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A imagem que encima este texto, os leitores de Mensagem já a viram aqui e recentemente, no princípio do outono. Desenhada por Tiago de Albuquerque, ilustrava um livro com palavras de João Paulo Cotrim. Título: “Jean Moulin, a sombra não apaga a cor”.
Jean Moulin foi o herói francês do exército das sombras que resistiu aos nazis, e devolveu as cores e a honra à França. O livrinho, “para supostas crianças, quem sabe, jovens, inevitáveis adultos”, como o apresentou Cotrim, era parte de um notável ato de cidadania.
Traduzo, porque as palavras, mesmo as nobres, às vezes são desviadas para palavrório, traduzo: cidadania, ato de vizinhos, feito por uns, para os à volta, todos. Sinónimos: generosidade, amor pela cidade, gratidão de quem faz, inteligência, enfim.
Aquela homenagem, escrevi, então, era como o canteiro de sardinheiras que os vizinhos plantam e regam numas escadinhas de Lisboa. Ou a nesga de Tejo que, aqui e ali, rompe de surpresa.
Como se vê na imagem, o casario é lisboeta, o rio é o Tejo, e se está ali a silhueta do herói Jean Moulin é porque ele aqui esteve num momento transcendente do seu percurso. Há 80 anos, ele entrou em Lisboa clandestinamente e aqui decidiu juntar-se ao general De Gaulle. Sem ter sido assim, a França hoje seria diferente e amputada.

Por isso, fez-se o livrinho e uma quinzena de comemorações: debates, um catálogo culto, uma exposição na Casa da Imprensa e uma lápide no jardim de São Pedro de Alcântara, onde, (diz a lenda, e passou a assim ser) Jean Moulin foi visto a pintar as colinas fronteiras.
A embaixada francesa ficou honrada, familiares de Moulin ficaram comovidos e um dele disse: “Fora de França, nunca ninguém fez isto.” Também, fora de Lisboa, não há outra Lisboa assim.
Organizadores dessa homenagem foram um punhado de cidadãos. João Paulo Cotrim escreveu o livro ilustrado, falou nos debates, organizou o catálogo, convocou escritas. Como sempre, juntou. Foi o que fez pela vida fora, o jornalista, o escritor, o editor. Por estes dias, vai ser muito testemunhado este sal da terra.
João Paulo Cotrim era amante de banda desenhada – as palavras e desenho eram o seu bando preferido. Em vez de expor o seu longo e rico percurso, evoco-o num quadradinho, de ainda há dias: ele, num ato de amor pela cidade.
Morreu, dizem-me, agora. Nunca mais passarei em São Pedro de Alcântara sem um sorriso. Ele tinha olhos meigos, mas nunca me deixei levar, ele tinha um sorriso irónico.
