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Há jardins e jardins, árvores e árvores, alamedas e alamedas. Cada qual deposita num espaço da sua cidade memórias que tiveram ali morada – e o valor dessa memória. Tornam-se espaços classificados como marcantes nas nossas vidas.
Mas há também um selo estatal que define se os espaços verdes são realmente de interesse nacional e que os classifica como Arvoredo de Interesse Público. No total, há cerca de 400 em todo o país, embora seja no distrito de Lisboa que está concentrada a grande maioria. Só na cidade, são 118. Adivinharia que grande parte está localizada na freguesia da Misericórdia?
Paulo Reis Mourão é um investigador de economia na Universidade do Minho e tenta explicar os números. Alerta para os desequilíbrios da valorização florestal em Portugal e questiona: há, de facto, mais Arvoredo de Interesse Público na capital ou é onde há maior preocupação em registá-lo?
O estudo, publicado na revista científica Environment, Development and Sustainability, em coautoria com Vítor Martinho, do Instituto Politécnico de Viseu, encontra várias respostas para esta única pergunta.
E, esta quarta-feira (dia 23), decorre em Assembleia Municipal uma audição pública sobre a “Aplicação do Regulamento Municipal do Arvoredo de Lisboa”. A sessão está marcada para as 17 horas, via online, onde estarão presentes José Sá Fernandes, vereador do Ambiente, a Agência Portuguesa do Ambiente, a Plataforma de Defesa das Árvores – sobre a qual a Mensagem já escreveu – e várias outras associações e organizações, nacionais, locais e até criadas por cidadãos, com interesse em debater o tema. A inscrição pode ser feita através deste link.

Natural de Vila Real, Paulo Reis Mourão onde estudou na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), o investigador migrou há 20 anos para o Minho. Dos números para as árvores pode parecer um longo caminho, mas Paulo Reis Mourão explica que a economia existe em tudo, até na natureza classificada.
É em Lisboa que está a maior concentração de arvoredo de interesse público e não em áreas com mais densidade florestal. Isto acontece porque há efetivamente mais espaços que merecem este estatuto em Lisboa ou porque é onde existe mais preocupação em reconhecê-los?
O que acontece é que Lisboa, não só pelo interesse turístico, nem só pela concentração de técnicos de avaliação, acabou por ficar com praticamente 40% das árvores de interesse público do nosso país. Originalmente, não é um fenómeno que não tenha uma explicação mais lata, muitas vezes, quando queremos identificar os melhores jogadores de futebol, vamos olhar para os países que tradicionalmente exportam jogadores e não quer dizer que nos outros países ditos emergentes não apareçam jogadores tão bons.
Há aqui um lado da oferta do fenómeno, mas também um outro lado da própria procura do fenómeno. Não queremos tirar árvores de Lisboa, queremos é que muitas mais árvores pelo país fiquem identificadas. Conheço, no mínimo, 50 exemplares que seriam identificados e que têm histórias, lendas, todo um valor associado em redor que não está devidamente registado ou valorizado.
A candidata portuguesa para Árvore do Ano é uma no Alentejo e, curiosamente, as árvores que ficaram logo abaixo nesta listagem são árvores do Sul. Não diria que há mais árvores no Sul do que no Norte, mas as árvores de interesse público – que são árvores identificadas pelo Estado – estão mais concentradas em determinadas áreas, nomeadamente na capital.
No estudo, diz que este desequilíbrio geográfico pode dever-se a questões culturais, económicas ou de uma tendência viciada dos técnicos florestais. Começando pelas económicas, que questões são estas?
São questões que se prendem mais com a dinâmica turística. O turista ajuda-nos a valorizar aquilo que é nosso e que, muitas vezes, nós, que vivemos no espaço diariamente, não damos valor até vermos um sueco ou um japonês a tirar uma fotografia.
Os locais que, já por si, têm uma dinâmica turística mais reconhecida e forte, são locais que acabam por ter um estímulo natural para criarem outros pontos de interesse turístico e, consequentemente, olhar mais para as árvores que aí estão.
E as questões culturais quais são?
Quando a comunidade em volta cria um certo culto em redor de uma árvore ou conjunto de árvores – porque aqui também convém frisar que o próprio conceito [de árvore de interesse público], a nível europeu, envolve inclusive veredas, alamedas, jardins – temos uma dinâmica cultural que convém ser alimentada.
Obviamente, a própria comunidade precisa, ela própria, de se interessar pela árvore, mas também os agentes públicos podem cultivar esse interesse e identificar histórias sobre essa árvore. Pode inclusive já estar reportada em publicações do passado, mas ainda não estar devidamente catalogada.
Dizem-me os colegas da área da literatura e que trabalham mais na base regional e local que, quando redescobrem pequenos romances ou livros que foram editados nas décadas de 1920, 30 ou 40 e que falam ou associam a uma determinada árvore, ficam surpreendidos ao reencontrá-la ainda hoje. Ou, pelo contrário, a já constatar a ausência.
É outra realidade de que falamos no nosso estudo: quando fazemos este grito de alerta pelo interesse público, há toda uma leitura atual que aponta a necessidade de olharmos para os nossos espaços e perceber que são também construídos, que chegaram até nós porque alguém se interessou por eles.
O conceito de árvores de interesse público é uma árvore que o Estado considera relevante para valorização do mesmo Estado e dos cidadãos.
Mas é só papel do Estado olhar para eles?
O Estado tem o seu papel, mas obviamente nós [investigadores], por causa dos conteúdos académicos que colecionamos, percebemos que o Estado tem as suas limitações. E obviamente há aqui um papel muito importante das comunidades locais e das próprias associações.
Muitas vezes, as comunidades têm uma memória viva do que acontece com aquela árvore ou naquela alameda desde há 40 ou 60 anos. Mas, efetivamente, é uma memória oral, com as contingências que a memória oral tem, portanto, o contador dessa história, quando falecer, leva com ele esse registo. Perde-se a história e esse elemento de associação.
Há todo um esforço que tem de ser feito, porque podemos passar a vida toda por uma árvore e não lhe ligar, mas reparamos nela se soubermos que há ali contornos históricos interessantes.
E quando menciona a quota parte de culpa que os técnicos florestais podem ter neste desequilíbrio, o que quer dizer com isto?
O processo de identificação de interesse público está legislado e regulado, portanto, os promotores de uma árvore de interesse público têm um conjunto de protocolos a observar. No entanto, muitas vezes, esses promotores não o fazem por diversas razões. Numa leitura muito simples, porque não recebem incentivos percetíveis. Se eu tiver aqui uma árvore de interesse público, vai acontecer quase como o património religioso ou histórico, porque ao querer uma lâmpada ou uma pedra, vou precisar de quinhentas autorizações. Portanto, é melhor deixar as coisas como estão.
Depois, há o lado dos técnicos que podiam ser proativos, no sentido de que eles próprios, se tivessem instruções para tal, poderiam lançar-se na catalogação ou na proposta de catalogação das árvores. Sei que há técnicos que o fazem, que sugerem aos locais para avançarem com as propostas, mas depois também há técnicos que não o fazem. Ou por desatenção ou por desvalorização da temática.
“Geralmente, são árvores que foram identificadas como impressionantes por algo, com uma altura considerável, um tronco largo. Depois, obviamente, vem associado o lado cultural“
Afinal, o que é uma árvore de interesse público? E desde quando reconhecemos esse estatuto?
O interesse público é algo que está previsto, em termos legislativos, há vários anos. Agora, a figura de árvore de interesse público só ganhou uma legislação a partir dos primeiros anos de 2000, apesar de haver tentativas legislativas já a partir de 1940/50, inclusive espoletadas por um pinheiro que tinha à volta de 30 metros de altura, na Covilhã, e que agora já não existe. O conceito de árvores de interesse público é uma árvore que o Estado considera relevante para valorização do mesmo Estado e dos cidadãos.
Obviamente, se calhar, todos temos no nosso quintal ou num jardim uma árvore que é importante para nós, que foram árvores dos nossos pais e avós, mas quando falamos de interesse público falamos de árvores que são interessantes que não contam uma história para uma família, mas sim para todos os cidadãos.
E não precisam de ser enormes, como é exemplo da Azinheira de Fátima, com uma valorização para a comunidade católica. Também o Freixo, em Freixo de Espada à Cinta, que tem à volta de 600 anos e um conjunto de lendas ao seu redor. Uma árvore que foi de interesse público e agora já não o é: o Negrilho de Torga. Secou e desapareceu.
O que nos leva aqui a um contraditório, porque parte da missão de reconhecer uma árvore como de interesse público tem como objetivo a sua conservação. Mas isto nem sempre acontece…
O problema destes monumentos vivos é este. Ao contrário de uma estátua, que pode ser vandalizada e depois reposta, estes monumentos vivos não podem ser repostos. E abrimos logo aqui esta questão: até que ponto é que a comunidade que conhece aquela árvore está interessada em promover que a mesma fique identificada, com os custos associados à preservação? Não estando como interesse público, designa-se alguém da Junta [de freguesia] ou cheio de boa vontade, faz uma poda e assegura uma vida para mais um ano. Quando é de interesse público, estes processos de conservação podem não ser tão imediatos.
Olhando para esta lista de centenas de árvores que temos com este estatuto, há vários fatores que contribuem para este reconhecimento. É maioritariamente por que razão? Pelo porte, pelo significado histórico?
Geralmente, são árvores que foram identificadas como impressionantes por algo, com uma altura considerável, um tronco largo. Depois, obviamente, vem associado o lado cultural. Muitas vezes, este tipo de arvoredo pode aliar uma certa idade ao aspeto cultural envolvente que justifica a sua preservação.
Como é que um economista decidiu iniciar um estudo sobre o Arvoredo de Interesse Público?
Primeiro, eu sou de economia, mas sou sobretudo um investigador social, que tem este imperativo ético de estar atento a tudo o que me rodeia e a procurar respostas para muitas inquietações minhas e dos outros, da comunidade. E, depois, também tenho esta perspetiva de interdisciplinaridade. Gosto de estar permanentemente a investigar as áreas de fronteira entre a economia e as outras ciências. Obviamente, isto tem o seu risco, tem o seu custo, mas até ao momento tem dado largamente mais proveito do que custo.
Era um tema sobre o qual tinha algum conhecimento?
Confesso que quando comecei a investigar, tinha muito pouco. O que me chamou a atenção, de facto, foi que nós temos monumentos, há uma certa monumentalidade construída pelas comunidades – desde os totens das civilizações mais antigas até às estátuas de hoje, para marcar determinados acontecimentos da vida coletiva – e, além destes monumentos construídos, temos também monumentos vivos, as árvores, que curiosamente são ligadas à vida comunitária e várias gerações, à cultura local.
Quando nos aproximamos das comunidades e das aldeias, e ficamos curiosos sobre aquelas árvores, quantos anos têm, há sempre alguém que dá um palpite e uma sugestão relacionada com a história e algumas lendas locais. Isso foi-me chamando à atenção. Como é que, por um lado, tínhamos aqui, em redor, estes monumentos vivos e, por outro lado, tão pouca atenção lhes dávamos?
Depois, fui percebendo que o esforço de identificação, até mesmo para fins turísticos ou de preservação, já existia desde 1940/50, mas a verdade é que, tirando um ou outro livro de catálogo, praticamente chegamos aqui ao século XXI sem haver este esforço público de identificação e de estímulo para preservação destes monumentos. Na América, por exemplo, há roteiros de cariz cultural ou religioso, que identificam muitas destas árvores monumentais, porque muitas delas estão ligadas à religião dos povos ameríndios.
Onde estão os monumentos vivos de Lisboa
Cipreste-mexicano no Jardim Teófilo de Braga (Campo de Ourique) Cedro-do-buçaco no Jardim Príncipe Real (Misericórdia)
Para que um espaço seja classificado como Arvoredo de Interesse Público deve entrar numa destas categorias: ser bosque, arbustos, alamedas, jardins ou mesmo exemplares isolados. O reconhecimento é feito pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e parte de um quadro legal previsto em Portugal, que permite a promotores públicos e privados, até municípios, candidatar os seus espaços. Ao arvoredo classificado é conferido um estatuto semelhante ao de um monumento nacional e que garante proteção legal até 50 metros circundantes.
No concelho de Lisboa, contabilizam-se 118 espaços classificados, sendo que a maioria está localizado na freguesia da Misericórdia (oito), Arroios (sete), Estrela (sete) e São Domingos de Benfica (sete). Veja quais são, quantos existem na sua freguesia e qual a história por detrás da nomeação. Pode consultar a lista aqui.

Catarina Reis
Nascida no Porto há 27 anos, foi adotada por Lisboa para estagiar no jornal Público. Um ano depois, entrou na redação do Diário de Notícias, onde aprendeu quase tudo o que sabe hoje sobre este trabalho de trincheira e o país que a levou à batalha. Lá, escreveu sobretudo na área da Educação, na qual encheu o papel e o site de notícias todos os dias. No DN, investigou sobre o antigo Casal Ventoso e valeu-lhe o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO, em 2020.
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