Observar golfinhos… no Tejo? Sim, é possível. Sobretudo numa manhã de sol e águas azuis, com o céu cheio de grandes nuvens brancas, depois de um dia de muita chuva. É na Doca de Alcântara que se inicia a rotina para que o barco turístico da SeaEO Tours saia para um passeio para observação de golfinhos – no rio e um pouco mais além da barra do Tejo, a 10 milhas de Lisboa.

Sidónio Paes, biólogo marinho e sócio-gerente da empresa SeaEO Tours, conta que desde o ano passado, com a quietude no rio devido à pandemia, uma família de golfinhos-comuns tem frequentado o rio Tejo. “É habitual avistá-los junto da barra do forte de São Julião entre o início da primavera e o final do verão. Mas agora vemos às vezes uma procissão rio acima até ao Parque das Nações ou mesmo até Alverca!”.

Esta família de golfinhos conta com mais de 30, adultos, machos e fêmeas, juvenis e até crias recentes. “Este grupo foi registado a entrar e a sair do rio Tejo diariamente desde maio até meados de setembro de 2020. Este ano já foram avistados por três vezes golfinhos a meio do rio. Contudo, por não haver registos fotográficos de qualidade (Foto ID), não podemos para já afirmar que haja indivíduos do mesmo grupo do ano passado”, explica o biólogo.

Golfinhos no Tejo. Foto: Nysse Arruda

A 12 de abril, por exemplo, um dia cinzento e chuvoso, Sidónio Paes deparou-se com dezenas de golfinhos no rio, enquanto se deslocava com o barco para abastecimento. “O que era um simples reabastecimento do barco, tornou-se numa manhã memorável”, relembra. Esta espécie de golfinhos é protegida e, em adulto, pode atingir mais de quatro metros e pesar quase meia tonelada. Comem moluscos, robalos, tainhas e sargos, que ultimamente se encontram em abundância no Tejo, onde também é possível encontrar habitats adequados para o desenvolvimento das crias – por isso já foram avistados vários recém-nascidos.

O biólogo explica: “A sua proximidade da costa, embora tenham sido avistados noutros locais, a surfarem as ondas, uns dias antes, deve-se ao facto de se alimentarem de presas que habitam perto destes ecossistemas costeiros. Este grupo de roazes foi visto no Tejo a atirar tainhas ao ar, a brincar com um valente choco e a nadar atrás de peixe à superfície a grande velocidade.»

Águas mais limpas e presença de mais peixes no Tejo

A presença recente de golfinhos, tem tudo a ver com a qualidade da água do estuário do Tejo. “Tem vindo a melhorar imenso nas últimas décadas, especialmente desde a construção das ETARS a partir dos anos 90 (as Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Alcântara, Beirolas e Chelas, do desmantelamento de certas unidades industriais, da despoluição do rio Trancão bem como a reabilitação da zona oriental da cidade”, explica Maria José Costa, professora catedrática reformada da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e autora do livro Estuário do Tejo – onde o rio encontra o mar.

Foto: SeaEO

Segundo esta especialista, a comunidade piscícola recuperou bastante também e “atualmente há uma certa abundância de peixes no Tejo até por causa do aumento da temperatura da água nos últimos 20 anos, o que provocou o quase desaparecimento de certos peixes e o surgimento de novas espécies de águas mais quentes como o caranguejo chinês, a ameijoa japonesa e os macroinvertebrados bentónicos (lagostins por exemplo).”

As espécies de golfinhos no Tejo e zonas costeiras

Nesta manhã tranquila, o barco da SeaEO Tours navega rápido rumo à barra do rio e o biólogo avisa os passageiros para estarem atentos a algumas aves agrupadas num só local ou então para notarem subtis movimentos na superfície azul da água. Olhos postos no horizonte todos se seguram bem ao barco enquanto a rota avança para o mar aberto e as vagas atlânticas se fazem sentir.

O passeio no barco que observa os golfinhos no Tejo. Foto: Nysse Arruda

«There!», grita entusiasmado o miúdo de cabelos longos sentado junto ao pai suíço e à mãe americana. Turistas em tempo de pandemia, vieram da Ericeira, onde estão, de propósito para observar os golfinhos no Tejo. Logo são avistados dois golfinhos a saltarem nas vagas e mais três a nadarem em frente ao barco e mais outros a mergulharem por baixo, e ainda mais alguns a saltarem a poucos metros de distância. São cerca de 18, em grupos de 3 a 6 elementos, com cerca de 2 metros de comprimento.

“É a espécie habitual no Tejo, o golfinho-comum (Delpinus delphis), protegida desde 1981, e com presença assídua no rio desde 2020”, explica Sidónio. As principais características desta espécie são a cor da faixa na lateral do corpo, a barbatana dorsal alta e falcada, de cor esbranquiçada, sem qualquer osso ou músculo. “É assim que se identifica cada indivíduo e sua idade, que chega até aos 45 anos. O corpo e a cabeça são robustos e hidrodinâmicos e o bico é curto. A coloração varia desde o cinzento ao preto, sendo a barriga mais clara que o dorso”, diz.

Sidónio Paes, biólogo marinho, a tirar um plástico da água, que, como todos os outros, está a mais no mar. Foto: Nysse Arruda

No Tejo é comum também vermos golfinhos roazes (cujo nome científico é Tursiops truncatus, mas conhecidos também pelos nomes de golfinho-nariz-de-garrafa ou roaz-corvineiro), uma espécie muito popular em todo o mundo. O biólogo explica as suas características: “São especialmente acrobáticos o que os torna também dos golfinhos mais capturados para shows aquáticos — ficando confinados a um espaço muito menor em relação ao que percorreriam em estado selvagem”. Esta espécie percorre toda a costa portuguesa em cerca de dois ou três dias, nadando pelas zonas costeiras em busca de alimento e patrulhando enormes áreas. Andam em águas costeiras e oceânicas, em todos os oceanos do planeta, exceto os mares polares.

Mesmo com o Tejo menos povoado, vê-se um pedaço de plástico a flutuar entre as vagas do mar, a mais de 10 milhas de distância de Lisboa. É prontamente apanhado pelo biólogo que está sempre atento a este tipo de ocorrência durante os passeios. Às vezes são encontrados também tralha de pesca perdida e mesmo sacos plásticos e outros objetos de plástico.

Saber mais para preservar melhor

“Tentamos sempre fotografar cada um dos golfinhos que avistamos para identificar os indivíduos e saber se já estiveram cá. Anotamos também as coordenadas onde foram avistados e o tipo de grupos – mistos ou juvenis – para perceber por onde andam e se estão a buscar alimento. Com isso criámos uma base de dados conforme as espécies avistadas. Durante o verão recolho as amostras dos avistamentos e no Inverno estudo as espécies individualmente e sua relação com o rio”, detalha o biólogo que já foi responsável pela captura de peixes para o Oceanário de Lisboa, integrou a Liga para Proteção da Natureza, especialmente no tema de política de pescas, realizou investigação sobre o zooplâncton na Bélgica onde também defendeu em 2011 a tese de mestrado sobre Áreas Marinha Protegidas em Itália, na Universidade de Gant.

Golfinhos vistos do barco. Foto: Nysse Arruda

Nestes passeios de observação de golfinhos e de outras espécies que eventualmente encontra nas águas costeiras da barra do Tejo (como a tartaruga boba, a tartaruga de couro, o peixe lua, o tubarão-frade e a tintureira entre outros), Sidónio Paes partilha o seu conhecimento científico com os passageiros da SeaEO Tours. E não é um mero guia turístico: “Enquanto biólogos somos porta-vozes dos oceanos e temos de saber quando estamos a incomodar estes golfinhos através da interpretação do comportamento. Por essa razão, é necessária uma abordagem extremamente sensível na presença destes magníficos animais selvagens”. Há um código a seguir, do ICNF, que concede a Autorização de Observação de Cetáceos às empresas marítimo-turística e centros de investigação.

Para ele, o trabalho envolve também a “promoção da consciencialização acerca da biodiversidade marinha”, Por exemplo, “evitar a captura dos golfinhos em artes de pesca, mesmo sem intenção”. E sensibilizar a sociedade. “O mar precisa de iniciativas inovadores na proteção dos oceanos e sustentabilidade das atividades humanas”, arremata o biólogo marinho que também é guia especializado em aves marinhas no estuário do Tejo e está particularmente preocupado com o projeto do novo aeroporto no Montijo.

O Tejo é, no fundo, uma riqueza imensa, a que os lisboetas dão pouca atenção, para além da paisagem.

SeaEO Tours – Observação de Golfinhos:

época-baixa (outubro a maio) todas as quartas-feiras, sextas-feiras, sábados e domingos das 9h30 às 12h30.

época alta (junho a setembro) todos os dias exceto segundas-feiras das 9h30 às 12h30.


*Nysse Arruda é jornalista especializada em náutica, fundadora e curadora do Centro de Comunicação dos Oceanos- CCOceanos – série de palestras a abordar temas relacionados com os oceanos, conectando os países de Língua Portuguesa e tornando Portugal um polo de partilha de informação atualizada sobre os oceanos.

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2 Comentários

  1. Uma reportagem que vem animar exatamente na hora que mais precisamos! Parabéns Nysse Arruda pelo excelente texto, fotos, e lição de que, na vida, é possível respeitar a Divina Natureza !

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