Lisboa é um laboratório do país, e a noite eleitoral foi muito interessante, marcando os próximos tempos na cidade. O PS ganhou em toda a linha na cidade e no distrito. Tocou a rebate nas hostes socialistas, e o partido que perdera a Câmara Municipal em setembro (com 33,3% face a 34,3% dos Novos Tempos), conquistou mais 30 mil votos no concelho do que nessas autárquicas (em que perdera 23 mil votos face às anteriores, mesmo com o Livre). E consegue mesmo um aumento de 13 mil do que obtivera nas legislativas de 2019 (onde ganhou com 33,27%).
Nos resultados de ontem, na cidade de Lisboa, PS obteve 36,43% e o PSD 27,35 %.
No distrito o PS teve 40,83% – subindo face aos 36,74% de 2019. O PSD também sobe, de 22,6% para 24,1%. O centro soidifica-se, mas foi dos pequenos partidos que veio a maior mudança: e em Lisboa teve sentido diferente do país. A Iniciativa Liberal sobe em flecha para ser o terceiro partido – com 10,59% no distrito, tirando o lugar ao… Bloco de Esquerda com 4,6%. O Chega é quarto, com 5,59%, tirando o lugar à CDU (4,72%), que perde cada vez mais base de apoio na Área de Lisboa, uma das suas mais importantes.
O voto de protesto virou à direita? Quanto pesou o voto útil à esquerda? As pessoas perderam a vergonha de votar num ano no BE e no outro no IL, ou no Chega… ainda que isto não tenha lógica nenhuma? Quanto vale a ideologia e quanto vale o prato com comida na hora de votar? A proposta liberal conquista aos poucos os lisboetas, na cidade mais desigual do país? Para onde foi o voto dos ricos e dos pobres? O que é que estes partidos poderão agora fazer com estes resultados?
Do ponto de vista mais político: pode Carlos Moedas estar descansado? O que é que estes resultados irão ocasionar na CML, numa vereação com maioria de esquerda? Irá o PS cerrar punhos na oposição, agora que saiu recuperado? Poderá Moedas continuar a contar com a abstenção socialista nas horas chave? Irão o BE e o PCP atacar também o PS – com o executivo a levar por tabela?
Haverá muito para analisar e discorrer sobre isto, mas vamos aos factos:
Mais pessoas a votar em Lisboa
Houve mais 12 mil votantes do que nas últimas legislativas na cidade de Lisboa– com a abstenção nos 38%, um dos mais baixos números dos últimos anos. Em relação às autárquicas, o aumento de votantes foi de 60 mil – só no município, num total de votantes de 303 mil.
Em todo o distrito, o aumento foi de 80 mil votantes, desde 2019, num total de 1.181 874. Nas autárquicas de 2021 votaram menos 270 mil pessoas do que agora no distrito – demonstrando o quanto o eleitorado achava que estava tudo decidido nessa altura, e agora, não.

Isto significa que a votação no PS pode ter vindo tanto da transferência do voto útil à esquerda como da diminuição da abstenção – uma vez que nas autárquicas o PS tinha sido prejudicado, já que nas suas juntas tradicionais a abstenção tinha aumentado, o que indicara uma mobilização para votar em Carlos Moedas nas Juntas mais à direita.
O novo protesto troca de posição com o tradicional
O aumento dos votantes não explica toda a transferência de votos. O que parece ter acontecido – e tendo em conta que os grandes partidos cresceram ambos – é uma transferência entre os partidos pequenos. O que pode ser estranho tendo em conta as diferenças ideológicas entre eles, dos mais liberais aos mais sociais – mas disso darão conta as sondagens pós eleitorais, que serão certamente curiosas.
Em Lisboa foi muito acentuada a reviravolta com a troca de posições em relação aos resultados nacionais: IL e Chega tomam os anteriores lugares de BE e CDU.
Os dados do concelho indicam a erosão de BE e PCP, que perderam, respetivamente, 12.500 e 6.091 votos. BE cai de 9,13% para 4,65%. CDU cai de 7,01% para 4,72%.
Em todo o distrito, a CDU perdeu 25 mil votos e o BE 51 mil desde as últimas legislativas. São menos do que ganharam os mais novos partidos, no entanto. A Iniciativa Liberal conquistou 66 mil novos votos. O Chega até conseguiu mais: 70 mil novos votos .
Os quatro deputados de cada um destes novos partidos significam o dobro do BE e CDU neste Parlamento, ambos com apenas dois.
Se a erosão da CDU é uma constante – e é preciso não esquecer a história do partido e o facto de já ter aguentdo o choque do BE – a hecatombe eleitoral do BE é nova, inédita, sobretudo sendo um partido recente e que parecia ter o seu eleitorado urbano bem fixo: no distrito de Lisboa chegaram a ter 125 mil votos em 2015. Baixaram para 55 mil desta vez. E perderam a posição relativa, sendo ultrapassados pelo CDU.
Na cidade de Lisboa, o BE passou de 26 mil votos em 2019 para 14 mil – sendo que nas autárquicas, que não são a praia do partido, tinha tido 15 mil votos. Ou seja, Beatriz Gomes Dias convenceu mais que Mariana Mortágua?
Dado interessante: o Livre ficou à frente do BE nas freguesias da Misericórdia, São Domingos Benfica, Alvalade, Areeiro, Avenidas Novas e Campo de Ourique, embora não tenha conseguido eleger um grupo parlamentar nem tido o embalo da Iniciativa Liberal.
Estabilidade e novidade
Se a maioria dos lisboetas disse preferir a estabilidade e continuidade, uma outra parte foi para a novidade da IL e do Chega. A Iniciativa Liberal passou a terceira força política no distrito, com 7,9% – embora com o mesmo número de deputados do Chega, com 7,7%, em quarto: 4.
Para estas posições muito contribui o resultado da IL na cidade de Lisboa, com 32 mil votos, contra 17 mil do Chega – 10,59% contra 5,59%.
Pequena comparação com as autárquicas: em todo o distrito a IL tinha conseguido 27 mil votos no total, e o Chega já cerca de 59 mil. No município, IL e Chega tinham conseguido ambos cerca de dez mil votos – e assim se percebe melhor a subida enorme dos liberais no centro de Lisboa.
Em Lisboa, aliás, a IL obtém o seu melhor resultado do país na freguesia das Avenidas Novas – 16,6% (o PSD continua a ganhar aqui, depois de ter reconquistado a Junta nas autárquicas). A esta junta-se Estrela, 14,71%, Lumiar, com 13,31%, Alvalade – 13,18%, Campo de Ourique – 12,44% e Areeiro – 13,18%, Parque das Nações, 12,74%.

Ou seja, os liberais conquistaram o eleitorado urbano, sem surpresa nas zonas mais gentrificadas e ricas da cidade. Mas a avalanche percorreu o município: mesmo em Arroios, a IL alcança 10,07%.
Poder-se-ia pensar que isto era uma coisa da cidade de Lisboa, da fatia mais abastada, que se prolonga em Cascais – 10,49% (na zona litoral), ou Oeiras – 10,25%. Mas a IL tem também bons resultados em Sintra – 6,26%, Mafra – 7,57, ou até Amadora 5,67%.
Ver aqui mais informação:
https://twitter.com/alexandreafonso/status/1488116059643203587/photo/2
Chega: social ou económico?
Há um dado curioso sobre o Chega que mostra que o partido pode estar a comer mais nos argumentos económicos do que culturais ou sociais: na zona com mais estrangeiros da cidade, Arroios, o Chega é remetido para uns 4,4%, atrás do Livre (6,27%), do BE (7,31%) e do PCP (6,16%).

Mas se isto é assim na zona com mais estrangeiros, o mesmo não se passa nas zonas onde há mais desigualdade social – aí o Chega parece estar no seu elemento, voltando a repetir os resultados das autárquicas: em Santa Clara, zona norte da cidade, a seguir ao Lumiar, tem 10,35%, em Marvila 9,62% e no Beato 7,59%. Em todas elas fica em terceiro lugar (embora, curiosamente, em Santa Clara seja imediatamente seguido pela IL). Em todas elas há bolsas de população de origem cigana.
Onde o Chega teve menos votos foi em Santo António e São Domingos de Benfica – zonas de mais classe média e alta. E mais atrás entre sexto e sétimo lugar foi nestes e Misericórdia, Penha de França, Arroios e São Vicente.
PS sobe… e PSD acaba por subir também
O PS consolidou a vitória – ganhando à grande mesmo, no concelho, em 16 freguesias, entre elas Arroios e Parque das Nações, que perdera nas autárquicas (embora sejam eleições diferentes).
Mas a verdade é que, na cidade de Lisboa, o PSD até cresceu também, embora não em percentagem, mas em votos: ganhou cerca de dez mil novos votos em relação à votação de 2019, e manteve os votos em Carlos Moedas – e aí até se pode considerar que cresceu tendo em conta que o CDS, agora sozinho, teve quase 7 mil votos.
Lisboa é um excelente labortatório eleitoral. Veremos o que os partidos vão agora fazer com ele.
Resultdados eleitorais completos do concelho, aqui.

Resultados eleitorais do distrito, aqui.


Catarina Carvalho
Jornalista desde as teclas da máquina de escrever do avô, agora com 51 anos está a fazer o projeto que melhor representa o que defende no jornalismo: histórias e pessoas. Lidera redações há 20 anos – Sábado, DN, Diário Económico, Notícias Magazine, Evasões, Volta ao Mundo… – e segue os media internacionais, fazendo parte do board do World Editors Forum. Nada lhe dá mais gozo que contar as histórias da sua rua, em Lisboa.
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Uma análise bem útil e interessante, como é habitual