Presépio Basilica Estrela

Lisboa tem a possibilidade extraordinária de ter dois monumentais presépios da autoria de Joaquim Machado de Castro (1731-1882). Estão em duas das principais igrejas da cidade: na Sé e na Basílica da Estrela. Há um terceiro na igreja dos Mártires, dentro do mesmo estilo e atribuído à escola do escultor.

Nem sempre a grandeza caminha a par com a beleza. No entanto, estes três presépios brilham pelas duas características. Se por um lado nos apresentam o que aconteceu há dois mil e vinte e um anos, por outro retratam a vida da época: a indumentária, as cenas da vida quotidiana, como a matança do porco, o jogo da malha, as lavadeiras de roupa, a taberna… Olhando em pormenor os presépios poderíamos imaginar-nos numas ruas perdidas de Alfama ou da Madragoa. Machado de Castro soube bem encarnar o mistério histórico na história do seu tempo.

Mas há mais presépios históricos na cidade. Como não referir o do Museu do azulejo ou, mais recente, o da igreja de Fátima, num outro estilo, da escultura Maria Amélia Carvalheira? E faltaria ainda entrar em cada casa para ver a criatividade e o carinho de cada peça colocada no lugar certo para dar sentido a tudo o que se festeja nestes dias.

Machado de Castro, no entanto, não quis fazer o elogio da pobreza da gruta de Belém. A exuberância não está nas três figuras principais do presépio, mas sim na exaltação do mistério que, na nossa era, marcou a diferença: se estamos em 2021 é por causa do nascimento de Jesus, mesmo que as contas não estejam bem feitas e, para Machado de Castro, naquele tempo, e muitos cristãos deste tempo, o presépio imortaliza o momento em que Deus se faz humano, um de nós, para nos salvar. Seu contemporâneo, Francisco Joaquim Bingre (1763-1856), escrevia: “Ó dia mais feliz, mais Santo dia / Que em todo o Orbe Cristão venera a Igreja! / Que dá glória ao Céu, que a Paz adeja / Sobre as trevas da Terra, que alumia!”

Veja aqui o presépio da Estrela:

Os nossos presépios imortalizam aquele momento, mas não podemos ignorar os muitos presépios vivos que na nossa cidade precisam ser iluminados. Falo do Natal dos pobres e dos mais sós que, na Consoada, vão ter um aconchego junto de pessoas e instituições que os vão acolher. Falo das famílias carenciadas que, graças à generosidade e ao milagre da partilha, vão poder ter uma refeição melhorada no dia de Natal. Falo das crianças institucionalizadas que na manhã de Natal, com alegria, vão também ter direito à sua prenda… Tantos presépios anónimos na nossa cidade que actualizam aquele primeiro presépio e lhe dão sentido.

O Natal mais triste será sempre o Natal celebrado na bolha do egoísmo, o mais alegre será o Natal partilhado, sensível e atento aos outros. Revisitar os presépios barrocos de Machado de Castro deveria implicar visitar estes outros presépios que na noite de Natal se vão iluminar. Feliz Natal!


Nasceu e cresceu em Marvila, Lisboa, há 46 anos. E há 23 que vive em São Domingos de Benfica. Frade dominicano, de 46 anos, a sua vida divide-se entre o convento e a cidade, sobretudo no apoio aos mais pobres, como voluntário da Associação João 13. Escreve por gosto e também por necessidade.

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1 Comentário

  1. Gostei muito de ler estas linhas que ilucidam e iluminam as nossas mentes sobre algo que não sabemos. Grata.

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