrientes para o solo e esses 30 ou 40 centímetros de profundidade fertilizam-no. Não se vê, mas é um peso enorme”. Este trabalho das abelhas tem também impacto direto na qualidade das hortas urbanas à volta do Parque, já que “quanto mais diversidade de espécies, mais saudável e equilibrado se torna o espaço envolvente”.
Perceber a importância das abelhas no espaço urbano pode ser um passo importante para uma cidade mais sustentável. No fundo, “nós somos só mais um, no meio da biodiversidade, pertencemos tanto aqui como a abelha”, conclui Albano Soares.
* Daniela Oliveira nasceu no Porto, há 22 anos, mas a vontade de viver em Lisboa falou mais alto e há um ano mudou-se para a capital. Descobrir Lisboa e contar as suas histórias sempre foi um sonho. Estuda Ciências da Comunicação na Católica e está a fazer um estágio na Mensagem de Lisboa. Este artigo foi editado por Catarina Pires.
Boa matéria.
Fundamental essa questão e a forma como está sendo tratada pelo pesquisador Albano Soares. As abelhas são fundamentais, os serviços prestados ao meio ambiente e à biodiversidade em sua mais complexa rede, são um ponto importantíssimo e que muitas vezes são negligenciados, a participação desse inseto na paisagem, é realmente algo que chama muito a atenção, porém não é facilmente percebido. Escrevo do Brasil onde temos cerca de 300 espécies nativas de abelhas sem ferrão. Uma diversidade espantosa e que não está recebendo a atenção que deveria por parte das autoridades governamentais, embora cientistas de todos os meios têm se esforçado para chamar a atenção sobre o assunto.
Quando estive em Portugal observei algumas espécies nativas nos campos por onde passei, cuja vegetação se diferencia muito da que temos aqui num país tropical, conversando com pessoas comuns residentes de áreas isoladas, longe de grandes centros urbanos, constatei que existia um sentimento de compreensão sobre essas abelhas e mesmo outros insetos. Não foi uma pesquisa fundamentada em metodologia científica, apenas curiosidade, contudo percebi um certo respeito dessas pessoas pela natureza. Gente muito simples, a maioria com pouquíssimo ou nenhum estudo, mas com consciência sobre a questão ecológica, evidentemente que no discurso se diferenciam palavras, entretanto se manifestam no comportamento de forma que chamam a atenção, além de ser algo natural, quando indagado sobre essa questão, falam sem qualquer formalidade, me pareceu ser algo natural, do comportamento dessas pessoas..
Tenho um amigo aí em Portugal, João Pedro Cappas e Souza que é apaixonado pelas abelhas sem ferrão, quando esteve no Brasil passamos bom tempo juntos com o Dr. Paulo Nogueira-Neto visitando meliponários e ele sempre citava algo sobre as abelhas nativas de Portugal.
Tenho saudade da Terrinha!!!
Parabéns pelo trabalho
Gostava muito de ver as abelhas nativas Brasileiras serem introduzidas em Portugal, pois são fantásticas, além do manuseio, pois são dóceis podendo ter colmeias em suas casas, pois não existe o risco de ataque, eu tinha mais de 100 colmeias no Brasil de diversas espécies meus filhos adoravam me ajudar no manuseio delas, a variedade de Mel é fantástica também, e suas propriedades medicinais são incríveis.
Moro em Portugal a 4 anos e observo as abelhas aqui, e creio que as abelhas brasileiras seriam muito bem recebidas, o clima daqui é parecido com o sul do Brasil, posso estar errado, mas acho que vale a pena tentar, pesquisem sobre essas abelhas que vou exemplificar, são elas, Mandaçaia, Jatai, Guaraipo, Bugia, Manduri, Uruçu Nordestina, Boca de Renda, e essa lista só aumenta, pesquisem e teram uma espantosa visão do que são as abelhas indígenas Brasileiras, que os Governantes de meu país não sabem como usar sendo uma ferramenta incrível para o futuro da agricultura.