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Os três já se conheciam do Miratejo, onde cresceram, e aqui, em Cacilhas, querem dar aos filhos o que tiveram quando eram miúdos: ruas para brincar e espaço para explorar. Foi por aí que tudo começou, com uma carta assinada pelos moradores do bairro à União de Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, Câmara Municipal de Almada e Assembleia Municipal a pedir um parque infantil, que viria a ser inaugurado em setembro de 2018, resultado de um processo colaborativo entre moradores e União de Freguesias.
“Há aqui muitas famílias com filhos pequenos, só no meu prédio são cerca de 30 crianças (estava na dúvida e fui contar…são mesmo 30!), e quando para cá viemos, inicialmente alugar casa, quase não havia crianças, só prédios e carros estacionados. Começámos a falar na ideia de um parque infantil no café da rua, primeiro com a Joana Sacadura e passado uma semana o Pedro deu o mote para a carta. A União de Freguesias foi recetiva e com o parque vieram as crianças para a rua. Começou por aí, pela vontade de eles crescerem num lugar melhor do que era quando aqui chegámos. Depois as coisas foram aparecendo, as pessoas foram-se juntando e a ideia do estuário, o lugar onde tudo desagua e desova, ganhou forma”, conta Diogo Salvador.
Inaugurado o parque infantil, junto a dois muros mesmo a pedirem para ser transformados em murais, surgiu um novo projeto em torno do qual a comunidade se juntou. Pensado durante meses e executado em 15 dias pelos três artistas plásticos do coletivo, Tiago Hesp, Vasco Maio e Manuel Santos, em setembro de 2019, nasceu ali, com a colaboração de todos, um tríptico, em que, nas palavras de Vasco, “cada um usou linguagens diferentes, mas que abraçam a mesma ideia de união entre as pessoas”.
No mês em que nasceu o mural, nasceram mais duas crias do Estuário, o Vicente, filho do Vasco, e o João, filho do Tiago, que hoje já correm por ali, usufruindo do território imaginado também para eles.
“O projeto do Estuário passa muito por sair dos limites da nossa varanda e mobilizar as pessoas para melhorar o lugar onde vivemos e estamos todos os dias”, diz Vasco.
“É por aí, ir fazendo coisas com que todos concordem, em que todos participem e que não só beneficie cada um, individualmente, mas todos os que aqui vivem, coletivamente. O importante é que existam coisas feitas para as pessoas sentirem que é possível intervir no espaço comum em que vivem”, concorda Diogo.

Os canteiros ganharam árvores e plantas, o jardim está a preparar-se para ganhar uma biblioteca comunitária, construída com materiais reciclados, e onde os livros serão deixados para partilha – “um vizinho traz um livro e leva outro ou lê aqui no jardim, no banco que vai ser o banco da leitura”, diz Vasco -, as ruas ganharam encontros, espontâneos ou programados, com música, horas do conto ou arraiais, as paredes dos prédios serviram de telas de projeção para comemorar Vinte e Cincos de Abris e Primeiros de Maios e Passagens de Ano, com banda sonora a acompanhar e nem a pandemia e os dois confinamentos pararam o bairro. Vieram, pelo contrário, aguçar o engenho.

“É preciso combater a ideia de que o espaço público não é de todos e que a sua gestão cabe a uma entidade exterior e distante. É isso que leva as pessoas a desligarem-se, distanciarem-se e até desresponsabilizarem-se. A nossa ideia é envolvermo-nos. Se as pessoas forem intervenientes diretas, muito mais facilmente preservam e melhoram o espaço comum”, diz Pedro Rebelo.
E é o que os vizinhos do Estuário Colectivo têm feito. Ideias não lhes faltam (pelo contrário, sobram-lhes) e braços para passar à ação também não. “Devíamos pôr a música do Sérgio Godinho em loop para não nos esquecermos de como se dá um abraço e para que servem os braços”, diz Pedro.



Jam do Trabalhador, no último 1º de Maio, Hora do Conto, com João Tempera, dinossauros no jardim. Sempre que podem os vizinhos, grandes e pequenos, juntam-se no espaço comum que todos os dias procuram melhorar. Fotografias do Facebook do Estuário Coletivo.
O mais recente projeto, já apresentado num concurso europeu promovido pela Universidade do Porto (UPorto) e cujos resultados serão conhecidos em breve, é transformar o ringue de jogos num espaço multifuncional que possa acolher concertos, exposições, feiras, debates, fóruns e um cinema ao ar livre, além de continuar a servir para jogar basquete, futebol ou andebol.
Independentemente dos resultados, os vizinhos da António Nobre avançarão para a transformação daquele ringue, com intervenção mural e no piso através de art work e alargamento das funcionalidades do espaço.

“Esta intervenção vai fazer confluir as pessoas a este ringue e é uma forma de dar resposta a novos usos da cidade em pandemia. Aqui conseguimos manter o distanciamento físico e fazer coisas ao ar livre, que é o sítio mais seguro para se estar. Queremos fazer aqui feiras multiculturais, de artesanato e outras, o cine-estuário, trazer contadores de histórias, fazer exposições e debates, pôr a malta a falar sobre as coisas”, diz Vasco.
“Temos muitas ideias para reabilitar zonas mais ou menos abandonadas aqui à volta, mas ainda falta falar com muita gente para deixarem de ser só ideias”, diz Diogo, que gostaria de ver o Estuário estender-se ainda mais longe.

Catarina Pires
É jornalista e mãe do João e da Rita. Nasceu há 48 anos, no Chiado, no Hospital Ordem Terceira, e considera uma injustiça que os pais a tenham arrancado daquele que, tem a certeza, é o seu território, para a criarem em Paço de Arcos, terra que, a bem da verdade, adora, sobretudo por causa do rio a chegar ao mar mesmo à porta de casa. Aos 30, a injustiça foi temporariamente corrigida – viveu no Bairro Alto –, mas a vida – e os preços das casas – levaram-na de novo, desta vez para a outra margem. De Almada, sempre uma nesga de Lisboa, o vértice central (se é que tal coisa existe) do seu triângulo afetivo-geográfico.
Adoreiiiiiiii!!!!! (O Diogo é o meu pai)
Bonita obra de gente bonita. Pessoas a construir e conviver, impedem a gentrificação. Fazem-me sentir Saudades de Cacilhas onde vivi há 60 anos.
Que projeto lindo <3
Projectos destes são de louvar! E conhecendo o espaço, porque moro aqui ao lado e sabendo que era fruto da iniciativa de um grupo de pessoas, desconhecia a existência de todo o resto do projecto que acabei de saber por aqui. Que estas pessoas sejam uma inspiração para que outras, nos seus locais de habitação, lhes sigam o exemplo. Um grande bem haja, a todos os que participam!
Adoro ver isto assim! Muitas vezes pensa-se como seria bom ter neste espaço um jardim… mas não se sabe como começar. Já começou! e isso é fantástico! É um exemplo a seguir…
Fico feliz e honrado de ter participado numa das vossas iniciativas, o Festival Estuário.
Parabéns pela coragem, iniciativa e pelo que já construiram, certamente raíz para construir um melhor presente e futuro das crianças, jovens e todos os moradores do bairro.
Não parem.
Um abraço e até já!!