Diogo Faro faz a sua vida em Alvalade, para onde veio viver aos 9 anos. Foto: Inês Leote

Há uns anos, quem passasse pela estátua do Santo António, no cruzamento entre a Avenida da Igreja e a Avenida de Roma, avistaria um grupo de jovens de skate, a experimentar truques. Lá no meio, estaria Diogo Faro, nessa altura ainda desconhecido dos portugueses, “um miúdo parvo” que “fazia desenhos e jogava à bola”.

Hoje humorista, polémico, Diogo recorda esses tempos entre goles de cerveja, sentado numa mesa do Boteco de Alvalade, a “tasca” que fica a uma curta distância de casa, nada longe desse cruzamento onde costumava “skatar”.

Se as últimas palavras do seu novo livro Processo de Humanização em Curso (que inspirou um também novo espetáculo) foram escritas num dos lagos do Campo Grande, a verdade é que uma boa parte da obra terá sido pensada e até escrita nesta “tasca” de todos os dias.

Escrever, sempre o fez, mas não é algo que goste de romantizar. “Há sempre bué miúdos a escrever boas composições, não era uma cena em que as pessoas dissessem ‘este rapaz escreve tão bem que vai ser o próximo Nobel’”.

Mas mesmo que a escrita esteja presente desde sempre, muito parece ter mudado desde os nove anos de idade, quando Diogo Faro veio da Amadora para Alvalade depois da separação dos pais.

Nessa altura, andava com o skate para todo o lado e fugia da polícia por andar a testar manobras. Agora, dedica-se a escrever e a arquitetar mentalmente os seus espetáculos. A história é outra, as ruas são as mesmas. Um pouco como uma música dos Capitão Fausto, também nascidos neste bairro: “Alvalade chama por mim/Nunca esquecer que a mocidade para nós chegou ao fim”. 

Vídeo: Inês Leote.

A Avenida da Igreja, dessas tardes do skate, continua a fazer parte da sua rota diária, e é por lá que caminhamos, com Diogo a recordar essas fugas à polícia e – bem mais ameaçadoras – as queixas das velhinhas que não suportavam os mais novos em cima das pranchas.

Eram tempos de ouvir música dos Censurados e Tara Perdida, as bandas que uniam os miúdos do bairro, marcando a cultura urbana de Alvalade: o skate e o punk-rock. Mas não era bem com isso que Diogo sonhava.

Ele, que esteve sempre rodeado pela música – não fosse filho de Luís Pedro Faro, diretor artístico do Grupo de Ação Cultural (GAC), que tocou com figuras como José Mário Branco e Zeca Afonso – queria ser clarinetista.

Estava mais que convencido de que esse seria o seu futuro quando estudava Ciências no secundário, no liceu Rainha D. Leonor, onde, com os amigos, chegou a construir um mini skatepark.

“Foi aqui que comecei a beijar na boca, a andar de skate, onde fui assaltado muitas vezes”. As típicas conquistas e aprendizagens de um miúdo na flor da idade, numa Alvalade nem sempre segura – até mesmo “tensa” para miúdos que saíam tarde da escola.

Na Escola Rainha Dona Leonor, Diogo Faro acalentava o sonho de ser clarinetista. Aqui, diz ter crescido e aprendido muito. Foto: Inês Leote

A seu tempo, a vida encarregou-se de lhe mostrar outros caminhos para além do clarinete e dos kickflips. As primeiras vezes que fez standup foi ali perto, no Cinema City Alvalade, nas noites de open mic. Na altura, “correu bem”. Agora, quando pensa nisso, até tem vergonha.

Foram essas primeiras tentativas, que à luz do presente nos parecem sempre desastrosas, que o fizeram descobrir o tipo de artista que queria ser: alguém que usa a sua plataforma para falar de assuntos sérios, e não só das coisas corriqueiras do dia-a-dia. “Não tenho o propósito de mudar o mundo, mas se com o humor deixar as pessoas a pensar um bocadinho, como tantas outras me fazem pensar a mim, já é bom”, afirma.

Para isso, teve de ler. Muito, diz ele. “Quanto mais falas, mais percebes que não sabes nada. Tive de estudar bastante para perceber como as coisas estão ligadas. Quanto mais estudas, mais lês”. Livros sobre o feminismo, o racismo, os direitos LGBTQ+, as alterações climáticas – os temas que mais surgem nos seus textos e espetáculos.

Essas leituras também passam pela esplanada do Boteco de Alvalade. Porque é de Alvalade que ele gosta. Mesmo com as reviravoltas da vida, Diogo Faro nunca deixou aquele que diz ser o “seu bairro”. Alvalade é, afinal, “conforto”: os avós sempre viveram na Avenida de Roma e agora é também por aqui que mora a mãe, os primos e muitos amigos.

“É pena a discrepância que existe entre os salários e o preço das rendas”, diz. No ano passado, viu-se obrigado a mudar de casa por não conseguir pagar, mas acabaria por encontrar uma casa “mais pequenina”, na Avenida de Roma.

Não se imagina em mais lado nenhum, nem mesmo num mundo utópico sem rendas altas. “Se tivesse dinheiro para comprar uma casa, seria aqui, com uma boa varanda e um terraço”.


Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt

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