Era miúdo e as imagens de lutadores mascarados em extraordinárias lutas acrobáticas que pareciam desafiar a lógica fascinavam-nos e prendiam-no à televisão. A ideia de que era aquilo que queria fazer quando crescesse começou a formar-se e a ganhar tal força que um dia pediu ao pai o que a alguns poderia parecer impossível. “Teria aí uns 12 anos quando pedi ao meu para me construir um ringue de wrestling, no quintal”, recorda.
E o pai construiu. Levou um ano e meio, mas construiu. E foi nessa altura que Tiago Milheiro, que ainda não tinha adotado o nome pelo qual é hoje conhecido no mundo do wrestling – Red Eagle – percebeu que não havia impossíveis.

Depois de, graças à história do ringue construído no quintal pelo pai, ser “estrela” por um dia no programa de wrestling “Duplo Impacto”, da SIC Radical, canal onde via religiosamente, todas as semanas, os campeonatos da WWE (World Wrestling Entertainment), é contactado por uma companhia de wrestling que treinava na Alvaláxia, no estádio do Sporting, em Alvalade, a “NWR” – National Wrestling Revolution. Queriam fazer um show e precisavam de um ringue. Em troca, Tiago começaria a treinar com eles.
O ringue durou pouco e a companhia também. Red Eagle não desistiu do sonho e procurou outro poiso. A “APW – Associação Portuguesa de Wrestling” foi durante sete anos o ninho, onde fez aprendizagens e chegou a participar em shows, mas não satisfeito com o rumo que a companhia levava, decidiu que era tempo de abrir asas, voar e ir aprender com os melhores.
“Pensei para mim, vou aprender o mais possível lá fora, volto para cá e começo uma companhia minha”. Espanha, França, Inglaterra, Japão, Dubai. Red Eagle, que deve o seu nome de luta ao Benfica, passou pelas melhores escolas de wrestling do mundo, e quando voltou fundou a sua própria escola e companhia, a CTW, em 2017. “Após alguns anos lá fora, voltei para Portugal e decidi arranjar um espaço e começar a desenvolver o meu projeto”, conta.
No Centro de Treinos de Wrestling, que funciona num espaço cedido pela Academia Recreativa da Ajuda, Red Eagle faz um pouco de tudo: é wrestler, treinador, agente, promotor de shows, produtor, selecionador de talentos, tudo, mas com uma “uma equipa de trabalho impecável. Sem eles, não era possível chegar onde chegámos”, diz, garantindo que há pessoas que “já viram espetáculos de wrestling nos EUA e nos maiores eventos do mundo da modalidade e gostam mais dos shows do CTW. Palavra de honra”.
“Queremos mostrar às pessoas que há bom wrestling em Portugal”
Portugal não é um país com tradição de wrestling e ainda há muito a ideia de que aquilo é tudo a fingir, mas Red Eagle quer mudar isso com a CTW. A operar naquilo a que no meio se chama o circuito indy (de independente), o lutador já conseguiu inúmeras vitórias fora do ringue.
“Uma das minhas maiores vitórias, e do CTW, foi uma das minhas alunas, a Cláudia, fazer um try-out para a WWE (a maior companhia de wrestling do mundo, de sempre, nos EUA). Além disso, consegui também uma incrível parceria com companhias e wrestlers independentes japoneses. O Japão é um dos países com maior cultura de wrestling de sempre”, diz.
A parceria permite a ida de wrestlers do CTW ao Japão e vice-versa para shows e seminários de wrestling. “Não precisas de sair de Portugal para treinar wrestling. A nossa motivação é precisamente essa”, diz Red Eagle, cuja escola e companhia, na Ajuda, está focada em “mostrar às pessoas que há bom wrestling em Portugal e que há talento em Portugal. Queremos acima de tudo satisfazer as pessoas o mais possível”.

O objetivo do wrestler e treinador passa por fazer do CTW uma companhia e uma escola de topo, mas Red Eagle sabe hoje que o wrestling não é para toda a gente. “Fui percebendo com o tempo que é preciso paixão e compromisso com a esta arte, é preciso querer fazer parte do mundo do wrestling, respirar wrestling, ser desde wrestler a árbitro a ring announcer, a promotor, entre outras funções”.
Para Red Eagle, o caminho para o sucesso da companhia e daqueles que dela fazem parte passa por esta paixão. “O elevar da qualidade e do conhecimento do wrestling deve estar acima de tudo, incluindo os egos de cada um. É esta a mentalidade CTW”, assegura o responsável para quem a companhia é um negócio para ser levado a sério e não um mero divertimento de fim de semana.
A Ajuda é o grande ringue de wrestling em Lisboa
Localizada na Rua de Dom Vasco nº 67, na Ajuda, em Lisboa, está a Academia Recreativa da Ajuda – ARA. É nesta coletividade que se encontra o ringue e espaço de treino da CTW e Red Eagle faz questão de sublinhar a “enorme importância que a ARA tem tido para o crescimento e estabilidade do projeto”, numa troca que enriquece ambas as estruturas, uma vez que o wrestling também tem contribuído positivamente para a revitalização da coletividade.
A ambição é que os laços fortes entre o CTW e a freguesia da Ajuda se mantenham e possam ser desenvolvidas novas parcerias que venham impactar positivamente a comunidade da Ajuda e a CTW. “Espero que a Junta de Freguesia, além do forte apoio que nos tem dado, possa futuramente investir ainda mais no projeto CTW”, diz o wrestler profissional.
O wrestling lisboeta visto de fora
Graças ao CTW, o wrestling português já é conhecido no resto do mundo, nomeadamente nos países com uma maior cultura da modalidade, como os Estados Unidos, o Japão e Inglaterra.
Para isso, foi fundamental a parceria que o CTW conseguiu estabelecer com uma marca que faz stream (transmite em direto) de shows de wrestling independentes, o chamado indy wrestling. O envio de shows do CTW para a “Indy Wrestling TV”, que transmite para todo o mundo, permitiu que os EUA reconhecessem o wrestling português como indy wrestling. Uma “vitória para o CTW e todos os seus membros, mas também para todo o wrestling português”, que levou alguns lutadores nacionais a serem convidados e participarem em shows organizados nos EUA, que juntam wrestlers de todo o mundo.
O já referido intercâmbio do CTW com o Japão é outro passo para a internacionalização, além da velha aliança com Inglaterra, que, há cerca de uma década, tem a tradição de trazer cá lutadores ingleses e receber lá lutadores portugueses, seja para praticar, seja para aprender e ensinar, seja para lutar.
“O wrestling cá é o indy wrestling (wrestling independente), um wrestling mais íntimo. Porque ao contrário de grandes palcos, como nos EUA, em que os wrestlers são superstars, aqui tudo é mais perto do público, mais pessoal, entendes? É aquela magia que o fado tem. Em que não se canta num palco cheio de luzes, mas sim no chão junto das pessoas. É a magia que aqui temos”, conclui Red Eagle.
“O wrestling é como um treino de alta competição“
Quem pensa que o wrestling é a fingir está muito enganado. A luta pode ser encenada, mas os treinos no CTW, assemelham-se, em termos de intensidade, aos de qualquer atleta de alta competição. O wrestler tem que ser ágil e ter condição física para abranger toda a resistência possível e suportar todo o tipo de embate físico.
“Se for preciso levar uma cotovelada ou cair de pescoço, tens que saber como fazer isso na perfeição e por isso é que é como um treino de um atleta de alta competição. Tens que estar verdadeiramente no top of your game”, alerta Red Eagle, que explica que o aquecimento que não é para qualquer um.
O CTW exige um treino verdadeiramente intenso, recomendando o seu treinador um bom tempo de ginásio “umas valentes 6 semanas” antes de querer vir treinar e consequentemente dar shows de wrestling.”
Os exercícios trabalhados são variados, desde o aquecimento inicial, em que são feitas múltiplas repetições de exercícios que vão aumentar a endurance física, ou seja, toda uma rotina de flexões, abdominais e agachamentos, à parte de treino de agilidade e velocidade, isto é, todo o tipo de exercício que envolva reflexos rápidos, como a corrida a in-out de obstáculos no chão, que exige grande coordenação mental e grande velocidade, até à prática das várias manobras que se utilizam num wrestling match.
Para ser um wrestler é necessário um conjunto de skills, que segundo Red Eagle passam essencialmente pelo compromisso físico e mental e que exemplifica apontando para os ouvidos – “mais isto” – e depois para a boca – “e menos isto”, fazendo um movimento horizontal, como quem fecha um estojo. Ou seja, a capacidade de aprendizagem e de estar disponível para a receber é fundamental. E muitas vezes, diz, “isso é muito mais complicado do que estar no topo da forma física.”
“Levar a sério o wrestling e não achar que é puro divertimento é essencial”, acrescenta, apontando como derradeiro projeto para o seu CTW “encontrar um espaço que tenha sempre o ringue montado e para onde o pessoal venha treinar e possa ficar instalado, para dormir e passar uns dias, dando 100% de si ao wrestling, que é algo que se faz atualmente no Japão. É esse o objetivo final do CTW”.
Os treinos no CTW – na Rua de Dom Vasco nº 67, na Ajuda – dividem-se em treinos de iniciados (não tão experientes) e avançados (mais experientes). Os treinos são das 10h às 12h para os avançados. E das 12h às 14h para os iniciados, 2 vezes por semana, normalmente aos sábados e domingos.
* Vasco de Cabral Augusto é lisboeta de raiz. Nasceu há 22 anos, na Ajuda. Já percorreu Lisboa de cima abaixo, com uma bola nos pés, e não troca as boas memórias desta cidade por qualquer outro lugar. Licenciado em Comunicação e Multimédia, pela Universidade Lusíada, tem duas paixões: futebol e jornalismo. É estagiário na Mensagem de Lisboa. Este texto foi editado por Catarina Pires.
A resiliência é impressionante e quando existe não é fácil destruir.
É com grande satisfação que me revejo com a ascensão do CTW e ter contribuído para que o sonho de muitos jovens que escolheram o Wrestling como um meio de vida praticando desporto e idealizando espectáculos .Agradecer a todos os intervenientes que de uma maneira ou de outra tornaram possível esta evolução do CTW e que futuramente possamos continuar a evoluir cada vez mais contribuindo para que a divulgação do WRESTLING Nacional seja uma realidade . Gostaria de deixar aqui um incentivo a todas as outras companhias nacionais que continuem a trabalhar no sentido da divulgação do WRESTLING para que a modalidade seja mais reconhecida. Comprimentos e abraços.